Devaneios, não ideais
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas, em geral,
confundem ideais com simples devaneios. Os primeiros são claros,
definidos, objetivos e não contêm a mínima ambiguidade. Os
segundos são obscuros, genéricos, vagos e sumamente ambíguos.
Afirmar que se deseja “ser
útil” pode ser manifestação de boa intenção, não duvido. Mas
essa utilidade pode ser dar de várias formas. Portanto, a afirmação
não passa de mero devaneio. O mesmo vale quando nos referimos à
humanidade. Generalizamos a questão, sem especificá-la.
Outro conceito genérico,
amiúde utilizado pelos pseudo idealistas, é o que se refere ao
“próximo”. Quem é ele? Qual seu grau de proximidade? Próximo
de quem, de mim ou de meus parentes e amigos? Devaneios, meros
devaneios.
O verdadeiro idealista, não
raro, sequer sabe que o é. Não se limita a meras elucubrações e à
retórica bombástica, mas via de regra despida de conteúdo. Em vez
de falar e de apregoar aos quatro ventos os méritos próprios, ou
seus pseudo sonhos, ou supostos planos, opta por agir: socorre,
instrui, orienta, corrige, constrói... E, na maioria das vezes,
sequer fica sabendo o resultado da sua atuação. Ademais, isso pouco
lhe importa.
Idealista, sem dúvida, foi
São Francisco de Assis em sua opção de valorização e defesa da
vida, sendo humilde com os humildes, assumindo uma pobreza que não
precisava, comungando a tal ponto com a natureza que chegava a
entender os animais, os pássaros, as borboletas e os insetos, com os
quais dialogava.
Outro, que sacrificou fortuna,
fama, posição social etc. foi Albert Schweitzer. Médico, filósofo,
teólogo e músico (é considerado, até hoje, um dos melhores, se
não o melhor intérprete das composições de Johann Sebastian
Bach), no auge do prestígio, abandonou tudo para se embrenhar nas
selvas do Gabão, na África, para tratar de pessoas que não
dispunham das mínimas condições de acesso a tratamento médico.
Iniciou sua missão – que
ninguém lhe impôs – em condições precaríssimas. Seu primeiro
“consultório” foi um galinheiro adaptado. Enfrentou obstáculos
que desanimariam o mais determinado dos idealistas, como clima
hostil, falta de higiene, carência de medicamentos e de instrumentos
cirúrgicos, idioma estranho que lhe era, de início, completamente
incompreensível etc.etc.etc. Tratava, em média, 40 doentes por dia
e fez isso não por semanas ou meses, mas por anos e décadas,
dormindo pouco, se alimentando mal e sem receber o mínimo níquel de
quem quer que fosse por seu trabalho. A despeito de tudo e de todos,
perseverou. E venceu.
Schweitzer encantou e extasiou
o mundo com sua perseverança, bondade e dedicação. Em 1952,
conquistou o Prêmio Nobel da Paz, o mais justo de todos já
atribuídos desde a instituição dessa premiação. E, claro,
reverteu a totalidade do que recebeu na construção de um moderno
hospital em Lambarené, além da contratação dos melhores médicos
e enfermeiras que havia na Europa e no aparelhamento do mesmo.
Idealistas foram Mohandas
Karamanchand Gandhi, o poeta Rabindranath Tagore, Madre Teresa de
Calcutá, Martin Luther King e tantos outros. Muitos desses
indivíduos obcecados pelo bem continuam agindo, injustiçados,
espalhados pelo mundo afora, sem que as pessoas que não sejam do seu
círculo sequer saibam que existem. Pouco lhes importa.
Muitas vezes nos deparamos com
tarefas aparentemente impossíveis de serem realizadas, por se
constituírem, supostamente, em desafios superiores às nossas
forças, nossos conhecimentos e nossa capacidade mental.
A maioria... claro, desiste da
empreitada, sem sequer fazer a mínima tentativa. Perde, desta forma,
não raro, oportunidades únicas para evoluir e conquistar o respeito
e a admiração gerais quando não os próprios. Estes não podem,
jamais, posar de idealistas. Todavia, alguns têm a suprema cara de
pau de apregoar que o são. Têm devaneios, não ideais.
Muitos indivíduos, todavia,
ousam tentar realizar o aparentemente irrealizável. E surpreendem-se
com as próprias forças, com aquela reserva de energia que todos
temos, mas que a maior parte das pessoas sequer desconfia que tenha.
A ousadia acaba premiada. Esses, sim, são idealistas.
Não se deve desistir, a
priori, de nada. Se nosso esforço redundar em fracasso, a tentativa
sempre terá valido a pena. Se for bem-sucedido... A escritora Pearl
Buck constatou, a respeito: “Até prova em contrário, todas as
coisas são possíveis – e mesmo o impossível talvez o seja apenas
nesse momento”.
Mas o ideal precisa ser
legítimo, claro, objetivo e definido. Caso contrário... O
escritor italiano, Giovanni Arpino, fez uma deliciosa constatação a
respeito, no livro “A escuridão e o Mel” (Editora Berlendis &
Vertechio”). Escreveu: “Ser útil. Humanidade. O próximo.
Devaneios de solteirona. Se fosse assim, melhor seria ser cura, no
campo. Mas um cura típico, com a barriga, a chácara, o sótão
cheio de salames e assim por diante”. Porquanto, convenhamos, ideal
está longe de ser algo tão genérico, obscuro, oco e vago.
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