Estímulo ao instinto
Pedro J. Bondaczuk
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Fico pasmo com a naturalidade com que as pessoas falam da morte. Dos
outros, claro. Sempre que o assunto vem à baila e levanto a
possibilidade dos meus interlocutores morrerem, eles desconversam,
disfarçam, e passam a falar de trivialidades, como o jogo de futebol
da véspera, as tramoias e artimanhas da política e outros quetais.
Sinto que a vida e, principalmente, o seu oposto, foram banalizados
ao extremo, como se os seres humanos se tratassem, apenas, de números
estatísticos, de cifras manipuláveis e descartáveis, e não de
gente como a gente, com nossas mesmas dúvidas, problemas, fraquezas,
aspirações, vulnerabilidades e temores.
E olhem que sequer estou me referindo à matança indiscriminada de
espécies, vegetais e animais, que se pratica a todo o momento, com
uma velocidade estonteante e com uma indiferença olímpica sobre as
consequências que isso pode e tende a causar.
Nós, escritores, autores de peças de teatro, roteiristas de novelas
de TV e de filmes, temos grande parte da culpa disso acontecer. Não
que, se não incluíssemos em nossos textos essa infinidade de
assassinatos e assassinos de que tratamos, ninguém mais iria matar
ninguém. Uma afirmação dessas seria não apenas falsa, mas pueril
e de uma burrice monumental.
Mas a forma com que tratamos essa manifestação extrema de violência
tem lá sua influência, notadamente em mentes mais fracas (e são
tantas!). Via de regra, nossos enredos passam a impressão (mesmo à
nossa revelia) de que matar, dependendo de quem seja a vítima e de
quais forem as circunstâncias, é a coisa mais natural do mundo.
Claro que nunca foi, não é e jamais deveria ser. É um ato grave,
gravíssimo, injustificável, injustificabilíssimo, um delito
absurdo, por maiores que sejam as tentativas de tornar minimamente
aceitável um horror desses.
E o que fazer? Banir os assassinatos dos nossos textos? Claro que
não! Nossa atividade implica em tratar, sempre e sempre, da vida
exatamente como ela é. Ou seja, sem omitir coisa alguma, quer
façamos ficção, quer não. E infelizmente, esse grave (gravíssimo)
evento existe.
Compete-nos, com habilidade (é nessas ocasiões que temos a chance
de exibir nosso verdadeiro talento), deixar pelo menos implícito (se
não for possível explicitar), que por mais justificável que esse
ato extremo pareça, é errado, é grave, é assassinato e não deve
ser praticado, e muito menos repetido como ocorre no cotidiano.
Não chegarei ao desplante de afirmar que romances, novelas e filmes
violentos promovam a violência ou mesmo remotamente sejam causas da
sua escalada. Esse é um tema por demais complexo, tem inúmeras
origens e não comporta explicações simplistas.
Mas que, essa banalização da morte desperta, ou pelo menos
estimula, o instinto tânico, o de destruição, em mentes fracas e
em indivíduos com graves taras, deficiências mentais e/ou
comportamentais de toda a sorte e instinto inato de matar, disso não
tenho a mínima dúvida.
Até por formação, sou avesso a qualquer tipo de censura.
Recomendo, porém, a quem escreva para o público, que reflita
bastante antes de tratar de morte em seus escritos. Pense na
possibilidade de você ser não o que a descreve, mas a vítima.
Ainda assim, ostentando essa condição, você consideraria o ato de
matar justificável em qualquer circunstância? Duvido! Pimenta só
não arde quando é esfregada nos olhos dos outros. Quando é nos
nossos....ai, ai, ai.
Tenha em mente que você jamais saberá em que mãos seu texto irá
cair. Tanto pode ir parar nas de uma pessoa “normal” (embora
sejam sumamente vagos os critérios de normalidade), sensata e com
senso crítico, quanto nas de um desequilibrado, de um homicida
potencial, de um paranoico insensível que não dê o mínimo valor à
vida alheia (e provavelmente nem à própria) e que apenas busque
qualquer justificativa para praticar este ato terrível e sem volta.
Outra coisa que jamais entendi, desde menino (e olhem que isso já
faz muuuito tempo), é a guerra. É o fato de dois governantes, de
países diferentes, se desentenderem por algum motivo (via de regra
banal e sem importância) e, por causa disso, levarem seus
respectivos povos a se trucidarem, mesmo tendo em conta que os
soldados que se digladiam nos campos de batalha sequer se conhecem,
quanto mais têm motivos de se odiar e de matarem uns aos outros.
Mesmo sem se conhecer, porém, estimulados por aparatos
irresponsáveis de propaganda, veem, uns aos outros, como
inconciliáveis inimigos, que precisem ser eliminados como ervas
daninhas. E ainda dizem que nossa espécie é a do Homo Sapiens!
Isso contraria profundamente minha educação rigorosamente
cartesiana. Não vejo a mínima lógica nesse procedimento. E, no
entanto... As páginas da história, salvo uma ou outra exceção,
foram escritas, quase todas, com sangue, muito sangue e há multidões
que acham isso “normal”. Como pode?!!!!
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