O
fator experiência
Pedro
J. Bondaczuk
A
experiência pessoal – ou seja, o que vimos, ouvimos,
testemunhamos, lemos, fizemos ou até o que nos fizeram – é
fundamental em qualquer atividade. Pode parecer afirmação acaciana,
de tão óbvia, mas muitos não se dão conta disso. Todo esse acervo
constitui nosso cabedal de conhecimento. Como não poderia deixar de
ser, se isso é importante em qualquer atividade, é essencial em
literatura.
Cada
história que narramos, por mais fantasiosa e inverossímil que seja,
tem sempre alguma coisa que foi “vivida” por nós, ou por alguém
do nosso convívio, mesmo que não venhamos a admitir ou sequer nos
dar conta. Cada personagem que criamos, embora se trate de fantasioso
ET, sempre tem algum traço, algum trejeito, algum comportamento ou
pensamento nosso ou de alguém que conhecemos, ou vimos mesmo que só
de passagem, algum dia e em algum lugar.
Se
tivermos talento para a nossa atividade, a literária, se dominarmos
as regras do idioma e se soubermos nos comunicar corretamente, de
maneira simples e atrativa, quanto maior for essa experiência, mais
chances teremos de nos tornar escritores bem-sucedidos. Talvez não
comercialmente, é verdade, pois esta é uma outra história. Mas no
sentido de agradar, de entreter, de ilustrar os que eventualmente
vierem a ler o que escrevermos.
Esse
preâmbulo vem a propósito de um dos mais agudos, argutos e
bem-sucedidos ficcionistas brasileiros. E, creiam-me, não exagero
nesses qualificativos. Basta dizer que esse “personagem”
conquistou o Prêmio Cervantes (o de 2003), façanha para poucos,
diria, para pouquíssimos. Afinal, essa premiação literária é a
maior atribuída a escritores de língua portuguesa, uma espécie de
Nobel, guardadas as devidas proporções. Refiro-me a José Rubem
Fonseca, mineiro de Juiz de Fora, onde nasceu em 11 de maio de 1925.
E ele brilha não somente nas letras, mas também no cinema, como
roteirista.
Seus
roteiros, por exemplo, já conquistaram três prêmios de grande
expressão e prestígio: Coruja de Ouro, o Kikito do Festival de
Gramado e a premiação da Associação Paulista dos Críticos de
Arte. Mas é como escritor que o acompanho mais de perto e há já
alguns anos. E em literatura, sua obra é impressionante, das mais
respeitáveis, quer pela quantidade, quer, principalmente, pela
qualidade. Afinal, ninguém conquista um Prêmio Cervantes por acaso,
não é mesmo?
Com
os dois livros publicados, se não me engano em 2011, os últimos
dele que li – o romance “José” e a coletânea de contos
“Axilas e outras histórias indecorosas” – sua vasta produção,
dada a público, ascendia então a 28 títulos. Destes, onze são
romances, catorze são livros de contos, um é a novela “E do meio
do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto”, um é
volume de crônicas intitulado “O romance morreu”, além da
antologia “O homem de fevereiro ou março”.
E
o que tem a ver a vasta produção desse magnífico escritor com o
tema desta reflexão, ou seja, a experiência pessoal? Tem muito.
Poderia até dizer: tem tudo. Explico.
Rubem
Fonseca, graduado em Direito, fez longa carreira na polícia. Foi,
por exemplo, entre outras funções que exerceu, comissário, no 16º
Distrito Policial, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro.
Testemunhou dezenas, centenas, milhares de dramas e tragédias de
toda a sorte, e por anos e anos a fio. Ouviu histórias reais tão
absurdas que matariam de inveja os mais imaginativos e delirantes
ficcionistas.
Além
disso, foi brilhante aluno da Escola de Polícia. E destacou-se,
sobretudo, na disciplina de “Psicologia”. Ou seja, aprendeu a
interpretar os desvios das mentes criminosas e suas doentias
motivações. E levou toda essa experiência para a literatura,
aliando-a ao seu natural e indiscutível talento literário. Deu no
que deu. Ou seja, no surgimento de um escritor original, preciso,
meticuloso, cujos textos têm a rara virtude de prender a atenção
até do leitor mais desatento e distraído, da primeira à última
linha.
O
roteirista veio depois. Surgiu como decorrência natural do hábil
ficcionista, afeito à ação. A propósito, seus roteiros premiados
foram os dos filmes “Relatório de um homem casado”, dirigido por
Flávio Tambellini, “Stelinha”, que contou com a direção de
Miguel Faria Junior e “A grande arte”, de Walter Salles Junior.
Além
do Cervantes e dos três prêmios cinematográficos, Rubem Fonseca
conquistou, ainda, o Jabuti, do Penn Clube. E não ficarei nada
surpreso se algum dia souber, através da imprensa internacional, que
esse escritor mineiro, criativo, mas, sobretudo, com vasta
experiência pessoal, ganhou o tão cobiçado (e arredio aos
brasileiros) Nobel de Literatura. Quem sabe?! Méritos para isso
Rubem Fonseca, certamente, tem.
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