Garimpeiros
de histórias
Pedro
J. Bondaczuk
O
jornalista e o escritor têm muito mais coisas em comum do que as
pessoas de fora desses meios podem supor. E não somente por terem na
palavra escrita a ferramenta dos seus respectivos ofícios. Ambos
são, sobretudo, garimpeiros diligentes de histórias, com as quais
moldam suas respectivas produções: o jornalista, para escrever uma
boa reportagem. O escritor, para produzir romances, contos e novelas
que emocionem multidões e as façam refletir.
Há,
claro, também várias diferenças. Daí serem atividades distintas,
a despeito das semelhanças (mas não igualdades) que possuem. O
jornalista tem, entre outras coisas, tempo restrito para narrar suas
histórias, adstrito ao “deadline”, ou seja, ao horário de
fechamento das edições. Ademais, exige-se, dele, extremo rigor no
que se refere à veracidade. Sua reportagem precisa ser a mais lídima
expressão da realidade. A história contada tem que ser verdadeira
nos mínimos detalhes. A menor invenção, desvirtua a matéria e a
invalida. Não se admitem mentiras em jornalismo, sob pena do
profissional dessa área perder o que pode ter de mais precioso:
credibilidade.
O
escritor, por seu turno, decide sozinho (salvo raras exceções)
quanto tempo vai precisar para elaborar sua narrativa. Isso, claro, a
menos que tenha contrato firmado com sua editora, estipulando prazo
para a entrega do seu livro. A história que se propõe a contar
pode até ser baseada em fatos reais, mas não precisa,
necessariamente, basear-se na realidade. Poder é uma coisa e ser
obrigado a é outra. A imensa maioria das histórias não se baseia
em fatos reais. Compete ao escritor criar tanto os personagens,
quanto cenários e circunstâncias que existam apenas na sua cabeça
e, no entanto, sejam verossímeis. A condição é que, no mínimo,
façam com que os leitores “desconfiem” que se trate de fatos.
Há
outros tantos diferenciais entre estes dois tipos de redatores, ora
favorecendo um, ora o outro. A reportagem, ou seja, o texto
jornalístico, por melhor que seja escrita, tem curtíssima
durabilidade. Afinal, o jornal “nasce” por volta das quatro horas
da madrugada, quando chega às bancas e “morre” por volta do
meio-dia.
Com
o advento da internet e dos jornais eletrônicos, essa “morte” é
ainda mais prematura. Salvo se a reportagem for tão excelente, a
ponto de ser candidata a algum prêmio jornalístico (o Esso, por
exemplo, que é o mais prestigioso deles, ou o Comunique-se), o texto
será logo, logo esquecido. As pessoas podem, até, se lembrar da
história narrada, mas raramente se lembrarão de quem a narrou.
Já
o escritor, nesse aspecto, leva nítida vantagem sobre o jornalista.
Caso a sua criação seja, de fato, memorável, será lembrada por
décadas, séculos, até por milênios, ou seja, por muito tempo
depois da sua morte. Um livro dificilmente “morre”, caso seja
bom. Pode permanecer “adormecido” por muito tempo, esquecido
pelos leitores, mas em determinado dia, por força do acaso ou de
alguma fortuita circunstância, tende a ressurgir. Volta e meia topo,
nos sebos que frequento (e há anos tenho esse saudável hábito)
com obras há muito esquecidas. Quando boas, faço a minha parte para
promover sua ressurreição. E geralmente dá certo.
Claro
que em tantos outros aspectos, o jornalista leva vantagem sobre o
escritor. Por exemplo, o jornalismo é, há já cerca de dois
séculos, uma profissão, o que confere certa respeitabilidade e,
principalmente estabilidade financeira a quem milita no meio.
Já
o escritor... Qualquer pessoa que escreva e se aventure no mundo das
letras pode se autonomear como tal, mesmo que não o seja. Não se
exige nenhum diploma para se exercer essa atividade. Desde que o
sujeito escreva um livro qualquer e encontre quem esteja disposto a
publicá-lo, pode se considerar um “escritor”.
As
duas atividades, porém, podem ser complementares (e via de regra,
são). Inúmeros dos principais escritores, mundo afora, frequentam
ou já passaram, em alguma fase de suas vidas, por redações de
jornais e revistas. Hoje, mais do que nunca, isso acontece com enorme
frequência.
Você
pode ser, ao mesmo tempo, jornalista e escritor, sem que uma
atividade atrapalhe a outra. E é até desejável que o seja, desde
que você não misture as duas coisas, quer na concepção das
histórias, quer na linguagem adotada. O jornalista lida com fatos,
frios, secos, nus e crus. O escritor, por seu turno, pode até se
valer de histórias que realmente ocorreram, mas sua “praia” é a
criatividade, a fantasia, o insólito, a subjetividade. A linguagem
do primeiro tem que ser, necessariamente, objetiva. A do segundo terá
mais valor quanto mais subjetiva puder ser.
Paradoxalmente,
contudo, as histórias mais surpreendentes e surreais são as da vida
real, ou seja, a matéria-prima do jornalista. Nenhum escritor, por
mais criativo e fantasioso que seja, será capaz de competir, em
loucura, mistério, maldade, bondade etc. etc.etc. com a realidade.
Nas reportagens, ao contrário de nos romances, contos e novelas,
quem se dá bem, normalmente, é o vilão, em detrimento do herói.
Raramente acontece um “happy end”, um final feliz, e quando este
ocorre, não desperta tanta (ou nenhuma) atenção do leitor. Já na
literatura... E isso, mesmo jornalistas e escritores serem
garimpeiros de histórias. Ambos encontram, cotidianamente, na vida
real, esse precioso diamante. A diferença, no entanto, está na
“lapidação”.
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