Humanista
inspirador
Pedro
J. Bondaczuk
Sir
Bertrand Arthur William Russell, terceiro Conde de Russell, foi uma
das personalidades que me inspiraram na juventude, naquela fase da
vida em que eu exsudava idealismo por todos os poros e sonhava em
fazer algo para melhorar a condição humana, ideal que se perdeu, em
parte, pelos caminhos do tempo, contaminado pelo desânimo. Foi uma
figura imponente, não no aspecto físico (que é o que menos
importa), mas no aspecto moral e no de uma inteligência muito além
da média, posta a serviço da humanidade.
Viveu
quase um século (faltaram apenas dois anos para atingir a marca
centenária, pois morreu com 98 anos, em 2 de fevereiro de 1970),
levando uma vida ativa, produtiva e exemplar até, praticamente, o
último suspiro. Poucas pessoas, mesmo os raros gênios (como foi o
caso), têm tamanha energia, sobretudo espiritual. Tudo o que fez (e
fez muito), foi bem feito.
Bertrand
Russell foi, por exemplo, um dos mais brilhantes matemáticos dos
séculos XIX e XX. Devo-lhe, em grande parte, meu fascínio por essa
disciplina, apreciada por poucos, mas sumamente fascinante, quando
devidamente compreendida. Só isso lhe bastaria para assegurar a
glória. Mas esse genial pensador foi além. Marcou seu nome na
filosofia contemporânea, por seu pensamento lúcido, claro e, acima
de tudo lógico. Todavia, Bertrand Russell, ao contrário do que os
desinformados possam pensar, não foi daqueles intelectuais de nariz
empinado, que se julgam acima do bem e do mal e consideram a maioria
das pessoas como rematada cretina. Longe disso.
A
despeito de ostentar um título de nobreza, descendente de longa
linhagem de condes, foi vigoroso e assíduo ativista político (mas
não político de carreira), protestando contra injustiças,
corrupções e decisões cínicas e oportunistas de vários governos,
sem fazer proselitismo e sem defender, especificamente, nenhuma das
ideologias vigentes. Condenava, sem reservas, a corrida armamentista
nuclear, por ver nas armas atômicas a potencial fonte de destruição
da humanidade, risco que ainda existe, embora alguns achem que não.
Já
nonagenário, participou de passeatas não somente contra o
armamentismo, patrocinado pela ultrapoderosa indústria de armas, mas
contra, por exemplo, a guerra do Vietnã e, por extensão, contra
todas as guerras, nas quais não via nenhum sentido (pois não há
algum, de fato). Revoltei-me inúmeras vezes ao ver esse gênio, de
cabelos brancos e porte curvado pela idade, que deveria ser
reverenciado por toda a humanidade, sendo agredido a cassetete por
brucutus broncos, travestidos de policiais, nas inúmeras passeatas
de que participou.
O
que mais me revoltava, nessas ocasiões, era ouvir, invariavelmente,
comentários jocosos, de pessoas que viam essas cenas na televisão,
do tipo “bem feito, esses arruaceiros merecem mesmo isso”. É por
opiniões como essa, de estúpidos, acomodados, alienados e covardes,
que tiranos, travestidos de democratas (e há uma profusão deles em
todos os países, sem exceção) pintam e bordam, corrompem e são
corrompidos e perpetuam injustiças e mazelas de toda a sorte que
desgraçam a humanidade.
A
esta altura, é possível que algum leitor mais chato torça o nariz
e murmure com seus botões: “Muito bem, o sujeito foi um gênio, um
matemático brilhante, um filósofo de renome e grande ativista, mas
o que tudo isso tem a ver com literatura, o foco deste espaço?”.
Apresso-me em responder, mesmo antes de alguém fazer esse
questionamento: “Tem tudo a ver”. E por que? Porque, se Bertrand
Russell não foi romancista, contista ou poeta, foi brilhante
ensaísta (e o ensaio é um dos mais nobres gêneros literários),
com dezenas de livros (talvez, até, uma centena) publicados. E mais,
conquistou, com amplos méritos, um Prêmio Nobel de Literatura, no
caso, o de 1950.
Quem
já leu algum de seus livros, entende a razão da premiação. Posto
que sumamente erudito, seu texto é claro, simples, objetivo,
didático e por isso atrativo. Também nesse aspecto, portanto,
Bertrand Russell é meu ídolo, um dos parâmetros de conduta que
tenho na vida. Seus detratores – e estes existem e não são poucos
– apontam, entre seus defeitos as desventuras conjugais e aventuras
extraconjugais pelas quais passou. Ele casou-se e divorciou-se
diversas vezes. Não vejo no que isso prejudique sua imagem. Até
porque, é praticamente impossível julgar com isenção esse
comportamento, por desconhecer os verdadeiros motivos por trás de
tantas rupturas de casamentos.
Por
que esses fofoqueiros de plantão não enfatizam que Bertrand Russell
virtualmente salvou a humanidade da extinção pelas armas nucleares?
E não exagero. Ele foi o mediador da crise dos mísseis de 1962,
convencendo o governo cubano a suspender a instalação dessas armas
na ilha, o líder soviético, Nikita Krushev, a recolher de volta
essas mortíferas engenhocas e o presidente norte-americano, John
Kennedy a dar o caso por encerrado. E olhem que fez isso numa idade
em que a maioria acha que já cumpriu sua missão na Terra e se
afasta de todas atividades públicas e/ou privadas: aos 90 anos!
Faço
minhas (posto sem ter sequer 0,001% da importância desse gênio) as
paixões que o moveram em seus 98 anos de vida que confessou, certa
ocasião, numa entrevista, que eram três, expostas nestes termos:
“Três paixões governam minha vida: o desejo de amar, a busca do
conhecimento e uma compaixão pelo sofrimento da humanidade”.
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