Tradição
que se acentua
Pedro
J. Bondaczuk
O
Estado de Pernambuco (terra natal de Manuel Bandeira) sempre teve
tradição de produzir bons escritores. Poderia desfiar longa relação
de nomes e, por mais rigoroso que fosse, não teria como não cometer
injustiças com alguns. Afinal, são tantos, que merecem menção
que, por melhor que seja a minha memória, ou por mais meticulosas
que sejam minhas anotações, provavelmente alguém deixaria de ser
lembrado. Por isso, nem me arrisco a fazer essas citações.
Essa
característica de Pernambuco, porém, de ter, em profusão, bons
escritores, celebridades no mundo da literatura, vencedores nessa
atividade, não apenas se mantém, como se acentua cada vez mais.
Qual a causa desse “fenômeno”? Coincidência? Pode ser! Como
pode, também, não ser. Mas este não é, propriamente, o objeto
destas reflexões.
São
poetas, prosadores, ficcionistas e vai por aí afora de notáveis
intelectuais pernambucanos que enriquecem a já riquíssima (posto
que não devidamente valorizada) literatura brasileira. Nosso espaço
na internet, por exemplo, conta com três magníficos colunistas
semanais que nasceram e que vivem nesse Estado: Urariano Mota, Marco
Albertim e Talis Andrade. Outro, o poeta, jornalista e radialista
Clóvis Campêlo, é presença obrigatória por aqui, notadamente aos
sábados, na seção Porta Aberta. O mesmo ocorreu por bom tempo com
o poeta e crítico literário Luiz Carlos Monteiro, até o seu
prematuro (e logicamente lamentado) falecimento.
Esporadicamente,
tenho trazido à baila textos de outros tantos escritores radicados
nesse Estado. E certamente continuarei agindo assim, em meu empenho
de prestigiar o que de melhor o País tem, em termos de arte e de
cultura. Hoje, proponho-me a refletir sobre mais um homem de letras
de Pernambuco: Raimundo Carrero.
Torna-se
redundante apresentá-lo aos leitores, dado tratar-se de um escritor
amplamente conhecido do público pelos vários livros que lançou e
pelos prêmios que conquistou. Ainda assim, lembro, para os não tão
bem informados, ou distraídos, que se trata, antes de tudo, de um
profissional (e que profissional!) da área de comunicações.
Raimundo Carrero, nascido em 20 de dezembro de 1947 na cidade de
Salgueiro, é jornalista (assim como eu), tendo trabalhado no rádio,
televisão e jornal Diário de Pernambuco. É um veterano do ramo,
com vinte e cinco anos de vitoriosa carreira jornalística. Na mídia
impressa foi, entre outras funções que exerceu, crítico literário
e editor da editoria “Nacional”.
E
por que só agora estou me referindo a esse companheiro de sonhos e
de ideais? Porque Raimundo Carrero lançou recentemente um novo
romance, “A minha alma é irmã de Deus”, pela Editora Record.
Embora tenha vida própria e possa ser lido, apreciado e entendido
isoladamente, ele fecha uma tetralogia, complementando três romances
anteriores desse ciclo (que o autor denominou de “Quarteto
Áspero”), que teve “Maçã agreste” (1989), “Somos pedras
que se consomem” (1995) e “O amor não tem bons sentimentos”
(2007).
O
novo livro tem uma característica (na verdade, várias) que o
distingue dos anteriores. O enredo é narrado (posto que de forma
indireta) por uma voz feminina, a personagem Camila, jovem de classe
média, mas que tem personalidade não dupla, como às vezes
encontramos pessoas por aí, mas “quádrupla”! Fica parecendo que
o autor tem obsessão pelo número quatro (e talvez tenha mesmo). Ou
seja, escreve uma tetralogia. A narradora do novo romance tem
personalidade quádrupla. E vai por aí afora. Mas essa é uma forma
originalíssima de narrar, que sai da mesmice que caracteriza muitos
(a maioria?) dos autores atuais.
Gosto
do estilo de Raimundo Carrero. É verdade que é necessário que o
leitor esteja afeito às nuances do nosso idioma. Caso tenha
vocabulário restrito, provavelmente encontrará dificuldades de
entendimento, já que o autor, embora sem se descuidar do enredo,
narrado de forma lenta, pausada e espontânea, explora ao máximo
limite o valor das palavras. Pudera, é, e sempre foi, escritor de
vanguarda.
Raimundo
Carrero, que desde outubro de 2004 é membro da Academia Pernambucana
de Letras (onde ocupa a cadeira de número 3), tem uma já vasta obra
literária a ostentar. Além da tetralogia ora complementada, posso
citar livros como “As sombras ruínas da alma”, “Os segredos da
ficção”, “A história de Bernardo Soledade – O tigre do
sertão” (1975), “As sementes do sol – O semeador” (1981), “A
dupla face do baralho – Confissões do comissário Félix Gurgel”
(1984), “Sombra severa” (1986), “Sinfonia para vagabundos”
(1992) e “Extremos do arco-íris” (1992).
Raimundo
Carrero conquistou o Prêmio Jabuti de 2000. Ganhou, também, o
Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, com o livro “Somos
pedras que se consomem”, eleito o melhor romance de 1995. Eu podia
desfiar outras tantas premiações que obteve, mas creio ser
desnecessário. Fica claro que se trata de um escritor bem sucedido e
reconhecido nacionalmente (o que não deixa de ser, convenhamos,
grande façanha, num país tido e havido como “sem memória”).
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