Friday, June 01, 2018

CRÔNICA DO DIA - Tradição que se acentua


Tradição que se acentua


Pedro J. Bondaczuk


O Estado de Pernambuco (terra natal de Manuel Bandeira) sempre teve tradição de produzir bons escritores. Poderia desfiar longa relação de nomes e, por mais rigoroso que fosse, não teria como não cometer injustiças com alguns. Afinal, são tantos, que merecem menção que, por melhor que seja a minha memória, ou por mais meticulosas que sejam minhas anotações, provavelmente alguém deixaria de ser lembrado. Por isso, nem me arrisco a fazer essas citações.
Essa característica de Pernambuco, porém, de ter, em profusão, bons escritores, celebridades no mundo da literatura, vencedores nessa atividade, não apenas se mantém, como se acentua cada vez mais. Qual a causa desse “fenômeno”? Coincidência? Pode ser! Como pode, também, não ser. Mas este não é, propriamente, o objeto destas reflexões.
São poetas, prosadores, ficcionistas e vai por aí afora de notáveis intelectuais pernambucanos que enriquecem a já riquíssima (posto que não devidamente valorizada) literatura brasileira. Nosso espaço na internet, por exemplo, conta com três magníficos colunistas semanais que nasceram e que vivem nesse Estado: Urariano Mota, Marco Albertim e Talis Andrade. Outro, o poeta, jornalista e radialista Clóvis Campêlo, é presença obrigatória por aqui, notadamente aos sábados, na seção Porta Aberta. O mesmo ocorreu por bom tempo com o poeta e crítico literário Luiz Carlos Monteiro, até o seu prematuro (e logicamente lamentado) falecimento.
Esporadicamente, tenho trazido à baila textos de outros tantos escritores radicados nesse Estado. E certamente continuarei agindo assim, em meu empenho de prestigiar o que de melhor o País tem, em termos de arte e de cultura. Hoje, proponho-me a refletir sobre mais um homem de letras de Pernambuco: Raimundo Carrero.
Torna-se redundante apresentá-lo aos leitores, dado tratar-se de um escritor amplamente conhecido do público pelos vários livros que lançou e pelos prêmios que conquistou. Ainda assim, lembro, para os não tão bem informados, ou distraídos, que se trata, antes de tudo, de um profissional (e que profissional!) da área de comunicações. Raimundo Carrero, nascido em 20 de dezembro de 1947 na cidade de Salgueiro, é jornalista (assim como eu), tendo trabalhado no rádio, televisão e jornal Diário de Pernambuco. É um veterano do ramo, com vinte e cinco anos de vitoriosa carreira jornalística. Na mídia impressa foi, entre outras funções que exerceu, crítico literário e editor da editoria “Nacional”.
E por que só agora estou me referindo a esse companheiro de sonhos e de ideais? Porque Raimundo Carrero lançou recentemente um novo romance, “A minha alma é irmã de Deus”, pela Editora Record. Embora tenha vida própria e possa ser lido, apreciado e entendido isoladamente, ele fecha uma tetralogia, complementando três romances anteriores desse ciclo (que o autor denominou de “Quarteto Áspero”), que teve “Maçã agreste” (1989), “Somos pedras que se consomem” (1995) e “O amor não tem bons sentimentos” (2007).
O novo livro tem uma característica (na verdade, várias) que o distingue dos anteriores. O enredo é narrado (posto que de forma indireta) por uma voz feminina, a personagem Camila, jovem de classe média, mas que tem personalidade não dupla, como às vezes encontramos pessoas por aí, mas “quádrupla”! Fica parecendo que o autor tem obsessão pelo número quatro (e talvez tenha mesmo). Ou seja, escreve uma tetralogia. A narradora do novo romance tem personalidade quádrupla. E vai por aí afora. Mas essa é uma forma originalíssima de narrar, que sai da mesmice que caracteriza muitos (a maioria?) dos autores atuais.
Gosto do estilo de Raimundo Carrero. É verdade que é necessário que o leitor esteja afeito às nuances do nosso idioma. Caso tenha vocabulário restrito, provavelmente encontrará dificuldades de entendimento, já que o autor, embora sem se descuidar do enredo, narrado de forma lenta, pausada e espontânea, explora ao máximo limite o valor das palavras. Pudera, é, e sempre foi, escritor de vanguarda.
Raimundo Carrero, que desde outubro de 2004 é membro da Academia Pernambucana de Letras (onde ocupa a cadeira de número 3), tem uma já vasta obra literária a ostentar. Além da tetralogia ora complementada, posso citar livros como “As sombras ruínas da alma”, “Os segredos da ficção”, “A história de Bernardo Soledade – O tigre do sertão” (1975), “As sementes do sol – O semeador” (1981), “A dupla face do baralho – Confissões do comissário Félix Gurgel” (1984), “Sombra severa” (1986), “Sinfonia para vagabundos” (1992) e “Extremos do arco-íris” (1992).
Raimundo Carrero conquistou o Prêmio Jabuti de 2000. Ganhou, também, o Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, com o livro “Somos pedras que se consomem”, eleito o melhor romance de 1995. Eu podia desfiar outras tantas premiações que obteve, mas creio ser desnecessário. Fica claro que se trata de um escritor bem sucedido e reconhecido nacionalmente (o que não deixa de ser, convenhamos, grande façanha, num país tido e havido como “sem memória”).

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