Florada
de versos
A
poesia encanta-me, me embevece, me justifica e me redime. Até aí,
não expressei nada de novo. Milhões e milhões de pessoas, tempo e
mundo afora, têm essa mesma percepção, e mais, sensação em
relação a esse gênero tão nobre. Cito o meu caso, em particular,
dada minha profissão, a de jornalista, mais especificamente a de
editor, que tem no lado vicioso e perverso do homem, na maldade, na
violência, na loucura e na corrupção humanas e em seus dramas e
contradições, a matéria-prima do seu ofício. Preciso, pois,
desesperadamente, de um antídoto para tanto negativismo e miséria.
E este encontro, sem dúvida, na poesia.
Leio,
compulsivamente, poemas de todas as tendências e estilos, tanto de
poetas quanto de poetisas. Claro que tenho minhas preferências.
Seria de estranhar se não as tivesse. Todos têm, de conformidade
com sua formação, experiências, sensibilidade, cultura, leituras
etc.etc.etc. Entre meus autores favoritos, destaca-se uma paulistana,
pouco badalada pela mídia, raramente citada pelos críticos, mas que
desempenha a arte de poetar com uma naturalidade impressionante, como
o ato de respirar, por exemplo. Seus versos mágicos, posto que sutis
e profundos, são, sobretudo, espontâneos. Nota-se, à primeira
leitura, que nascem com naturalidade, sem que percam por isso a
profundidade (pelo contrário). Refiro-me a Flora Figueiredo.
Peço
licença para abrir, aqui, um parágrafo e justificar-me, dar uma
explicação que já se impõe. Muitos criticam-me por caracterizar
as mulheres que compõem poesia de “poetisas”, e não de
“poetas”, como já virou moda. Alguns, maliciosamente, veem nesse
meu comportamento o ranço de preconceito de gênero. Tolice.
Argumentam que poesia não tem sexo (como se eu não soubesse). E
bla-bla-blá, bvla-bla-blá e bla-bla-blá. Detesto esses
patrulheiros gratuitos!!! Faço essa distinção não por
preconceito, mas, muito pelo contrário, como uma forma de homenagem,
de reconhecimento e de reverência à sensibilidade feminina, que é
ímpar. Queiram ou não, as mulheres são muito, mas muito mais
sensíveis mesmo (entre tantas e tantas superioridades que ostentam
em relação a nós, marmanjos) do que nós, homens. Para mim,
portanto, queiram ou não os patrulheiros de plantão, elas são, e
serão sempre, POETISAS. E ponto final!
Mas,
voltando ao tema destas reflexões, conheci a poesia de Flora
Figueiredo há já catorze anos, através do Orkut. Foi paixão à
primeira vista. Ou, mais especificamente, à primeira lida. Desde
então, passei a colecionar tudo o que ela escreve, livros, poemas
esparsos na internet e outros tantos, que amigos têm a gentileza de
me enviar por e-mail. E quanto mais a leio, mais cresce minha
admiração. Não por acaso, publico-os, amiúde, nos vários espaços
de que disponho na mídia. Procuro, apenas, ser sempre coerente.
Flora,
como seria de se esperar, tem outras tantas habilidades. É, também,
cronista das mais talentosas, tradutora e, de uns tempos para cá,
também letrista de belas canções do cancioneiro popular
brasileiro. Como compositora, tem um dos seus poemas, musicado por
Ivan Lins, gravado na voz de Simone. Outra incursão na “seara”
da música é uma obra erudita para coral do maestro Aylton Escobar,
com título sumamente sugestivo e apropriado: “Flora, cinco canções
de amor”. Embora desempenhe bem essas outras funções, ela é,
sobretudo, (e sempre será) poetisa. A minha poetisa predileta (ao
lado de Cecília Meirelles, Cora Coralina, Gabriela Mistral, Adélia
Prado, Suzana Vargas, Evelyne Furtado e centenas de outras).
Em
entrevista que deu ao site “Geração Online”
(WWW.geracaobooks.com.br),
há já um bom tempo, Flora explica como e quando se deu conta da sua
paixão pela poesia: “O fascínio pela poesia veio muito cedo na
voz de minha mãe que era uma apreciadora do gênero e declamava
poemas de Guilherme de Almeida, Cecília Meirelles e Paulo Bonfim,
seus preferidos. Essa sonoridade me arrebatou para sempre”. Está
aí mais um motivo para minha veneração por Flora (como se fosse
preciso!), sua memória poética centrada no campineiro, “príncipe
dos poetas brasileiros”, Guilherme de Almeida.
Minha
apreciação da sua poesia não é nenhuma “mania” pessoal, como
os desavisados podem supor. Ela é excelente mesmo!!! E esta não é
uma opinião exclusivamente minha, longe disso. Estou em excelente
companhia. Muitos escritores ilustres têm idêntica convicção.
Pudera! Basta ver os nomes de alguns dos vários que redigiram
prefácios dos seus livros: Olavo Drummond, Fábio Lucas, Josué
Montello e vai por aí afora. Afinal, como a própria poetisa
confidencia, “ao compor, tento beijar a alma do leitor”. E,
claro, consegue. Beija de fato.
Por
falar em livros,
Flora já publicou pelo menos sete (se não errei na conta):
Florescência
(Editora Nova Fronteira, 1987); Calçada
de verão (Ed.
Nova Fronteira, 1989); Amor
a céu aberto (Nova
Fronteira, 1992); Estações
(Art
Editora e WS Editores, 1995); O
trem que traz a noite (
Lacerda Editores, 2000); Chão
de vento (Geração
editorial, 2005) e Limão
Rosa (Editora
Novo Século, 2009). É possível, até, que eu tenha omitido algum
(ou alguns). Vários deles são utilizados na rede municipal de
ensino de São Paulo.
Nesta
quase véspera de outono, é para lá de oportuno falarmos de Flora.
E não apenas falar, mas apresentar uma “florada de versos” que
ela compôs. Encerro, pois, estas reflexões, com estes dois poemas
dessa magnífica e sensível poetisa:
A
pedidos
Querem um verso,
Querem um verso,
mas
não sou capaz.
Vejo
a palavra fraturar
as
entrelinhas,
tento
soldá-las,
mas
não são minhas.
Rompeu-se
o verbo
e
me deixou para trás.
Flutuações
O sonho aprendeu a pairar bem alto,
O sonho aprendeu a pairar bem alto,
lá
onde o sobressalto nem sequer nasceu.
Namorou
a trôpega ilusão,
até
que trêfego e desajeitado,
desprendeu-se
de seu reino idealizado,
veio
pousar tamborilante em minha mão.
Assim,
aquecido e aconchegado,
parece
que se esqueceu de ir embora.
Na
hora em que ressona distraído,
eu
lhe pingo malemolências no ouvido
à
sua inquietação eu me sujeito.
Eis
que o sonho dorme agora aqui comigo,
seu
corpo repousa no meu peito.
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