Fuja
das generalizações
Pedro
J. Bondaczuk
O noticiário diário dos
meios de comunicação, com sua carga negativa, relatando crimes,
desastres, desgraças de toda a sorte e corrupção, passa a
impressão aos desavisados e às pessoas influenciáveis e de nível
de informação relativamente baixo, que as virtudes foram banidas,
de vez, do Planeta. É certo que tudo o que de ruim é noticiado, é
real. Existe de fato. Não é inventado pelos jornalistas (embora,
não raro, seja enfatizado mais do que deveria, quando não
exagerado).
O mundo é, mesmo, assim.
Todos os dias, sem exceção, têm a sua cota de desgraças. E isso
ocorre desde o surgimento do homem. As pessoas, óbvio, são
diferentes e o mal e o bem convivem desde sempre. O ruim é quando
nos deixamos vencer pela tentação das generalizações. Não é
porque determinada mulher, não importa por qual motivo, se desfaz de
seu bebê, que “todas” as mães tenham perdido o instinto
materno, básico, de proteção de sua prole. Não é porque um
sujeito bronco qualquer espanca a esposa, provavelmente sob efeito do
álcool e/ou das drogas, que se pode dizer que não há mais amor no
mundo e que o casamento é uma instituição falida. E vai por aí
afora.
O escritor precisa ter cuidado
na avaliação da realidade. Afinal, se ficcionista, cabe-lhe criar
enredos que tenham um mínimo de verossimilhança. Se escrever,
todavia, uma história em que todos os personagens sejam virtuosos e
rivalizem em santidade com São Francisco de Assis, seu livro, com
certeza, será um fracasso. A realidade, nua e crua, não é assim.
Todavia, o mesmo ocorrerá se situar seu enredo num inferno sobre a
terra, em que lobo coma lobo e não haja um mínimo de ética e de
respeito mútuos. Seu texto também não será verossímil e
dificilmente prenderá os leitores da primeira à última página.
O filósofo e historiador
norte-americano Will Durant, no livro “Filosofia da vida”,
observa: “Ainda nascem entre nós santos; homens de boa vontade
frequentemente cruzam-se conosco; raparigas modestas podem ser
encontradas, se soubermos procurá-las; em milhares de lares existem
mães pacientíssimas; e a imprensa diária nos mostra com que
frequência o heroísmo aparece ao lado do crime”. Exagero? Claro
que não. Cada um de nós conhece, certamente, um bom punhado dessas
pessoas virtuosas, generosas e solidárias, que talvez sequer nos
chamem a atenção. Mas elas existem.
E Durant prossegue, citando
exemplos práticos a propósito: “Quando uma inundação sobrevém,
milhares de pessoas se apresentam para ajudar, e milhões contribuem
com auxílio financeiro; se um povo está na agonia da fome, até de
nações inimigas lhe advém socorro; se exploradores se perdem,
outros se apresentam para procurá-los”. E não é o que acontece?
Você mesmo, caro leitor, é
provável que tenha tomado a iniciativa de fazer campanha em favor de
vítimas de catástrofes climáticas que você sequer conhecia, mas
cujo sofrimento sensibilizou-o e o levou a agir. O nível de
mobilização para socorrer os que foram afetados pelos deslizamentos
de terra na zona serrana do Rio de Janeiro, há uns seis anos, foi
exemplar e comovedor. Se a ajuda chegou, de fato, aos que dela
precisavam, são outros quinhentos. Mas não se pode afirmar, com
base nos atos de algumas pessoas insensíveis e omissas, que o senso
de solidariedade e de piedade haja sido banido da Terra. Não foi!
Alguns, porém, baseados em notícias nada consoladoras, generalizam
e afirmam que sim.
Will Durant acrescenta, a
propósito: “Ninguém ainda mediu a potencialidade do homem para o
bem. Atrás do nosso caos e do nosso crime, permanece a bondade
fundamental da alma humana. Essa bondade espera que o tumulto chegue
ao fim e que por meio do processo de experiência e erro outra ordem
social, mais nobilitante do homem, surja”.
Aliás, a citação desse
filósofo e historiador me dá pretexto para tratar, mesmo que
superficialmente, desse homem notável. William James Durant foi
desses intelectuais que sempre se preocuparam em exercitar o que
pregavam. Destacou-se por liderar importantes causas sociais. Por
muitos anos, por exemplo, ao lado da esposa, Ariel, lutou pelo voto
feminino nos Estados Unidos. Foi mais longe e batalhou por salários
iguais entre homens e mulheres que exerciam as mesmas funções,
quando o feminismo era tido como coisa de “agitador”. Outra causa
em que se empenhou foi por melhores condições de trabalho para os
trabalhadores. E vai por aí afora.
Por essa exposição, teve que
se haver com inimigos poderosos, favoráveis a deixar as coisas como
estavam e foi acusado de anarquista, por uns e de comunista, por
outros, embora não fosse nem uma coisa e nem outra. Era, sobretudo,
um humanista, um ativista social. Antes, muito antes do surgimento
das campanhas em favor dos direitos civis, ou seja, da igualdade de
tratamento entre brancos e negros, lá pelos idos da década de 40 do
século XX, Will Durant e a esposa já se empenhavam por essa causa.
Pregá-la, nessa época, era querer cair em ridículo, tão
improvável parecia seu êxito.
Mas não foi, apenas, por seu
ativismo que o casal se destacou. Marido e mulher escreveram vários
livros em parceria, entre os quais “A história da civilização.
Rousseau e a Revolução”, obra em dez volumes agraciada com o
Prêmio Pulitzer. Will escreveu, sozinho, a “História da
filosofia” e “Filosofia da vida” que, sempre que tenho
pretexto, cito, amiúde, em minhas reflexões. Como se vê, trata-se
de um intelectual plenamente credenciado, instruído, hiper bem
informado, com condições, portanto, para alertar-nos dos perigos
das generalizações. Não foi, pois, nenhum alienado que enxergava o
mundo sob um prisma cor de rosa.
Will Durant foi um sujeito
vencedor. No final da vida, foi reconhecido até pelos mais ferrenhos
adversários. Em 1977, por exemplo, recebeu, das mãos do então
presidente Gerald Ford, a maior honraria que seu país poderia
outorgar a alguém: a Medalha Presidencial da Liberdade. O
jornalista, professor, filósofo e historiador teve na esposa, Ariel,
seu grande amor. E, principalmente, a mais preciosa parceira que
poderia encontrar. Curiosamente, faleceu exatas duas semanas após a
morte dela, em 7 de novembro de 1981. Eram como uma única pessoa em
dois corpos.
Portanto, caro leitor, quando
influenciado pelo noticiário tenebroso e trágico você tiver a
tentação de achar que tudo está perdido e que o mundo não tem
mais jeito, lembre-se da constatação de Will Durant: “Ainda
nascem entre nós santos; homens de boa vontade frequentemente
cruzam-se conosco; raparigas modestas podem ser encontradas, se
soubermos procurá-las; em milhares de lares existem mães
pacientíssimas; e a imprensa diária nos mostra com que frequência
o heroísmo aparece ao lado do crime”. Felizmente, só posso
acrescentar. Embora, convenhamos, sejam cada vez mais raras as
notícias positivas da imprensa, que quer assumir papel que não lhe
cabe: o de partido político.
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