Friday, March 30, 2018

CRÔNICA DO DIA - Inteligência, consciência e vontade


Inteligência, consciência e vontade

Pedro J. Bondaczuk

A inteligência – termo que, por definição, expressa a capacidade de entendimento de situações e ideias – é, sem dúvida, fator importante para o sucesso, notadamente em atividades que dependam do raciocínio. Mas é fundamental? Entendo que não. Facilita, sem dúvida, as coisas, mas não é nenhuma garantia que a pessoa que seja privilegiada, nesse aspecto, com um QI fenomenal, terá êxito no que quer que seja, apenas por isso.

Requer-se, também, consciência e, sobretudo, vontade. Posso, por exemplo, entender melhor do que a maioria o que me cerca e, por isso, “cortar caminho” para que determinado empreendimento chegue a bom termo. Todavia, esse entendimento excepcional pouco, ou nada me valerá se eu não estiver consciente do que precisarei fazer para que o resultado almejado seja obtido. E, principalmente, se não tiver vontade de agir para sua colimação, se me omitir e se deixar para terceiros tarefas que são exclusivamente minhas. Há pessoas inteligentíssimas, mas que agem assim. Vivem como parasitas e, além de inúteis, são perniciosas.

Não podemos, pois, nos fiar, apenas, na inteligência. Nem mesmo para tentarmos concretizar nossos sonhos e projetos estritamente pessoais. Para essa concretização não dependemos, apenas, dos nossos recursos, mas de uma infinidade de pessoas que nos cercam e com as quais, de alguma forma, convivemos. Reitero que a inteligência ajuda, e muito, mas sozinha é inerme e não nos leva a lugar algum. Precisa do auxílio de uma série de sentimentos e virtudes que a impulsionem e a façam efetiva.

Por exemplo, precisamos ter fé em nossas possibilidades. Se iniciarmos algum empreendimento, sem acreditarmos no seu sucesso, é melhor que sequer venhamos a despender energias. Ele estará, liminarmente, fadado ao fracasso, a despeito do nosso privilegiado QI. Outra emoção valiosa é a esperança (tema de que tratei em recente reflexão), desde que, observo, respaldada por ações. Se nada esperarmos da vida, senão seu complemento, a morte, já estaremos espiritualmente mortos, mesmo que isso não nos seja aparente.

O escritor francês, Roger Gard, escreveu a respeito: “A inteligência só conduz à inação. É a fé que dá ao homem o ímpeto indispensável para agir e o entendimento para perseverar”. Notem que o ilustre pensador não defendeu a burrice (e nem eu a defendo, óbvio) como forma de obter o sucesso em nossos empreendimentos. Longe disso! Apenas ressaltou que a inteligência sozinha, ou seja, sem o respaldo de outras virtudes, é impotente para promover o êxito que tanto almejamos.

Conheço muitos "doutores" que acumularam em suas mentes e são capazes de reproduzir na ponta da língua um volume enorme de informações e que no entanto não dispõem de clarividência, de intuição, de criatividade. Em resumo, não sabem o que fazer com tantos dados e observações. Muitos desses sujeitos notoriamente inteligentes são uns fracassados e vivem lançando a culpa dos seus fracassos nos outros, ou nas circunstâncias, ou inventando mil e uma desculpas. São frustrados, amargos, derrotistas, ácidos críticos dos lutadores e empreendedores, embora contem com capacidade ímpar de entendimento. Só não sabem o que fazer com ela.

No outro extremo, convivo com pessoas de pouca ou nenhuma leitura. Algumas, até mesmo, são absolutamente analfabetas. Há quem as considere, por causa disso, “pouco inteligentes”. Contudo, são das tais de quem se diz que "enxergam longe". Sabem como aproveitar o pouco que conhecem e aproveitam muito bem.

As primeiras, embora gozem, em determinado momento da sua vida, de fama, de prestígio e de privilegiada posição social, são apenas “informadas”. Talvez sejam, até mesmo, inteligentes. Mas não são conscientes e não têm vontade de agir, por isso, não agem. E, mais cedo ou mais tarde, fracassam. Já as segundas, tratadas, muitas vezes, com menosprezo e até de forma desrespeitosa, por seu baixo nível de informação, são mais do que inteligentes, são “sábias”. Inteligência e sabedoria, como demonstrei num texto recente (aqui mesmo neste espaço) são conceitos bastante distintos.

A consciência é o conhecimento objetivo de tudo o que nos cerca e das informações que recebemos de várias fontes, internas ou externas. Ou seja, é o "saber que sabemos que sabemos". Parece estranho dizer dessa forma, mas é isso mesmo. Há sensações, reflexões, emoções que integram o nosso patrimônio cultural, mas que ficam escondidas em um dos substratos da nossa mente, no chamado subconsciente. Subitamente, por alguma razão que desconhecemos, emergem, afloram, brotam ao consciente, em geral nos momentos de maior necessidade. Por isso é que se diz, e com razão, que o homem ignora seu verdadeiro potencial..

A consciência é uma faculdade maravilhosa (fundamento da razão), mas pode e precisa ser cultivada e desenvolvida. A melhor forma de exercer esse cultivo é através da meditação: sobre o concreto ou abstrato, sobre o trivial ou o transcendental, sobre a vida ou a morte. Uma das leis da natureza é que o exercício continuado e disciplinado de qualquer órgão ou de todo o organismo desenvolve as aptidões (físicas e mentais), enquanto a falta de uso as atrofia.

O filósofo norte-americano Will Durant comentou, em um de seus livros: "Considere-se a consciência. Que misteriosa faculdade é esta que nos faz cientes do que estamos fazendo, ou do que fizemos, ou do que pretendemos fazer? Que percebe o conflito das nossas próprias ideias e por meio de umas critica outras? Que imagina possíveis reações e prevê resultados prováveis? Que, depois de pacientemente analisada uma situação, a atende com os recursos do pensamento e do desejo coordenados num sentido criador?".

Somos, em princípio, senhores da nossa trajetória no mundo. Ocorre que muitos abrem mão dessa prerrogativa, por não saberem fazer uso da inteligência de que são dotados. Não têm vontade de fazer uso adequado dessa capacidade. Permitem que ela se atrofie, se esclerose, beire a necrose.

Há quem ache, erroneamente, que o poeta seja um alienado, que não se preocupa com a realidade do dia a dia, na busca do seu ideal de grandeza, de solidariedade e de beleza e que, por isso, faça mau uso da inteligência. Grande engano! Esses sujeitos, que exsudam ideais por todos os poros, colocam a força da sua inteligência no empenho por construir um mundo melhor. São intelectuais participativos, que não se escondem numa torre de marfim, como injusta e equivocadamente são acusados de fazer.

O poeta (há exceções, claro) não se conforma, passiva e bovinamente, com o que ocorre ao seu redor. Empenha-se por mudanças. Atua em seu meio e faz tudo o que estiver ao seu alcance para mudar o mundo para melhor, quer por palavras (arma que sabe brandir como ninguém), quer por ações. Crente no potencial de bondade das pessoas, busca a valorização dessa virtude como forma de modificar a realidade.

Alexandre Herculano constatou, através de um de seus personagens: “...A inteligência do poeta precisa viver num mundo mais amplo do que esse a que a sociedade traçou tão mesquinhos limites”. Busca, pois, extrapolar a realidade, mas sem fugir dela. Apenas não se limita a ela. Seu empenho é o de modificá-la para melhor, pois crê na possibilidade de tornar concreto o mundo que idealiza. Isso é o que classifico de inteligência que, aliada à consciência e à vontade de agir, faz as vezes de “alavanca”, capaz, como constatou Arquimedes, de mover o mundo.


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