Escritor
notável de gênero nobre
Pedro
J. Bondaczuk
Os
livros do gênero policial estão entre os mais lidos, entre as obras
de ficção, da literatura mundial. Histórias bem urdidas, e bem
escritas, envolvendo crimes, mistério, investigação e descoberta e
punição dos culpados são – salvo raríssimas exceções –
sucesso certo de vendas. Todavia, os críticos literários e
estudiosos de literatura torcem o nariz para esse tipo de texto.
Nenhum dos seus autores é relacionado entre os bons escritores de
determinado país ou época. Nenhum deles conquistou o Prêmio Nobel
ou sequer foi indicado para a premiação. O gênero – cuja criação
é atribuída ao genial Edgar Allan Poe – é tido e havido como “o
primo pobre” da Literatura. É visto, por muitos, como
“subliteratura”. Subliteratura?!!!
Como
considerá-lo assim quando se sabe que há escritores de
primeiríssima linha que se consagraram escrevendo histórias
policiais?! Não há leitor, por exemplo, que não conheça um Arthur
Conan Doyle, criador do célebre personagem Sherlock Holmes. Tão
célebre que se tornou sinônimo de “investigação”. Tão
célebre que é mais conhecido do que seu criador. Cá para nós,
Conan Doyle não se trata de um escritor de primeiríssima categoria?
Claro que sim. Seus livros não prendem a atenção do leitor muito
mais do que determinados romances atuais, tidos como o suprassumo da
modernidade, mas sem qualquer nexo, sem pé e nem cabeça, premiados
mundo afora, sem que os que os premiaram consigam sequer expressar,
de forma coerente, o que foi que leram? Claro que sim.
E
o que dizer de Agatha Christie, a notável primeira-dama do gênero
policial, criadora de personagens fascinantes, entre os quais o mais
célebre é o detetive belga, baixinho, inexpressivo, mas genial na
solução de crimes, Hercule Poirot? Seus enredos não são geniais?
Seu estilo não é delicioso e original? É possível iniciar a
leitura de algum de seus livros sem seguir até a derradeira página,
o largando pelo meio, por não despertar interesse e nem prender a
atenção? Claro que não!
Poderia
citar autores e mais autores do gênero policial, livros e mais
livros com esse tipo de história, para fundamentar o que afirmo. Ou
seja, que esses escritores fazem literatura, sim, e de primeiríssima
qualidade e jamais subliteratura. No Brasil, todavia, poucos se
aventuram a explorar esse filão, esse nicho temático, essa vertente
literária. Que, aliás, não é das mais fáceis. Requer, além do
que é exigido de todo homem de letras, como domínio do idioma,
criatividade, cultura etc.etc.etc., lógica, coerência e bom gosto.
Não que faltem leitores para esse tipo de literatura. Pelo
contrário... Basta atentar para as vendas de livros de Conan Doyle e
Agatha Christie, para citar, apenas, os autores mais populares.
Na
Argentina, porém, o gênero é muito popular. Mais popular do que no
Brasil. Jorge Luís Borges, por exemplo, era compulsivo leitor desse
tipo de literatura. São muitos e muitos e muitos os escritores
argentinos que escrevem livros com histórias envolvendo crimes e
investigação. E todos têm mercado. Todos dão excelente retorno
aos autores e editoras. Muitos conquistam, até, importantes prêmios
internacionais.
Um
dos escritores mais bem sucedidos nesse gênero é Ricardo Piglia –
sobre quem já escrevi diversas vezes, neste espaço e de quem me
confesso incondicional admirador. Embora perito nesse tipo de
história, trata-se de um autor eclético, que escreve, com a mesma
desenvoltura, capricho e talento, tanto ficção, quanto não-ficção.
Tanto romances e contos policiais, quanto belas e profundas histórias
de amor. Entre suas obras ficcionais, muitas das quais nunca lançadas
no Brasil, destaco: “La invasión” (contos), “Nombre falso”
(contos), “Respiración artificial” (romance), “Prisión
perpétua” (novelas), “La ciudad ausente” (romance) e “Plata
quemada” (romance).
Mas
Piglia é um dos grandes nomes da literatura mundial também em obras
de não-ficção. Não me surpreenderei se ainda vier a ser premiado
com o Nobel de Literatura. Aliás, ficarei surpreso (e revoltado) se
nunca ganhar esse prêmio. Entre seus livros não ficcionais destaco,
mais a título de exemplo: “Critica y ficción”, “Formas
breves”, “Tres propuestas para El próximo milênio (y cinco
dificuldades)”, e “El ultimo lector”. Claro que escreveu e
publicou muito mais do que isso. É, hoje, com certeza, o escritor
argentino mais conhecido e respeitado em âmbito internacional.
Se
você quiser conhecer melhor a literatura de Ricardo Piglia, detecto
excelente oportunidade para tal. Recomendo que leia seu romance,
“Alvo noturno”, lançado, se não me engano, em 2010, no Brasil,
pela Companhia das Letras. E a recomendação vem a calhar em relação
ao tema abordado nesta descompromissada reflexão. Por que? Porque a
obra em questão é do gênero em que o escritor argentino melhor
exibe seu imenso talento: o policial.
O
romance recebeu um dos mais importantes prêmios da América Latina,
o venezuelano Rômulo Gallegos. Não existe, pois, recomendação
melhor do que esta. Ou existe? Ah, sim, existe. Conquistou, também,
outro prêmio, e até mais badalado: o Dashiell Hammett, conferido
pela Associação Internacional de Escritores Policiais.
“Alvo
noturno”, de 256 páginas, além de ter recebido edição primorosa
da Companhia das Letras, conta com excelente tradução de Heloísa
Jahn. Piglia explica, a propósito do romance, no que ele se
diferencia de outras histórias do gênero: “... Não creio que
‘Alvo’ seja apenas um policial. Depois que o crime se resolve, o
romance continua, a ideia foi justamente não ter um encerramento
clássico, com a revelação do culpado”. E você vai perder a
oportunidade de ter em sua biblioteca esta obra-prima?
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