Mudança
de hábitos
Pedro J. Bondaczuk
As novas “engenhocas” eletrônicas, cada vez mais surpreendentes
e sofisticadas, à nossa disposição no mercado, estão mudando
nossos hábitos domésticos (entendo que para muito melhor) e
imprimindo mais qualidade de vida aos (ainda) privilegiados usuários.
Aos poucos, eles vão se popularizando, tendo preços acessíveis e
deixando de ser novidades.
Por exemplo, há algum tempo, eu não tinha a mais remota ideia da
existência daquele aparelhinho desenvolvido pela Apple, conhecido
como Ipod, que muitos dos meus colegas alegavam ter. Ele originou
outros similares, mais avançados, como o mp3. Há uns seis anos,
ganhei de presente um modelo ainda mais sofisticado, o mp4. Hoje,
esse aparelhinho, do tamanho de um telefone celular, super prático,
pequeno e leve, tornou-se obsoleto. Mas na época foi indispensável
não somente para meu entretenimento, mas para meu relax. Como sou
lerdo em aderir às novidades (até por não contar com grandes
recursos financeiros), uso, e bastante, essa engenhoca, há muito
ultrapassada.
Como o equipamento é movido a bateria, recarregável no computador,
pode permanecer ligado a noite inteira, que não consome energia
elétrica a mais. E é o que faço. Há já bom tempo, não durmo
sem que ele esteja ligado, bem perto do meu ouvido, na cabeceira da
cama, reproduzindo as músicas da minha preferência. Claro que esta
só pode ser suave, a dos clássicos. Ninguém consegue dormir, por
exemplo, ao som do “rock pauleira”. Concilio o sono ao som de
Chopin e desperto ora ouvindo Vivaldi, ora Schubert, ora Tchaikowski
ou Beethoven e vai por aí afora. Antes, eu acordava, vez ou outra,
mal humorado. Desde que passei a adotar essa “terapia” musical,
contudo, isso nunca mais aconteceu. Nas horas em que o subconsciente
permanecia “desligado”, ou seja, nas oito de sono, delicia-se
agora com os sons mágicos dos gênios da música clássica de todos
os tempos.
Mas não foi somente este novo hábito que adquiri em função das já
não tão novidades eletrônicas, que incorporei ao meu cotidiano.
Tempos atrás, precisava reservar, periodicamente, tempo, em minha
apertadíssima agenda diária, para ir a livrarias e, principalmente,
bibliotecas públicas, à procura de livros que estivesse precisando,
em decorrência de algo diferente que estivesse escrevendo. Nem
sempre encontrava o que procurava, principalmente quando se tratava
de escritores clássicos. Perdia tempo e dinheiro e voltava frustrado
para casa.
Agora, sem arredar pé do meu gabinete de trabalho, “visito” as
mais completas bibliotecas do mundo, acessando, via internet, os seus
respectivos sites. Invariavelmente (salvo raríssimas exceções)
encontro o que procuro sem me esfalfar e nem perder tempo. Faço as
consultas e, caso o tema tratado seja complexo, imprimo uma cópia
dos trechos que preciso e mantenho esses livros eletrônicos no mesmo
lugar que estavam, sem necessidade de abarrotar minha cada vez mais
caótica e superlotada biblioteca com novos volumes (haja espaço
para tanto papel!). Se quiser consultar esses livros novamente, basta
clicar outra vez nos links indicados que a obra surge, inteirinha,
diante dos meus olhos, na tela do meu computador.
Por exemplo, há tempos queria reler o romance “Os Maias”, de Eça
de Queiroz, que havia lido em 1961, na Biblioteca Pública de São
Caetano do Sul, cidade em que então residia. Sem tempo para ir à
biblioteca de Campinas, ia, invariavelmente, adiando essa leitura,
embora precisasse muito dela, pois queria traçar um paralelo entre
um personagem dessa história do romancista português com um dos
meus, cujo processo de criação estava em andamento.
Por sugestão de um amigo, que me forneceu o endereço eletrônico da
Biblioteca Nacional de Portugal, acessei esse espaço. Achei “Os
Maias” com facilidade. Como já me habituei a ler na telinha do
computador, li o romance em questão vorazmente, copiei os trechos
que precisava e ficou tudo resolvido em três tempos, sem perda de
tempo com deslocamentos e sem que precisasse sequer tirar o traseiro
da poltrona do meu gabinete de trabalho.
Meu filho, que é fanático por essas engenhocas, disse que muitas
novidades “miraculosas” estarão em breve no mercado. Aguardo-as
com ansiedade. Estou cada vez mais fascinado por esses aparelhinhos,
embora não seja lá tão amigo de um deles, do celular. Tenho um,
mas evito de fornecer o número até para os amigos mais chegados,
para não me tornar “escravo” desse equipamento. Muita gente se
tornou. Utiliza-o, até, em locais que o bom-senso e a educação
recomendam que não se deva utilizar, como igrejas, teatros,
hospitais e até velórios.
Fico imaginando o que se passou na cabeça dos que inventaram essas
maravilhas. Aliás, desconheço quem foram os autores desses
inventos. Hoje praticamente não existem mais os “Professores
Pardais” solitários. Os trabalhos de desenvolvimento de novidades
tecnológicas são feitos, em geral, por equipes, em modernos
laboratórios. Claro que há os que têm aquele “clic” inicial,
aquela centelha, que possibilita que, o que até então era tido como
impossível, se torne, em três tempos, concreto. Mas raramente
ficamos conhecendo quem são esses gênios.
Isso me suscita as seguintes reflexões: Como a fábula de La
Fontaine, da Cigarra e da Formiga, assim são os homens. Enquanto uns
trabalham, construindo templos, cidades, tumbas e monumentos (ou
aparelhinhos eletrônicos, que seja), outros "cantam",
gozando as delícias do ócio e do fruto do trabalho alheio. Enquanto
uns criam, outros aproveitam e esbanjam. Qual o valor das obras, além
do óbvio, utilitário, de uso imediato?
São fontes de perpetuidade da memória, ou não passam de frustradas
tentativas para evitar o esquecimento após a morte? Creio que as
duas coisas. Os pioneiros da civilização, os que fizeram
descobertas marcantes, práticas, que facilitaram ou até mesmo
garantiram a sobrevivência humana, por estranha ironia, são
absolutamente anônimos.
Quem descobriu a roda? Ou a maneira de produzir o fogo? Quem foi o
inventor do primeiro alfabeto? Ou da escala musical? Ou dos números?
Ou dos princípios básicos da matemática? Estes são alguns dos
fundamentos da civilização e foram criados por alguém. Mas por
quem? O mesmo se pode indagar a respeito das maravilhas eletrônicas,
aparentemente supérfluas, mas que crescentemente ganham importância
em nossa vida, por melhorar, sobretudo, sua qualidade. Mesmo
anônimos, são merecedores do meu respeito e reverência.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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