Sunday, March 25, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Municípios falidos


Municípios falidos


Pedro J. Bondaczuk


O presidente Wenceslau Brás costumava dizer que "o Estado é uma ficção: o que existe é o município". Afinal, é nele que as pessoas vivem, trabalham, produzem e morrem.

A preocupação primeira do cidadão, antes de pensar em macroeconomia ou na política estadual ou federal, é com aquilo que o cerca. É, por exemplo, com o estado de conservação das ruas do seu bairro. É com o trajeto que faz diariamente para estudar, trabalhar ou se divertir. É com a coleta de lixo. É com a segurança. É com postos de saúde, hospitais e escolas que possa eventualmente utilizar. É com o que depara em seu dia a dia.

Por uma série de razões, entre as quais a má gestão, a maior parte dos municípios brasileiros está literalmente falida. Dívidas de gestões passadas acumulam-se sobre as mesas dos atuais prefeitos, deixando-os sem recursos para aplicar sequer no básico, naquilo que aparece aos olhos dos munícipes.

Para complicar, as prefeituras assumem crescentes responsabilidades, notadamente nas áreas de saúde e educação, sem que haja o correspondente repasse de verbas. Não, pelo menos, no montante suficiente para cumprir, como se deve, com essas tarefas sobressalentes.

Para pressionar o governo federal, no sentido de pelo menos proceder a rolagem de algumas das dívidas, o prefeito de Campinas, Francisco Amaral, convidou administradores municipais de cerca de mil cidades brasileiras para fazerem uma frente comum. Apenas 150, no entanto, mandaram representantes para a reunião, que ocorreu anteontem. Isto não quer dizer que só esse tanto de municípios está às voltas com problemas financeiros. Razões de ordem política levaram a maioria a recusar o convite.

Mas há o outro lado da moeda. Gastos irresponsáveis, muito superiores aos recursos disponíveis --- originários da arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano majorado de ano para ano, e em algumas cidades até triplicado, e de outros tributos --- podem comprometer a política econômica de qualquer governo federal (ainda mais se tratando de Brasil) e desestabilizar a própria moeda nacional.

São inúmeros os casos de irregularidade denunciados em prefeituras da região e investigados mediante a formação de Comissões Especiais de Investigação (CEIs) das respectivas Câmaras Municipais. É certo que no País impera a impunidade para esses casos de improbidade administrativa. Mesmo os que são provados acabam por dar em nada. São raríssimos os casos em que os culpados são punidos. A maioria das investigações termina simplesmente arquivada, sem que se dê qualquer tipo de satisfação à opinião pública.

A Frente de Prefeitos, liderada por Chico Amaral, quer, entre outras coisas, a criação de um Programa de Socorro às Prefeituras em dificuldade, uma espécie de Proer, que socorreu, a partir de 1995, bancos prestes a quebrar, com destinação de R$ 21 bilhões para esse fim. Reivindica, também, o parcelamento de débitos das prefeituras junto à Previdência e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Além disso, quer a liberação de verbas para obras sociais.

As propostas que serão encaminhadas ao presidente Fernando Henrique Cardoso são factíveis, pelo menos em parte. Todavia, é necessário que haja a contrapartida, representada pela satisfação que os prefeitos devem, da prestação de contas de sua gestão, aos munícipes, ao cabo de seus mandatos, o que, pelo que se saiba, nunca ocorreu na vida política brasileira.

(Editorial número um publicado na página 2 do Correio Popular em 22 de janeiro de 1998).



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