Moby Dick
Pedro J. Bondaczuk
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Deve o escritor se preocupar com o que se convencionou chamar de
abordagem (e linguagem) politicamente correta? No meu modo de
entender, não! Afinal, quem estabeleceu, e impôs como dogma, que
isso é certo, aquilo é errado e vai por aí afora? Que autoridade
essas pessoas (ou entidades, ou grupos, não importa) têm para isso?
Quem lhes conferiu tal prerrogativa? Entendo que o escritor deva,
sim, se preocupar, mas com o “gramaticalmente correto”. Essa tem
que ser não só sua preocupação constante, como até obsessão.
O que é “politicamente correto”? O que hoje é considerado como
tal, amanhã já não será mais. Seus parâmetros variam ao sabor do
tempo e das gerações. E principalmente quando tenta ditar normas em
termos de moral. Esta, porém, é a mais variável possível, mudando
a todo momento de direção como uma pena no ar, ao sabor dos ventos.
Um dos grandes romances já produzidos em todos os tempos, que
entraria, facilmente, na relação dos melhores já escritos até
hoje, seria, a rigor (e é por alguns tolos e desocupados)
considerado absolutamente “politicamente incorreto”. Refiro-me a
“Moby Dick”, do norte-americano Herman Melville. Afinal, tem como
tema central a caça às baleias.
Também sou dos que se opõem à matança indiscriminada de espécies
animais, não importa se marinhas ou terrestres, até a completa
extinção, ou quase. Não vejo a menor justificativa para isso.
Ocorre que Moby Dick, ao contrário dos que leram o romance e nada
entenderam dele (por isso o interpretaram de maneira equivocada) não
faz “apologia” da caçada a esse cetáceo gigantesco, mas presa
relativamente fácil do homem.
Limita-se a descrever algo que acontecia (e que ainda acontece em
larga escala, a despeito dos vários acordos para pôr fim a esse
procedimento) com frequência. Ou seja, não se detém a “opinar”
se a realidade é bonita ou horrenda, se aquilo era certo ou errado.
Não faz juízo de valor. Deixa isso por conta de quem o lê.
Limita-se a mostrar que a realidade, posto que horrenda, existe e é
como é. Escondê-la debaixo do tapete não faz bem a ninguém,
porquanto apenas a perpetua daquela forma.
Também sou sonhador e acalento (mesmo que secretamente) minhas
utopias. Mas não posso deixar de concordar com Anatole France quando
observa que “toda ideia falsa é perigosa. Crê-se que os
sonhadores não fazem mal; é engano, pois fazem-no e muito., As
utopias aparentemente mais inofensivas exercem realmente uma ação
nociva. Tendem a inspirar o nojo da realidade”. Mas é nesta que
vivemos. Em vez de nos limitarmos a nos enojar dela, temos é que
agir para modificá-la para melhor.
“Moby Dick”, transformado em filme em 1956 (dirigido por John
Houston), foi publicado, inicialmente, em Londres, em 1851. E não na
forma de livro, mas em três fascículos e sob o título de “A
baleia”. Nesse mesmo ano, porém, foi também lançado na forma
como o conhecemos hoje, e em Nova York. O romance, inicialmente, foi
um tremendo fracasso, tanto de crítica quanto de vendas.
Os críticos acusavam Melville de haver produzido um “monstrengo”
que não era nem ficção e nem informação objetiva. O livro foi
encarado como uma espécie de Frankenstein. E por que? Por trazer
detalhes até então nunca utilizados em ficção.
Hoje, “Moby Dick” é encarado como revolucionário, um pioneiro,
um marco no romance contemporâneo. Traz informações verídicas
sobre vários assuntos, no meio da história inventada pelo autor.
Informa, por exemplo, sobre os tipos de baleias existentes, métodos
de caça, tipos de arpões utilizados, do porque da cor branca dos
cachalotes (no caso, de Moby Dick), sobre detalhes de navios
baleeiros, produtos extraídos dos animais caçados, suas utilidades
etc.etc.etc.
E tudo isso foi colocado, engenhosamente, na boca do principal
personagem, Ismael, que faz as vezes de narrador da aventura, e
sempre na primeira pessoa. Traz, sobretudo, um sem-número de
reflexões (que na verdade, claro, eram as do escritor e não
propriamente do personagem). Todos esses detalhes foram narrados com
realismo e propriedade, por quem sabia do que estava tratando,
porquanto viveu em barcos baleeiros.
A força de “Moby Dick” está, justamente, nisso, No fato de nos
transportar, pela magia da literatura, praticada com perícia por um
escritor com “E” maiúsculo, quer ao ambiente descrito, quer nos
fazendo ter as sensações de uma caça à baleia.
Passados 166 anos de lançamento, o livro de Herman Melville ainda é
dos mais vendidos mundo afora. Agora pergunto: onde estão os tais
críticos, que tentaram ridicularizá-lo? Alguém se lembra do nome
deles, de um só que seja? Claro que não!
Suas observações, posto que pedantes e arrogantes, foram tão
efêmeras quanto o veículo, no caso jornal, em que foram publicadas.
Nasceram por volta das quatro horas de determinada manhã e já
estavam mortas ao meio-dia.
Um livro, porém, especialmente quando magistral e escrito com
talento, paixão e verdade, atravessa séculos e séculos, às vezes
até milênios, encantando leitores só Deus sabe quantos e de onde.
Essa é nossa vingança contra quem nos critica: a permanência.
Querem coisa melhor?
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