Questão
de interpretação
Pedro J. Bondaczuk
Estive raciocinando cá com meus botões: como nossos textos de hoje,
nossos livros, nossas crônicas em jornais e revistas, nossos poemas
postados em blogs, serão interpretados (e entendidos) pelos leitores
do futuro, digamos, do ano de 2500 (caso sobrevivam, claro, e caiam
em mãos de pessoas que vivam nessa época)?
Irão entender o que escrevemos? Sim, porque, provavelmente, a
linguagem, então, será muito diferente da atual. Ou irão precisar
de um novo “Champolion”, que descubra uma espécie de “pedra de
roseta” dos nossos tempos, que possibilite a decifração dos
nossos inúmeros alfabetos e cerca de 20 mil idiomas e dialetos que
há pelo mundo afora neste século XXI?
Claro que estas reflexões não têm o mínimo sentido prático.
Todavia, são ótimo exercício de imaginação. Portanto, por que
não fazê-las? Muito do que escrevemos já não é interpretado como
gostaríamos hoje, quanto mais num futuro remoto.
Por isso, defendo uma forma de se expressar simples, despojada e
direta que, sem perder a elegância que se requer de um literato,
seja entendida por todos os que forem alfabetizados, não importando
seu grau cultural e nem quantos diplomas colecione (se inúmeros ou
se nenhum)..
Ainda assim, não há a menor segurança de que nossos anseios,
desejos, temores, esperanças, certezas etc., contidos em nossos
textos, venham a ser minimamente compreendidos pelos eventuais
leitores do futuro.
Tenho em mãos um romance, escrito por Walter M. Miller Jr., lançado
no início dos anos 60 (e que não chegou a fazer grande sucesso),
intitulado “Um cântico para Leibowitz”, que ilustra a caráter
estas considerações.
O enredo apresenta monges de determinada ordem religiosa (que não
tem absolutamente nada a ver com as atuais), que, encerrados em um
mosteiro, copiam fielmente e conservam com o máximo zelo textos
científicos, que sobraram de uma guerra nuclear que pôs fim a uma
civilização.
Como não entendem os conceitos expostos nesses livros, que coletaram
nas raras bibliotecas não incendiadas, atribuem-lhes um significado
divino, sagrado, mágico, transcendental. Os monges em questão já
são da terceira ou quarta geração dos sobreviventes da hecatombe
nuclear. Não têm a menor noção do que estão copiando. Sabem,
através dos mais velhos, do desastre que se abateu sobre a Terra,
mas desconhecem sua causa.
Um dia, porém, surge um desses gênios, que nascem em quantidades
ínfimas a cada geração, com nível de compreensão inexplicável,
mas bem acima da média, maior do que a maioria. Ele lê, entende e
interpreta a documentação científica copiada pelos diligentes
monges da ordem de São Leibowitz.
Alguns desses textos explicam (e detalham) como se poderiam fabricar
bombas atômicas (cuja fabricação, aliás, nem é tão complicada
assim. Não faz muito, circulou na internet a “fórmula” de
produção desses artefatos perigosíssimos, cuja “utilidade” é
apenas o extermínio em massa de populações). E, com a
interpretação dos textos, supostamente sagrados, mas que na verdade
eram profanos e mais, sumamente malévolos, a Terra voltou a ficar em
perigo.
Quem quiser saber o desfecho desse romance, que o procure em algum
sebo e o leia. Não serei eu o estraga prazer de ninguém. O que
quero ressaltar é o caráter de permanência dos nossos textos.
Depois de escritos, e publicados, são como filhos que deixam o lar
paterno a perambularem pelo mundo.
Perdemos a ascendência sobre eles e, não raro, até o contato com
os mesmos. Podem se tornar líderes revolucionários, condutores de
povos para a liberdade, solidariedade e justiça, ou perigosos e
sanguinários bandidos, especialistas em violência e destruição.
Quanto aos textos, nunca sabemos em que mãos, e quando, irão parar.
E isso multiplica, claro, a nossa responsabilidade ao infinito. Pense
nisso.
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