Matriz
da atual civilização
Pedro
J. Bondaczuk
O
século XX, com suas maravilhas e horrores, foi, certamente, o mais
dinâmico da História. Ciência e Tecnologia evoluíram, no seu
decorrer, como nunca antes havia ocorrido em qualquer outro período.
Inúmeras vezes, a humanidade esteve a pique de ser destruída, do
Planeta ser esterilizado e de ficar morto e desolado como Vênus ou
Marte, por exemplo, que têm dimensões muito próximas às da Terra.
Revoluções se sucederam e pipocaram por toda a parte, como a
mexicana e a portuguesa, ambas ocorridas em 1910, como a bolchevique,
em 1917 e como tantas outras, de menor relevância.
O
mundo conheceu duas sangrentas guerras mundiais, que dizimaram
milhões de pessoas e deixaram um rastro de desolação e caos,
notadamente na Europa. Até a tão temida queda de meteorito ocorreu,
felizmente na desolada e semideserta estepe de Tunguska, na Sibéria
Central, em 30 de junho de 1908. Houvesse caído em região
densamente povoada, ou em cidades como Nova York, Londres, Paris e
Roma, estaríamos agora lembrando de uma tragédia de proporções
apocalípticas.
O
homem desvendou, para sua desgraça, um segredo que seria preferível
que não desvendasse: o do átomo, o âmago da matéria. Poderia
operar maravilhas com esse conhecimento, mas infelizmente usou-o para
matar. E, pela primeira vez na história (e até aqui, felizmente,
única), duas cidades foram varridas do mapa, literalmente reduzidas
a cinzas (radioativas) num piscar de olhos, mediante bombas
nucleares, num genocídio dos mais covardes e inaceitáveis:
Hiroshima e Nagasaki.
Em
vez de aprender a lição, e se dar conta da terrível “caixa de
Pandora” que tinha em mãos, o homem insistiu em se aprofundar em
pesquisas, em desenvolver armas muito mais poderosas e letais do que
aqueles artefatos primitivos e já tão medonhos. Hoje, as bombas
utilizadas para pulverizar as duas cidades japonesas em segundos não
passam de ridículos estopins de agentes de morte e destruição
infinitamente mais poderosos. Até recentemente, os arsenais das
potências contavam com ogivas nucleares suficientes para destruir
cerca de uma centena de planetas como a Terra, o que nem o mais
insano dos insanos poderia algum dia pensar.
Atualmente,
não é possível nem mesmo estimar o potencial destrutivo existente.
Não se sabe, por exemplo, se aumentou ou diminuiu, pois para isso é
necessário fiar-se na palavra dos políticos, que não é nem um
pouco confiável. A suposição mais razoável é que as atuais
bombas de hidrogênio são muito mais poderosas do que as de apenas
dez anos atrás e que algum erro de cálculo ou mesmo acidente podem
fazer voar pelos ares e desintegrar literalmente, tudo e todos, pondo
fim não apenas à nossa espécie, mas a praticamente todos os seres
vivos. É possível (mas não provável) que apenas escorpiões e
baratas sobrevivam a tamanha hecatombe e povoem este belo e frágil
planeta azul, em caso dela, por qualquer motivo, ocorrer. E o risco
existe.
Mas
o século XX não apresentou, apenas, violências, misérias,
corrupções, doenças e horrores. Produziu, também, excelentes
artistas, cientistas inigualáveis, esportistas fantásticos e
pensadores lúcidos e ponderados. Arejou a filosofia, desenvolveu as
artes e revolucionou as comunicações. Pode-se dizer que se tornou a
matriz da atual civilização. Para muitos, ela é péssima e deveria
ser mudada da base ao topo. Só não dizem como fazer isso. Para
outros, porém, é miraculosa. Prefiro ficar no meio e reconhecer os
avanços, sem esquecer os perigos e armadilhas que foram semeadas em
profusão no nosso caminho, mais presentes do que nunca em nossas
vidas.
E
por que estou tocando no assunto do século XX, quando este já vai
ficando cada vez menos visível no retrovisor do tempo? Exatamente
por essa distância. Quanto mais distante um fato estiver do momento
em que ocorreu, mais isenta, racional e desapaixonada tende a ser sua
análise. Acabo de pegar em minha estante um livro que vem a calhar
para um estudo frio, meticuloso e desapaixonado desse período tão
complexo, tão turbulento e simultaneamente tão fascinante.
Pretendo, nos próximos meses, volta e meia, fazer, com a anuência e
companhia dos senhores, muitas reflexões suscitadas por essa obra. E
qual é esse livro? Trata-se de um ensaio que nem mesmo sei como
classificar, se histórico, se político, se econômico, se social ou
se tudo isso simultaneamente.
Refiro-me
a “O fim do século 20 e o fim da era moderna”, de John Lukacs. O
livro foi lançado em 1993 e não recebeu a atenção que merecia.
Não foi nenhum best-seller, diga-se de passagem, e pouca gente o
comentou. Classifico-o, todavia, como a análise mais lúcida, isenta
e abrangente já feita sobre esse período, e que o autor fez quando
faltavam ainda sete anos para o século acabar.
E
quem é esse John Lukács? É um historiador húngaro, nascido em
Budapeste em 31 de janeiro de 1924, de descendência judia,
profundamente católico, que em razão da sua origem emigrou para os
Estados Unidos no início da Segunda Guerra Mundial, onde se fixou e
fez carreira. É um mestre notável, de grande reputação, inclusive
na Europa, professor visitante dessa disciplina nas mais renomadas
universidades norte-americanas, como a John Hopkins University, a
Columbia University e a Princeton University, entre outras.
Já
publicou mais de 25 livros e o que tenho em mãos sequer é
considerado o melhor deles. Creio, contudo, que se trata de erro de
avaliação. Os críticos, provavelmente, não leram esta obra ou se
o fizeram, não refletiram a respeito como deveriam. Ao cabo de algum
tempo, após refletirmos sobre vários dos tópicos tratados pelo
autor, os senhores, certamente, chegarão à mesma conclusão que
cheguei. Lukács mostra-se um historiador com alma de filósofo.
Aliás,
Dionísio de Halicarnasso, há alguns séculos antes de Cristo,
escreveu: “História é Filosofia: ensina por exemplos”.
Concordo! O filósofo inglês do século XVII, Henry Saint John,
Primeiro Visconde de Bolingbroke fez idêntica afirmação, posto que
com outras palavras, mas com o mesmo sentido. Lukács é hoje, sem
favor algum, o legítimo sucessor do inglês Arnold Toynbee, tido
como um dos maiores, se não o maior historiador do século XX,
embora com outra visão dessa disciplina.
Nada
melhor para se projetar o futuro do que analisar, com profundidade,
atenção e honesta visão crítica, o passado. Só assim teremos
condições de evitar os mesmos erros cometidos, com suas naturais
consequências, e fazer o que deveria ter sido feito e não o foi,
com resultados igualmente catastróficos. Tendemos a errar ora por
ação, ora por omissão. Nesse aspecto, no da prevenção tendo como
base o que já passou e foi feito ou deixou de sê-lo, não há como
deixar de dar razão ao filósofo Soren Kierkegaard, que sentenciou:
“Vivemos para a frente, mas só podemos pensar para trás”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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