Doutor Coragem
Pedro J. Bondaczuk
“A
política é a esperança. A esperança da coragem. Só são
corajosos, para decisões populares, os governos democráticos. Foi a
democracia, isto é, o homem que derrotou o fascismo de Mussolini e o
nazismo de Hitler”. Estas palavras foram escritas por um dos mais
corajosos, lúcidos e importantes líderes da História recente do
País.
Após
toda uma vida de lutas, especialmente contra a ditadura militar, esse
homem bem-humorado, grande frasista, amado pelos liderados e temido e
respeitado pelos adversários, desapareceu no mar, num 12 de outubro
de 1992. Referimo-nos, obviamente, ao doutor Ulysses Guimarães, cujo
segundo aniversário de morte completou-se ontem.
O
trecho citado foi extraído de uma série de fascículos, lançada em
1978 pela revista “Veja”, intitulada “Receita: Brasil”, como
que antecipando o processo de redemocratização do País, que então
mal se esboçava. O saudoso deputado viveria o clímax de sua
atividade política em 5 de outubro de 1988, quando da promulgação
da atual Constituição, cuja elaboração foi uma das maiores
bandeiras que empunhou.
Nessa
solenidade, Ulysses, arrebatado como sempre foi, disse, num assomo de
fúria, de “santa ira”, contrariando seu jeito afável e seu
estilo ponderado, posto que incisivo: “Tenho ódio, nojo da
ditadura!”
Destaque-se
que não se tratou de simples retórica. Sua atuação, no período
mais penoso da vida política brasileira, o ditatorial, credenciou-o
a esse enfático ato de fé na democracia. Foi ele quem lançou as
bases do MDB (atual PMDB), quando o processo das cassações de
políticos, de exílio de cidadãos e de prisões arbitrárias,
muitas vezes seguidas de torturas e até de desaparecimentos (caso do
deputado Rubens Paiva) estava em pleno andamento.
Foi
esse parlamentar combativo e atuante que em 4 de setembro de 1973
lançou, tendo como vice o atual presidente da Associação
Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, a “anticandidatura”
à Presidência da República, no Colégio Eleitoral (que pretendia
mostrar se tratar de mera farsa democrática), para confrontar o
candidato do sistema, general Ernesto Geisel, com seu respectivo
companheiro de chapa, Adalberto Pereira dos Santos.
Falar
da vida política de Ulysses, no espaço de um simples artigo, é
como querer resumir a História do Brasil do último meio século
numa simples folha de papel. É um exercício impossível. Oxalá
este líder das grandes causas tenha deixado sinceros seguidores!
Que
Fernando Henrique Cardoso, o presidente eleito, que coordenou sua
anticandidatura na eleição presidencial indireta de 14 de janeiro
de 1974, seja um deles. E que faça do real aquilo que todos esperam
que seja: uma moeda forte, estável e à prova de corrosão
inflacionária.
Nos
referidos fascículos da revista “Veja”, o saudoso deputado,
apelidado de “Doutor Coragem”, alertou: “Se a inflação não
for dominada, não haverá projeto político, econômico ou social
para o Brasil. Ou o Brasil mata a inflação ou a inflação mata o
Brasil”. Que esta advertência, de um reconhecido patriota,
político de visão ampla e vasta experiência, balize a atuação
não apenas do futuro governo, incluindo o Congresso, mas de todos os
que amam este País e acreditam no seu grande destino.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de
outubro de 1994).
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