Saturday, March 24, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Doutor Coragem


Doutor Coragem



Pedro J. Bondaczuk



A política é a esperança. A esperança da coragem. Só são corajosos, para decisões populares, os governos democráticos. Foi a democracia, isto é, o homem que derrotou o fascismo de Mussolini e o nazismo de Hitler”. Estas palavras foram escritas por um dos mais corajosos, lúcidos e importantes líderes da História recente do País.

Após toda uma vida de lutas, especialmente contra a ditadura militar, esse homem bem-humorado, grande frasista, amado pelos liderados e temido e respeitado pelos adversários, desapareceu no mar, num 12 de outubro de 1992. Referimo-nos, obviamente, ao doutor Ulysses Guimarães, cujo segundo aniversário de morte completou-se ontem.

O trecho citado foi extraído de uma série de fascículos, lançada em 1978 pela revista “Veja”, intitulada “Receita: Brasil”, como que antecipando o processo de redemocratização do País, que então mal se esboçava. O saudoso deputado viveria o clímax de sua atividade política em 5 de outubro de 1988, quando da promulgação da atual Constituição, cuja elaboração foi uma das maiores bandeiras que empunhou.

Nessa solenidade, Ulysses, arrebatado como sempre foi, disse, num assomo de fúria, de “santa ira”, contrariando seu jeito afável e seu estilo ponderado, posto que incisivo: “Tenho ódio, nojo da ditadura!”

Destaque-se que não se tratou de simples retórica. Sua atuação, no período mais penoso da vida política brasileira, o ditatorial, credenciou-o a esse enfático ato de fé na democracia. Foi ele quem lançou as bases do MDB (atual PMDB), quando o processo das cassações de políticos, de exílio de cidadãos e de prisões arbitrárias, muitas vezes seguidas de torturas e até de desaparecimentos (caso do deputado Rubens Paiva) estava em pleno andamento.

Foi esse parlamentar combativo e atuante que em 4 de setembro de 1973 lançou, tendo como vice o atual presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, a “anticandidatura” à Presidência da República, no Colégio Eleitoral (que pretendia mostrar se tratar de mera farsa democrática), para confrontar o candidato do sistema, general Ernesto Geisel, com seu respectivo companheiro de chapa, Adalberto Pereira dos Santos.

Falar da vida política de Ulysses, no espaço de um simples artigo, é como querer resumir a História do Brasil do último meio século numa simples folha de papel. É um exercício impossível. Oxalá este líder das grandes causas tenha deixado sinceros seguidores!

Que Fernando Henrique Cardoso, o presidente eleito, que coordenou sua anticandidatura na eleição presidencial indireta de 14 de janeiro de 1974, seja um deles. E que faça do real aquilo que todos esperam que seja: uma moeda forte, estável e à prova de corrosão inflacionária.

Nos referidos fascículos da revista “Veja”, o saudoso deputado, apelidado de “Doutor Coragem”, alertou: “Se a inflação não for dominada, não haverá projeto político, econômico ou social para o Brasil. Ou o Brasil mata a inflação ou a inflação mata o Brasil”. Que esta advertência, de um reconhecido patriota, político de visão ampla e vasta experiência, balize a atuação não apenas do futuro governo, incluindo o Congresso, mas de todos os que amam este País e acreditam no seu grande destino.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de outubro de 1994).

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