Saturday, March 31, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Na rota do crime


Na rota do crime


Pedro J. Bondaczuk


A cidade de Campinas, não faz muito, gozava de enorme e justo prestígio nacional e internacional por suas excelências. Era decantada, em verso e prosa, por todas as partes do País, pelos expoentes da sua cultura, por seus talentosos artistas (pintores, escultores, poetas, músicos, etc.), por seus esportistas, pelos seus exímios e eficientes médicos e pelos produtivos e competentes centros de pesquisa científica de que dispõe. Trata-se, ainda, de um dos melhores lugares para se trabalhar, prosperar e viver. É um polo continental de alta tecnologia. Não faz muito, era conhecida como a "capital da gentileza", a "Atenas brasileira" e outras tantas e lisonjeiras denominações, que nos enchiam de vaidade e de justo orgulho. E não havia exagero em nada disso.

Ultimamente, no entanto, a cidade anda frequentando as manchetes da imprensa por outro motivo, nada agradável ou mesmo conveniente. Vem sendo citada como uma das vertentes de uma suposta rede do crime organizado, que estaria estendendo os seus tentáculos corruptores por 14 Estados da Federação, e cujo expoente maior seria o deputado cassado do Acre, Hildebrando Pascoal.

Essa terrível organização criminosa, de fazer inveja às várias versões da Máfia (quer a siciliana, quer a napolitana ou a norte-americana), seria responsável por toda a sorte de delitos. Estaria infiltrada em todos os escalões do poder, como não faz muito ocorria na vizinha Colômbia. Seus crimes iriam desde o narcotráfico e a consequente lavagem do dinheiro sujo obtido com essa atividade ilícita, ao roubo de caminhões e cargas, pistolagem, assassinatos de motoristas, políticos e desafetos e vai por aí afora. As denúncias são de Jorge Meres Alves de Almeida, que confessou fazer parte dessa quadrilha, denunciando os companheiros para obter pena mais suave. Implicam homens públicos, empresários, delegados, policiais, etc. Muitos deles seriam de Campinas. E isto nos parece exagero. Pelo menos, até que se prove o contrário.

O vértice campineiro dessa corja de bandidos estaria, supostamente, centralizado na atuação do empresário William Sozza, que nega enfaticamente sua participação na rede em questão e se diz vítima de uma enorme "armação". Estaria mentindo? É impossível de se afirmar. Não se pode, porém, tirar nenhuma conclusão a priori, e muito menos fazer prejulgamentos, lançando, apressadamente, suspeição sobre quem quer que seja, antes de concluídas as investigações levadas a cabo pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal, que apura a ação nefasta e destruidora do narcotráfico no País. É bom que se recorde o que aconteceu, anos atrás, no famoso caso da Escola de Base.

Na oportunidade, um casal, proprietário de uma instituição de ensino pré-escolar, foi execrado publicamente e sofreu um verdadeiro linchamento moral, por suposto abuso sexual contra um garotinho de 4 anos, com base somente em afirmações da própria criança e de seus pais. A imprensa, de maneira açodada e irresponsável, assumiu, de imediato, baseada em frágeis evidências, a culpabilidade dos acusados. Exerceu, por sua conta e risco, o papel de juiz e simultaneamente de executor (o que não lhe cabe jamais e nunca deveria caber) e tratou o pobre casal como dois notórios criminosos, dois monstros, indignos de qualquer comiseração. E se deu mal.

Ao cabo das investigações policiais, concluiu-se que os dois professores eram absolutamente inocentes! Mas então já era tarde. A escola havia sido fechada e os abnegados mestres, que tiveram a reputação maculada, estavam arrasados, na rua da amargura, por causa da gana de muitos editores por uma manchete escandalosa, mesmo que inverídica. Lamentável! A mulher morreu pouco tempo depois, certamente de desgosto. O marido tenta, ainda, ganhar a vida com uma acanhada lojinha, onde mal tira o suficiente para comer. Indenização por perdas e danos morais? Nem pensar!

No entanto, é indispensável que a CPI vá a fundo em suas investigações sobre o narcotráfico e, em nosso caso, apure se de fato existe a tal conexão campineira, quais são os envolvidos, que tipo de atividades criminosas exerce e, acima de tudo, se tal tentáculo, desse polvo nojento e corruptor existir, que seja imediatamente extirpado. E que, os eventuais criminosos, contra os quais se reúnam provas cabais, sejam punidos exemplarmente pela Justiça. As acusações são gravíssimas.

É preciso que Campinas volte a ser conhecida, nacional e internacionalmente, apenas pelas coisas positivas e boas que tem. Que seja lembrada pela operosidade da sua população. Que se exalte o talento e o bom gosto dos seus artistas. Que se enfatize a competência dos seus atletas. Que se valorize a excelência dos seus médicos. Trata-se de uma cidade muito especial, nascida sob o signo da vitória, que renasceu, em meados do século passado, virtualmente, das "cinzas", quando atingida por insidiosa epidemia de febre amarela que a devastou. Não é justo, portanto, que seja vítima de perversos bandidos. Não se pode permitir que o tráfico e consumo de drogas, que têm desgraçado tantas famílias, sejam livres por aqui. É preciso dar um basta à violência que se generaliza e se expande. Esta é uma tarefa não apenas das autoridades, da polícia ou da Justiça. É uma cruzada que cada campineiro deverá assumir, para que não se perca, em poucos anos, aquilo que foi construído, com tamanho sacrifício, em mais de dois séculos, por várias gerações. Reage Campinas!

(Editorial publicado na Folha do Taquaral na primeira quinzena de novembro de 1999)



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