Gênio
reverencia gênio
Pedro
J. Bondaczuk
O
escritor Monteiro Lobato, cuja genialidade não se discute e é até
desnecessário citar (por ser considerada, hoje, consensual, embora
nem sempre tenha sido assim), era admirador profundo de uma
personalidade artística norte-americana, à qual muito intelectual
torceu o nariz (muitos ainda torcem), mas que o criador do “Sítio
do pica-pau amarelo” considerava “um gênio”. Refiro-me a Walt
Disney. Também sempre o encarei como tal. Ou seja, como artista que
extrapola em muito o senso comum e incomparável em sua
especialidade.
Lobato
expressou todo seu entusiasmo pelo criador de Mickey Mouse, Pato
Donald e outros tantos personagens, tornados imortais, em uma crônica
intitulada “Fantasia!”, publicada no jornal “Folha da Noite”,
do grupo “Folha”, hoje extinto. Mesmo não considerando o
conteúdo (e este é, sim, para ser considerado), o texto, por si só,
tem caráter histórico. Sua publicação ocorreu no dia 12 de julho
de 1948, oito dias após a morte do autor, ocorrida no dia 4 desse
mês e ano. Não se sabe se foi escrito na véspera da morte ou bem
antes. Mas foi um dos últimos produzidos por Monteiro Lobato.
Em
determinado trecho da citada crônica, o autor afirma: “Disney é
um tipo novo de gênio e sua arte é um a arte total e absolutamente
nova, jamais prevista nem pelas mais delirantes imaginações”.
Claro que concordo com essa opinião de um dos nossos mais lúcidos,
imaginativos e, por consequência, criativos escritores brasileiros.
Quem sou eu para discordar de tão ilustre figura.
Creio
que Walt Disney, se conhecesse Emília, Dona Benta, Pedrinho,
Narizinho, Tia Anastácia e os demais personagens de Lobato, diria o
mesmo, ou quem sabe até mais, a respeito do genial escritor
tupiniquim. Afinal, um gênio, via de regra, sabe reconhecer (e
reconhece) e reverenciar (e reverencia) outro, ao contrário de
pessoas mesquinhas, que se julgam grandes artistas, sem que, de fato,
sejam. Em outro trecho da aludida crônica, Monteiro Lobato
justifica, numa única linha, a razão de sua admiração e
entusiasmo. Escreve: “Disney criou a grande coisa nova: a
conjugação da fotografia com a imaginação”.
Esse
criativo desenhista é parte inseparável da minha infância. Mas não
foi o primeiro do gênero que admirei. Essa primazia cabe a um
brasileiro, igualmente genial, contudo nunca reconhecido devidamente,
como merecia. Trata-se de Luiz Sá. Durante anos – dos seis aos
onze de idade – diverti-me com o trio de personagens que criou –
Reco-Reco, Bolão e Azeitona – “astros” da revista “O
tico-tico”, outro fenômeno, em se tratando de Brasil, já que
circulou de 11 de outubro de 1905 (uma quarta-feira) até meados da
década de 70 do século passado.
Essa
tríade originalíssima encantou, pois, tanto a geração anterior à
minha, quanto à posterior. E à minha, evidentemente. A primeira vez
que li as aventuras desses três foi em 1949 e fiquei fascinado,
basbaque, sem fala. Luiz Sá, é mister que se diga, não se limitou
a esse trabalho gráfico. Foi funcionário, também, do extinto
Serviço Nacional de Educação Sanitária, criado em 1941 pelo então
presidente Getúlio Vargas, ilustrando livros e folhetos em profusão
sobre saúde pública. Tinha um traço inconfundível e, com todo o
respeito que tenho por outros desenhistas e cartunistas, nenhum
outro, jamais, sequer se aproximou da qualidade que ele imprimiu ao
seu trabalho. É aqui que cabe minha reclamação de que nem sempre
os artistas realmente talentosos são injustiçados e não contam com
o devido reconhecimento.
Para
que vocês tenham uma ideia da sua capacidade artística e
profissional, basta dizer que, em 1939 (quando faltavam, ainda,
quatro anos para eu nascer), Luiz Sá criou os bonequinhos das
críticas de cinema do jornal O Globo. Passados 78 anos, eles ainda
são, rigorosamente, os mesmos, comprovando que os bons trabalhos são
atemporais e, se bobear, eternos. Esse genial desenhista contraiu, em
1974, tuberculose, doença que findou por matá-lo cinco anos depois,
em 1979.
Mas,
voltando a Lobato e à sua histórica crônica “Fantasia!”, ele
afirma, com todas as letras, nas linhas finais do texto: “Ah, se
fosse possível um novo Fiat! Recriar o mundo! Com o material que a
natureza nos fornece produzir um mundo novo, formas novas de vida –
e se fosse Walt Disney o encarregado da transmutação! Que suprema,
que prodigiosamente bela uma nova Criação Cósmica assinada pela
mais alta expressão do gênio humano – Walt Disney!”. Concordo,
mais uma vez, com Lobato. Somente aduziria, incluindo como parceiro
desse novo Fiat lux, a figura, a meu ver injustiçada pela falta de
memória do brasileiro, de Luiz Sá.
Ah,
ainda a propósito da revista “O tico-tico”, é mister que se
diga que foi a verdadeira apresentadora da obra de Walt Disney ao
Brasil. Isso ocorreu em 1930, com uma aventura de Mickey Mouse que
estampou em suas páginas. Só que inicialmente, entre nós, esse
personagem tinha outro nome, abrasileirado: foi chamado de “Ratinho
Curioso”. “O tico-tico” contou tanto com leitores célebres,
como Ruy Barbosa e Carlos Drummond de Andrade (entre outros), quanto
muitos nem tão famosos assim (mas, quem sabe, que um dia poderão
sê-lo, vá se saber), como este curioso e às vezes trapalhão
Editor.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment