Monday, March 19, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Temos lei orgânica


Temos lei orgânica


Pedro J. Bondaczuk


A promulgação da Lei Orgânica de Campinas motiva muitas reflexões em torno do processo da autonomia municipal, cujo princípio destaca a relativa soberania dos poderes públicos de estabelecer suas atribuições e responsabilidades. A Lei Orgânica tem muito a ser corrigido. As suas falhas, de caráter constitucional ou de redação, causadas notadamente por falta de compreensão de suas peculiaridades e pelo interesse eleitoreiro de vereadores que a aprovaram, ainda podem ser sanadas. Bastarão a boa vontade e o compromisso com o processo democrático por parte do Legislativo.

Campinas teve uma festa cívica ontem ao promulgar sua Lei Orgânica. Mesmo com um texto composto por vários equívocos, esse documento se constitui num objeto da história do Município, pois marca a emancipação do território onde o cidadão vive seu cotidiano. Muita coisa vai mudar com a Lei Orgânica. O Executivo, que enfeixou em seus braços uma concentração de poder resultante do centralismo construído pelo regime militar, está obrigado agora a dividir responsabilidades com o Legislativo. Este tem de hoje em diante um desafio nunca enfrentado por vereadores nos últimos 30 anos: demonstrar que podem legislar com sabedoria.

Porém, esse comportamento parece que não terá tanto sucesso. O texto da Lei Orgânica confirma que vários membros do Legislativo ainda não entenderam seu papel, ou seja, o de elaborar leis num processo político e democrático, a partir das várias pressões e demandas urbanas, com o objetivo de aperfeiçoar os instrumentos de administração pública.

Mas a Lei Orgânica tem pontos altamente positivos. A participação popular é um deles. Basta o Poder Público regulamentar com seriedade esse procedimento. Os títulos sobre Ordem Econômica, Meio Ambiente, Saúde e Educação apresentam novidades que são bem vindas, no entanto revelam artigos que, particularmente, não querem dizer nada ou conflitam-se com a Constituição Federal.

No artigo 230, capítulo "Da Educação", há exemplos de redações ineficazes dada à total ausência de significado prático para aplicação da lei. No parágrafo quinto se estabelece que "o Conselho das Escolas Municipais e os conselhos de escola terão por princípios: b) incentivar a consciência crítica, no sentido de transformar em agente ativo as pessoas que participam do processo educativo". O texto anuncia a total falta de fundamentação e realça a redundância. Todo processo educativo, no amplo sentido da expressão, tem uma função concernente ao desenvolvimento intelectual. E mais: os autores dessa emenda à Lei Orgânica devem explicar o que entendem por "agente ativo". Claro que não pode ser algum elemento químico muito propalado na propaganda de detergentes.

Mas é a Lei Orgânica de Campina. Com erros que podem ser corrigidos e com princípios que devem ser obedecidos pelos poderes públicos municipais. A promulgação dessa lei não encerra nem esgota o esforço de construção da democracia. A solenidade de sexta-feira marca o início de um novo processo sob a égide democrática.

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 31 de março de 1990)

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