Temos lei orgânica
Pedro J. Bondaczuk
A promulgação da Lei
Orgânica de Campinas motiva muitas reflexões em torno do processo
da autonomia municipal, cujo princípio destaca a relativa soberania
dos poderes públicos de estabelecer suas atribuições e
responsabilidades. A Lei Orgânica tem muito a ser corrigido. As suas
falhas, de caráter constitucional ou de redação, causadas
notadamente por falta de compreensão de suas peculiaridades e pelo
interesse eleitoreiro de vereadores que a aprovaram, ainda podem ser
sanadas. Bastarão a boa vontade e o compromisso com o processo
democrático por parte do Legislativo.
Campinas teve uma festa cívica
ontem ao promulgar sua Lei Orgânica. Mesmo com um texto composto por
vários equívocos, esse documento se constitui num objeto da
história do Município, pois marca a emancipação do território
onde o cidadão vive seu cotidiano. Muita coisa vai mudar com a Lei
Orgânica. O Executivo, que enfeixou em seus braços uma concentração
de poder resultante do centralismo construído pelo regime militar,
está obrigado agora a dividir responsabilidades com o Legislativo.
Este tem de hoje em diante um desafio nunca enfrentado por vereadores
nos últimos 30 anos: demonstrar que podem legislar com sabedoria.
Porém, esse comportamento
parece que não terá tanto sucesso. O texto da Lei Orgânica
confirma que vários membros do Legislativo ainda não entenderam seu
papel, ou seja, o de elaborar leis num processo político e
democrático, a partir das várias pressões e demandas urbanas, com
o objetivo de aperfeiçoar os instrumentos de administração
pública.
Mas a Lei Orgânica tem pontos
altamente positivos. A participação popular é um deles. Basta o
Poder Público regulamentar com seriedade esse procedimento. Os
títulos sobre Ordem Econômica, Meio Ambiente, Saúde e Educação
apresentam novidades que são bem vindas, no entanto revelam artigos
que, particularmente, não querem dizer nada ou conflitam-se com a
Constituição Federal.
No artigo 230, capítulo "Da
Educação", há exemplos de redações ineficazes dada à total
ausência de significado prático para aplicação da lei. No
parágrafo quinto se estabelece que "o Conselho das Escolas
Municipais e os conselhos de escola terão por princípios: b)
incentivar a consciência crítica, no sentido de transformar em
agente ativo as pessoas que participam do processo educativo". O
texto anuncia a total falta de fundamentação e realça a
redundância. Todo processo educativo, no amplo sentido da expressão,
tem uma função concernente ao desenvolvimento intelectual. E mais:
os autores dessa emenda à Lei Orgânica devem explicar o que
entendem por "agente ativo". Claro que não pode ser algum
elemento químico muito propalado na propaganda de detergentes.
Mas é a Lei Orgânica de
Campina. Com erros que podem ser corrigidos e com princípios que
devem ser obedecidos pelos poderes públicos municipais. A
promulgação dessa lei não encerra nem esgota o esforço de
construção da democracia. A solenidade de sexta-feira marca o
início de um novo processo sob a égide democrática.
(Editorial publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 31 de março de 1990)
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