Mergulhados em solidão
Pedro J. Bondaczuk
Nada é mais solitário do que o “fazer” literário. Para redigir
seus textos, o escritor precisa de solidão e de silêncio. É quando
passa pela angústia de ter que encarar seus fantasmas e suas
limitações, quando vive a incerteza se vai ou não conseguir
transmitir o que lhe passa na alma e se logrará fazer (ou não) com
que o anônimo destinatário do seu texto (claro, o leitor) pelo
menos o entenda, e depois se convença de que está certo.
E, se convencido, concorde ou não com o que leu. E se concordar,
passe a ser seu amigo, posto que secretamente. E se discordar,
torne-se seu crítico (em casos extremos, até inimigo), mas não
fique indiferente ao que leu. A indiferença é o pior veneno, o mais
fulminante e letal, para as ambições e sonhos de qualquer escritor.
Como comunicador que é, consciente ou inconscientemente, seu ato
solitário e tenso tem um único objetivo: comunicar.
O que é de se notar é que raramente essas duas figuras, que compõem
o teorema da comunicação – um como emissor de determinada
mensagem e outro como seu receptor – se conhecem pessoalmente.
Nunca se encontraram e, salvo raras exceções, jamais se
encontrarão. Não raro, estão separadas por distâncias enormes,
por continentes até, mas em decorrência do “encolhimento” do
mundo, ditado pelo avanço da tecnologia da comunicação, logram
manter contato. Anônimo, é verdade. Nunca sabemos quem está lendo
aquele nosso texto, gerado nas entranhas da angústia (não raro, do
desespero), na absoluta e aterradora solidão do nosso gabinete de
trabalho.
Muitos dirão, certos de que me pegaram no pulo, que estou errado,
pois eles mesmos já escreveram textos em meio ao burburinho de
dezenas, centenas e até milhares de pessoas, dependendo do lugar em
que estavam. Duvido que tenham feito, nessas circunstâncias, a
versão final. Podem ter rascunhado, sim, algum poema, alguma
crônica, ou mesmo um desses contos curtos, de dois ou três
parágrafos. Mas textos definitivos, que não careçam de acréscimos
e nem cortes, e já revisados?!!! Duvido, com toda a força, a máxima
possível, do meu ceticismo!
A maioria dos meus mais de um mil poemas (alguns premiados em âmbito
nacional), foi “gerada” em meio ao burburinho, ao corre-corre, ao
alarido e vozerio de lugares públicos. Notem bem, esses textos foram
“concebidos” nessas circunstâncias, mas não “acabados”
assim. Se o fizesse, certamente estaria agindo de forma suicida em
relação à minha imagem e minha reputação.
É certo que já redigi poemas e mais poemas em bares, restaurantes,
churrascarias e até em estádios de futebol. Tenho uma gaveta
repleta desses rascunhos, à espera de criteriosa análise, cautelosa
revisão e meticulosos “remendos” e cortes, antes de dá-los por
concluídos. Aliás, em relação à poesia, nunca me deixo levar por
impulsos. Antes de dar qualquer poema por concluído, deixo seus
esboços por noventa dias ou mais na tal gaveta de espera.
Passado esse período, releio o que escrevi. Faço os necessários
reparos, com os devidos cortes (mais estes) e acréscimos (em menor
quantidade). Isso em relação ao que seja aproveitável. Setenta por
cento não é. E como procedo nesses casos? Simplesmente destruo
esses esboços, para não correr o risco de que “vazem” e
deponham contra mim, inclusive quando eu não estiver mais vivo.
Não posso, pois, dizer que meus poemas são “escritos” em meio à
multidão, ao vozerio, ao corre-corre, ao lufa-lufa ou seja lá o que
vocês queiram pensar. São, como a totalidade dos meus textos,
produzidos, de fato, isto é, na versão final com que os
“apresentarei” ao mundo, no mais rigoroso silêncio e não raro,
na absoluta, opressora, dolorosa e opressiva solidão.
E porque escrevo na primeira pessoa e apresento, a título de
exemplo, a minha experiência pessoal e não de alguém mais famoso
ou conhecido? Porque o escritor responsável e maduro não sai por aí
fazendo suposições. Assume suas ideias e as expõe do jeito que
elas são, nua e cruamente. Mas apega-se, fanaticamente, ao que
“conhece”, e nunca ao que apenas “imagina” (e alguns levam
essa imaginação a extremos) conhecer.
Como posso, amável leitor, falar de “seus” sentimentos,
alegrias, tristezas, expectativas, crenças, temores e
idiossincrasias se não os conheço? Só posso falar de mim e do meu
mundo. Estes me são familiares desde que me conheço por gente.
Já fui duramente criticado no “Comunique-se” por me dirigir aos
leitores quase sempre na primeira pessoa. Meus críticos (não sei
baseados no quê, a não ser em estúpidas e despropositadas
suposições, já que não me conhecem, pelo menos não tanto quanto
eu) viram nessa personalização sintoma inequívoco de arrogância.
Ora, ora, ora. Todo escritor que se preza assume o que escreve, a
menos que pretenda mostrar ao seu implacável juiz (o leitor) aquilo
que não é, nunca foi e nunca será.
Como se vê, é mais fácil se comunicar com um número, uma letra de
qualquer alfabeto, um animal irracional ou um objeto inanimado do que
com as pessoas (ou, pelo menos, boa parte delas). Há quem confunda
senso crítico com afoiteza em fazer juízo do que desconheça.
Encerro estas considerações com esta declaração de alguém que,
mesmo sem me conhecer (e o “desconhecimento pessoal” é
recíproco), me dá razão e fundamenta tudo o que escrevi. Trata-se
do escritor Paul Auster, que constatou, em um dos seus tantos textos:
“A literatura é essencialmente solidão. Escreve-se em solidão,
lê-se em solidão e, apesar de tudo, o ato de leitura permite
comunicação entre seres humanos”. E, acrescento: tão ampla, que
muitas pessoas que sequer nasceram ainda, algum dia (talvez um
milênio à frente), vão ler este desabafo, entendê-lo e, quem
sabe, até concordar comigo.
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