Over
the rainbow
Pedro
J. Bondaczuk
A
literatura tem forma peculiar de abordar fenômenos naturais, como
raios, trovões, arco-íris etc., e esta não tem, necessariamente, o
rigor científico. Aliás, nunca tem. Opta por uma base, digamos,
mais “democrática”: superstições, lendas, mitos e tradições
populares. É a literatura, ou melhor, são os seus praticantes que
não deixam que tais manifestações culturais morram na passagem das
gerações. É com essa matéria-prima que escritores de talento,
notadamente poetas (mas não raro também cronistas), elaboram textos
encantadores que, sem a secura e o rigor de teses científicas, se
tornam marcantes na vida dos leitores.
Tomemos,
por exemplo, o arco-íris, que vi, dia desses, após forte aguaceiro
aqui na cidade. Hoje em dia, até uma criança recém-alfabetizada
sabe que se trata de um fenômeno naturalíssimo, de caráter ótico,
mais especificamente, meteorológico. São as gotas de chuva
funcionando como prisma que decompõe a luz do sol em seu espectro.
Ou seja, nas sete cores que a compõem e que sem a decomposição não
conseguimos distinguir: vermelha, laranja, amarela, verde, azul,
índigo e violeta.
Todavia,
por muito, muitíssimo tempo, por séculos e até milênios, o
arco-íris foi visto sob outros olhares, não tão rigorosos ou, na
verdade, nem um pouco rigorosos. Quando criança, por exemplo, ouvi
os mais velhos dizerem que em suas extremidades havia potes de ouro
enterrados. Claro que isso foi dito por pessoas muito simples,
ingênuas, que diziam isso com tamanha convicção que se percebia
que acreditavam piamente nisso.
Há
muita gente que acredita nisso, a despeito da enxurrada de
informações e da variedade (e facilidade) dos meios para obtê-las.
Até hoje, desenhos animados repetem essa fantasia que não são
apenas as crianças que crêem, mas muitos marmanjos também.
Para
três religiões – cristianismo, islamismo e judaísmo – esse
arco luminoso e multicolorido tem, até hoje, conotação mística.
Seria o “selo” comprobatório do compromisso assumido por Deus
após o dilúvio de que jamais voltaria a destruir a Terra com
inundação como aquela. E ai de quem ousar contestar isso!
Há,
ainda, uma infinidade de crenças, de povos nos mais variados
estágios de civilização, envolvendo esse fenômeno ótico, que
pode, aliás, ser reproduzido por qualquer um em seu próprio jardim,
valendo-se de reles mangueira de água. Mas cada qual acredita no que
quer. E quando tais crenças estão muito arraigadas, de nada vale a
palavra de bom-senso do cientista. Vale mais a fantasia do poeta. Da
minha parte, sem ignorar a primeira, delicio-me com o encanto da
segunda. Dou asas à imaginação e saio à procura do meu pote de
ouro (no caso, a tal da felicidade), “over the rainbow”. Ou seja,
sob o arco-íris.
Pesquisei
textos e mais textos literários tendo como tema esse magnífico
fenômeno ótico. Encontrei um pouco de tudo. Tive acesso a contos,
novelas, a um ou outro romance e até a uma tese de pós-graduação.
Neste caso, é a de Eulício Farias de Lacerda, que ele defendeu
diante de uma banca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
intitulada “As filhas do Arco-Íris”. Aborda, sobretudo, mitos,
lendas e contos populares como elementos estruturantes do romance.
Crônicas,
a respeito, encontrei em profusão. Raros foram os cronistas de maior
prestígio que não citaram, em alguma ocasião, o arco-íris ou que
não se estenderam em considerações a esse respeito. Claro que o
gênero em que se explorou mais e melhor o assunto é a poesia.
Selecionei, entre centenas de poemas que li, três, para partilhar
com vocês. Não são de poetas muito conhecidos, mas são
excelentes.
O
primeiro é de Talia (pseudônimo com que a poetisa Vanda Paz assina
seus poemas), que compôs estes belíssimos versos, intitulados
“Arco-íris”:
“Salto
de risca em risca
num
novo arco-íris.
Perco-me
no azul,
solto
as minhas lágrimas,
salgadas/e
encho o mar.
Abraço
o violeta,
perco
a esperança,
não
chego ao verde…
Deixo
a angústia do amarelo
sufocar-me…
Perco
o sonho
quando
fico pelo roxo.
Sigo
a tristeza do anil…
Lembro-me
de ti
no
vermelho… e choro…”
Gostaram?
Eu também!
Outro
poema sobre o mesmo assunto é este, intitulado “Sonho de criança”,
de Úrsula Vairo Maia:
“Nas
cores
do arco-íris
eu
quero escorregar
cair
no centro da Terra
sobre
o magma surfar
sem
o perigo de me queimar.
Colher
estrelas-do-mar
em
cavalos marinhos cavalgar
Voar
na
companhia de mil passarinhos
escalar
montanhas e cruzar oceanos
construir
em árvores muitos ninhos
Brincar
de bambolê
com
os anéis de Saturno
pelo
universo dar um rolê
vagando
sem rumo
Quero
saltar sobre águas vivas gigantes
brincar
de pique-esconde
atrás
dos elefantes
Atravessar
nebulosas
colher
nos jardins do céu
lindas
rosas
rosas
que exalam
o
perfume da esperança
rosas
de cor branca
como
a pureza da criança”
Finalmente,
selecionei mais este poema, intitulado “Esta manhã”, de Leandro
Teixeira de Carvalho, para ilustrar a presença do arco-íris na
literatura, notadamente na poesia:
“Esta
manhã está para lembranças,
céu
de Monet,
palavras
de Shakespeare.
Está
para rostos felizes,
corações em
festa,
olhos
de paixão.
Esta
manhã está para a música dos pássaros,
voz
de criança,
esperança
guardada no espelho,
reflexos
de ontem.
Esta
manhã está para o perfume da vida,
arco-íris,
saudades
à flor da pele,
doces
horas que se foram.
Esta
manhã está para você,
braços
que envolvem,
bocas
que se tocam brincando de amor,
silêncio
de mãos que se perdem apaixonadas.
Esta
manhã está para a manhã do sol,
carícias
que relembram,
marcas
que ficaram,
dias
que não voltam mais”.
A
conversa está boa, mas agora vocês vão me dar licença, que vou
sair em busca de uma das extremidades daquele arco-íris que
vislumbro no horizonte – conhecido, também, pelos nomes de
arco-da-velha (daí essa expressão tão popular para se referir a
algo insólito), arco-celeste, arco-da-chuva e arco-da-aliança –
na tentativa de encontrar, se não um pote cheiinho de ouro (eu não
saberia o que fazer com esse metal), algo que, para mim, é mais
precioso e duradouro: a inspiração, a beleza e, por consequência,
a felicidade.
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