Vícios de sempre
Pedro J. Bondaczuk
A política brasileira, às
vésperas da terceira eleição direta para a Presidência da
República desde a redemocratização do País, segue apresentando os
mesmos vícios de antes do golpe militar de 1964. O sistema
partidário, salvo três ou quatro partidos com efetiva expressão, é
totalmente equivocado. As agremiações políticas, da forma como
estão estruturadas, não representam efetivamente correntes de
pensamento. Têm, é verdade, estatutos registrados na Justiça
eleitoral, mas nem mesmo a sua cúpula conhece a fundo o seu teor.
Tais regimentos não passam de mera formalidade legal.
A maioria dos partidos não é
mais do que um complexo conjunto de siglas, que confunde a opinião
pública e principalmente a população, sem significado filosófico.
Algumas, inclusive, são meramente de "aluguel" e até
leiloam legendas para eventuais candidatos (em geral sem preparo ou
expressão) aos cargos em disputa e que nada dizem ao eleitorado.
As campanhas, salvo raras
exceções, tratam o eleitor como idiota, embora o brasileiro, em sua
maioria, seja de fato despolitizado e não entenda o real significado
dessa nobre atividade, transformada entre nós em um oportunístico
jogo de interesses pessoais. Inúmeros candidatos ainda barganham
votos por promessas de empregos, por cestas básicas ou até por
bugigangas de menor valor, como se este ato de escolha não passasse
de mera mercadoria. A legislação coíbe essa prática, mas ela está
mais disseminada (diria arraigada) do que nunca.
A composição do Congresso,
das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, por outro
lado, está longe de refletir a realidade populacional das cidades,
dos Estados e do País. No plano federal, por exemplo, privilegia
unidades da Federação com pequena população, em detrimento
daquelas mais populosas, com problemas mais complexos, e que acabam,
invariavelmente, penalizadas na alocação de recursos, como ocorre
com São Paulo, que virtualmente sustenta o País, com retorno muito
aquém do que lhe seria cabível.
Os parlamentares eleitos, por
sua parte, não se sentem obrigados a prestar contas àqueles que
lhes confiaram a incumbência da representação. Isso seria
facilmente corrigido caso houvesse o voto distrital. Tal dispositivo
vem sendo prometido há anos, mas nunca saiu disso. Restringe-se a
promessas e nada mais.
Políticos trocam de partido a
toda a hora, confundindo a cabeça do eleitorado acerca das suas
reais tendências ideológicas, se é que tenham uma. E as distorções
sequer param por aí. O corporativismo impera entre os parlamentares,
que protegem verdadeiros delinquentes, afetando a credibilidade da
própria instituição aos olhos da população.
Alianças são barganhadas,
com grandes prejuízos ao erário público, na nefasta distorção do
princípio pregado por São Francisco de Assis, do "é dando que
se recebe", sem que nada ocorra aos infratores. Entre as
reformas de que o País precisa, com urgência, portanto,
provavelmente a que maior premência apresenta é a política.
É indispensável a existência
de um mecanismo que dificulte a criação de partidos sem nenhuma
significação, para que somente aqueles que de fato reflitam o
pensamento de uma quantidade expressiva de cidadãos continuem
existindo. Ademais, é preciso que haja uma regra rígida referente à
fidelidade partidária, com sanções contra os que não se revelarem
coerentes com aquilo que pregam, mas não executam.
O voto, por outro lado,
precisa ganhar "qualidade". Para isso, o comparecimento às
urnas deve ser opcional. Afinal, trata-se de um direito democrático
e jamais de uma obrigação. É uma prerrogativa que o eleitor pode
ou não exercer, de acordo com sua conveniência ou vontade.
Para que se conscientize da
relevância desse exercício de cidadania, o indivíduo deve ter
acesso ao máximo de informação. Precisa saber que seu voto pode
contribuir para a evolução ou o retrocesso da comunidade a que
pertence. Tem que ser cúmplice da organização administrativa do
País. Além disso, é mister que seja alertado para as consequências
de uma eventual omissão.
É assim que uma eleição
funciona em países com tradição democrática. Essa liberdade de
votar, ou deixar de fazê-lo, é, sobretudo, manifestação de
confiança no cidadão. É respeito à sua individualidade. É a base
da verdadeira democracia.
(Texto escrito em 27 de julho
de 1998 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).
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