Saturday, March 31, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Vícios de sempre


Vícios de sempre


Pedro J. Bondaczuk


A política brasileira, às vésperas da terceira eleição direta para a Presidência da República desde a redemocratização do País, segue apresentando os mesmos vícios de antes do golpe militar de 1964. O sistema partidário, salvo três ou quatro partidos com efetiva expressão, é totalmente equivocado. As agremiações políticas, da forma como estão estruturadas, não representam efetivamente correntes de pensamento. Têm, é verdade, estatutos registrados na Justiça eleitoral, mas nem mesmo a sua cúpula conhece a fundo o seu teor. Tais regimentos não passam de mera formalidade legal.

A maioria dos partidos não é mais do que um complexo conjunto de siglas, que confunde a opinião pública e principalmente a população, sem significado filosófico. Algumas, inclusive, são meramente de "aluguel" e até leiloam legendas para eventuais candidatos (em geral sem preparo ou expressão) aos cargos em disputa e que nada dizem ao eleitorado.

As campanhas, salvo raras exceções, tratam o eleitor como idiota, embora o brasileiro, em sua maioria, seja de fato despolitizado e não entenda o real significado dessa nobre atividade, transformada entre nós em um oportunístico jogo de interesses pessoais. Inúmeros candidatos ainda barganham votos por promessas de empregos, por cestas básicas ou até por bugigangas de menor valor, como se este ato de escolha não passasse de mera mercadoria. A legislação coíbe essa prática, mas ela está mais disseminada (diria arraigada) do que nunca.

A composição do Congresso, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, por outro lado, está longe de refletir a realidade populacional das cidades, dos Estados e do País. No plano federal, por exemplo, privilegia unidades da Federação com pequena população, em detrimento daquelas mais populosas, com problemas mais complexos, e que acabam, invariavelmente, penalizadas na alocação de recursos, como ocorre com São Paulo, que virtualmente sustenta o País, com retorno muito aquém do que lhe seria cabível.

Os parlamentares eleitos, por sua parte, não se sentem obrigados a prestar contas àqueles que lhes confiaram a incumbência da representação. Isso seria facilmente corrigido caso houvesse o voto distrital. Tal dispositivo vem sendo prometido há anos, mas nunca saiu disso. Restringe-se a promessas e nada mais.

Políticos trocam de partido a toda a hora, confundindo a cabeça do eleitorado acerca das suas reais tendências ideológicas, se é que tenham uma. E as distorções sequer param por aí. O corporativismo impera entre os parlamentares, que protegem verdadeiros delinquentes, afetando a credibilidade da própria instituição aos olhos da população.

Alianças são barganhadas, com grandes prejuízos ao erário público, na nefasta distorção do princípio pregado por São Francisco de Assis, do "é dando que se recebe", sem que nada ocorra aos infratores. Entre as reformas de que o País precisa, com urgência, portanto, provavelmente a que maior premência apresenta é a política.

É indispensável a existência de um mecanismo que dificulte a criação de partidos sem nenhuma significação, para que somente aqueles que de fato reflitam o pensamento de uma quantidade expressiva de cidadãos continuem existindo. Ademais, é preciso que haja uma regra rígida referente à fidelidade partidária, com sanções contra os que não se revelarem coerentes com aquilo que pregam, mas não executam.

O voto, por outro lado, precisa ganhar "qualidade". Para isso, o comparecimento às urnas deve ser opcional. Afinal, trata-se de um direito democrático e jamais de uma obrigação. É uma prerrogativa que o eleitor pode ou não exercer, de acordo com sua conveniência ou vontade.

Para que se conscientize da relevância desse exercício de cidadania, o indivíduo deve ter acesso ao máximo de informação. Precisa saber que seu voto pode contribuir para a evolução ou o retrocesso da comunidade a que pertence. Tem que ser cúmplice da organização administrativa do País. Além disso, é mister que seja alertado para as consequências de uma eventual omissão.

É assim que uma eleição funciona em países com tradição democrática. Essa liberdade de votar, ou deixar de fazê-lo, é, sobretudo, manifestação de confiança no cidadão. É respeito à sua individualidade. É a base da verdadeira democracia.

(Texto escrito em 27 de julho de 1998 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).



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