Essencial e detalhe
Pedro J. Bondaczuk
A definição do que é
essencial, em qualquer atividade, e sua distinção do que não passa
de mero detalhe, ou seja, daquilo que se não for observado não nos
causará maiores prejuízos (na maioria das vezes não causa nenhum),
é muito importante para o sucesso da nossa empreitada. Economiza
tempo e esforços e confere objetividade à nossa ação. Isso é
mais válido do que nunca na vida cotidiana. Ou seja, o saber, com
exatidão, o que não pode deixar de ser feito.
O poeta, filósofo e crítico
suíço do século XIX, Henri-Frédéric Amiel, lembra que “todos
nós somos em geral estorvados pelos mil e um empecilhos e deveres
que nos enrolam com seus fios de teia de aranha e agrilhoam os
movimentos de nossas asas”. Caso não consigamos superar
determinado obstáculo ou deixemos de cumprir alguma dessas
obrigações enfadonhas e quase sempre desnecessárias, nos
afligimos, como se o mundo fosse se acabar.
Assustamo-nos com abismos,
principalmente quando nos parece que caminhamos na direção deles e
nos dá a impressão que não há alternativas, que não existem
outros caminhos a trilhar. Em geral, contudo, salvo raras exceções,
nos equivocamos. Afligimo-nos por pouca coisa, à qual damos
dimensões que ela na verdade não tem. Identificamos o mero detalhe
como essencial, quando, em verdade, não passa do supérfluo, do mero
floreio, do incidental.
E se estivermos, de fato,
caminhando rumo a algum abismo, caso não detenhamos nossos passos, e
não busquemos, serenamente, soluções, despencaremos, sem dúvida,
no vazio e esse será o fim da nossa jornada (e talvez da nossa
vida). Será que não há alternativas? Não existem explicações
para nossas dúvidas, temores e contradições? Sempre há alguma.
E se não houver, se não
compreendermos o que nos aflige e atormenta, deixemos tudo por conta
da intuição, que nunca falha e do tempo, que tudo cura. Em geral,
após uma análise serena, concluímos que não é a essência que
nos aflige, mas são os detalhes. Descobrimos que o abismo não é
tão fundo e sequer é o fim do caminho. E que, para superá-lo, não
precisamos nos lançar, desesperadamente, nele. O sensato, prudente e
sábio é contorná-lo, mesmo que a caminhada se torne mais longa.
O poeta Mauro Sampaio nos dá
indicações de como proceder nestes casos. Antes, peço licença ao
leitor para abrir um parêntese e falar desse inspirado escritor.
Tenho recebido algumas críticas (que reputo injustas e descabidas)
pela minha insistência em recorrer tão amiúde aos seus versos em
boa parte dos meus textos. E por que o faço? Por dois motivos
básicos: um objetivo e outro subjetivo.
A primeira razão (a objetiva)
é que Mauro foi ótimo poeta que, no entanto, ganhou pouca
visibilidade pública, se atentarmos para a qualidade superior da sua
obra. Mereceria muito maior divulgação e, sobretudo, reverência.
Quem perde com essa omissão é, evidentemente, o amante de
literatura e, sobretudo, o de poesia.
O motivo subjetivo é que esse
escritor tão criativo, e homem de suprema generosidade, foi meu
amigo até a sua morte. Tenho orgulho dessa amizade que tanto me
enriqueceu e ilustrou. Ganhei dele todos os livros que publicou (e
foram muitos) e quanto mais leio o que escreveu, mais pasmo fico com
a falta de visão dos críticos literários e dos editores de artes
dos grandes jornais e revistas do País. Ademais, Mauro foi a pessoa
que me convenceu a me candidatar a uma vaga na Academia Campinense de
Letras, que então presidia. E foi graças à sua inegável
influência que fui eleito, em 1992, por unanimidade.
O poeta nos ensina, a
propósito do assunto em tela, nos versos do poema “Justificar-me”:
“Tanta compreensão que não
compreende nada,
que o melhor
é a não explicação de
explicação alguma.
É sentar-se à beira de um
abismo
e vê-lo como o caminho
natural para a planície!”.
E não é?
Espantamo-nos, e não tenho
razões para afirmar que esse espanto não seja sincero, com a
vileza, cupidez, egoísmo, violência e corrupção de alguns e com a
nobreza, altruísmo, perspicácia e santidade de outros, sem
atentarmos que temos as mesmíssimas características de ambos.
Somos misto do animal
mesquinho e desprezível com toques da divindade. Alguns conseguem
domar os maus instintos e se tornar nobres e dignos de imitação.
Mas as características de maldade não desaparecem. Estão vivas e
latentes, posto que dominadas. O potencial de bondade, justiça e
transcendência também estão presentes.
O essencial, no caso, é a
vontade de sermos bons, generosos e construtivos. Tudo o mais... são
detalhes, meros detalhes, que podem ou não nos servir de subsídios,
ou de obstáculos, mas que não são determinantes do sucesso ou do
fracasso.
Amiel recomenda, no texto
citado, extraído de um dos seus célebres ensaios: “A
fim de simplificar seus deveres, seus negócios e sua vida, um homem
deve saber separar o que é essencial do detalhe em que isso vem
envolto, porque nem tudo pode ser considerado da mesma forma. É a
falta de ordem que nos torna escravos, a confusão de hoje reduz a
liberdade de amanhã”.
Organização e método são
essenciais. Não podemos ser bagunçados nem com as coisas e muito
menos com pensamentos. Afinal, não conheço ninguém que tenha
prazer em abrir mão de sua liberdade e submeter-se à escravidão de
deveres que não são (e jamais deveriam ser) da nossa competência e
responsabilidade. E são tantos!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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