Afinidades
literárias
Pedro J. Bondaczuk
Um judicioso (como tudo o que ele escreve) e generoso comentário do
escritor Urariano Mota, feito, há já alguns anos, a determinado
texto que escrevi, a propósito de leitura, merece considerações
mais extensas da minha parte, pelo tanto de verdade que contém.
Aliás, por falar nesse brilhante “escriba” (permita-me chamá-lo,
carinhosamente, dessa forma, caro mestre), aconselho que vocês
comprem, leiam, recomendem e deem de presente seus livros “Soledad
no Recife”, “Os corações futuristas”, “O filho renegado de
Deus”, “Dicionário amoroso de Recife” e “A mais longa
juventude”. Tenho absoluta certeza que vocês irão me agradecer
por essa dica.
Mas, voltando ao assunto, Urariano observou, no aludido comentário:
“há um outro fenômeno na leitura talvez mais poderoso: é o que
fica guardado lá no mais íntimo do espírito, e não nos demos
conta”. É verdade. Determinados conceitos e até formas de
expressão de nossos escritores favoritos são captados pelo
subconsciente e, quando nos damos conta, emergem ao consciente, não
raro literalmente. E por que isso acontece? Entendo que ocorra em
virtude da afinidade que descobrimos ter com tais autores.
Isso reforça ainda mais minha tese de que “leitura é ato de fé”.
Absorvemos dela as ideias, conceitos, valores, experiências etc. que
de alguma forma nos dizem respeito. Urariano ainda completa seu
brilhante comentário com uma experiência pessoal: “Na releitura
de ‘O Som e a Fúria’ estou percebendo isso. Da minha primeira
leitura ficaram coisas de que eu não me dava conta, coisas tais que
‘aproveitei’ em textos que eu julgava fossem apenas meus,
absolutamente originais”, escreve.
Como boa parte dos meus leitores é constituída por escritores e
estudantes de letras (embora nem todos sejam nem uma coisa e nem
outra), são válidas e sumamente úteis as experiências de quem é
do ramo. Queiram ou não (possivelmente até de forma inconsciente)
elas certamente os irão orientar, de alguma maneira, no momento em
que estiverem redigindo seus respectivos textos.
Por isso, sem nenhum receio de ser mal interpretado, confesso, sem o
menor pudor, que tenho esse tipo de afinidade, basicamente, com
quatro escritores: Jorge Luís Borges (e quem é meu leitor assíduo
certamente já notou isso), Henry David Thoreau, Johann Wolfgang von
Goethe e Ralph Waldo Emerson.
Claro que não escrevo igual a nenhum deles e nem poderia. Os quatro
são gênios, enquanto eu não passo de escritor comum, como há
milhões mundo afora, talvez um pouquinho mais esforçado do que a
média, certamente com índice de leitura maior do que a maioria (e
perdoem a falta de modéstia) e um redator compulsivo (não seria
obsessivo?). Estou, contudo, há anos-luz da genialidade.
Minha afinidade com esses monstros sagrados da literatura também não
está no estilo (os deles são absolutamente apurados, enquanto que o
meu é coloquial, embora muitos me acusem de ser demasiadamente
erudito). E muito menos está na originalidade. Está, isto sim, no
enfoque, na visão de vida, na defesa da absoluta liberdade (posto
que com responsabilidade) do homem (embora nenhum deles admitisse
jamais que fosse anarquista, mas eu admito que sou).
Não raro, pilho-me abordando, da minha maneira canhestra, em algum
ensaio (60% da minha produção literária são desse gênero),
conceitos abordados com perícia e genialidade por estes grandes
mestres, sem sequer me dar conta. Quando alertado por leitores,
todavia, tenho o cuidado de escrever novo texto dando o devido
crédito ao autor de fato, ao original, da abordagem, embora as
formas sejam rigorosamente diferentes: as dos quatro gênios citados
sempre genial e a minha cheia de furos e ambiguidades (como seria de
se esperar, lógico).
É bom que se frise que, tanto no caso citado pelo Urariano, quanto
no meu, não se trata de nenhum plágio. E mesmo que eu quisesse
plagiar esses “monstros sagrados” (o que jamais faria em
circunstância nenhuma), minha competência não chegaria a tanto.
Trata-se de reverência, de respeito intelectual, de gratidão por
eles terem existido e sido o que foram e, sobretudo, de afinidade
(literária e espiritual). Reputo isso como bênção! É fruto,
reitero, de um “ato de fé”.
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