Wednesday, March 28, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Viciados em crise


Viciados em crise



Pedro J. Bondaczuk


O Brasil é um país que se habituou tanto com as crises políticas que, quando não há nenhuma em andamento (fato raríssimo), as pessoas ficam inquietas, achando que alguém esteja maquinando alguma de graves proporções. De repente, como que para satisfazer a essa expectativa, um fato irrelevante qualquer acaba ganhando desmedidas proporções. E a turbulência é restabelecida.

Instala-se nova crise. Isso é mau? Depende do aspecto que se encare. Em princípio, trata-se de um comportamento natural em países democráticos. Crises são a essência da democracia. É nesse tipo de sistema que pessoas, em seu nome ou de grupos, têm direito, liberdade e espaço para expressar opiniões ou contraditar as alheias.

Uma sociedade livremente organizada dispõe de mecanismos para administrar essas situações. Isso é válido para países onde haja um mínimo de justiça social e igualdade de oportunidades para todos. Não no nosso. Seria o Brasil uma democracia? Por mais otimistas que possamos ser em relação ao futuro brasileiro, não se pode garantir isso.

Há uma minoria privilegiada ditando regras e manipulando o destino de uma enorme massa de miseráveis e de desesperados. Cada crise que ocorre, real ou intencionalmente provocada a partir de episódios tolos, sem nenhum desdobramento prático, dá pretexto a uma série de ações movidas por poderosos e que acabam penalizando os indefesos. Apenas a eles.

Foi o que ocorreu com o pretenso lançamento, por parte do presidente Itamar Franco, da candidatura do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, à Presidência. Houve, no caso, distorções --- por precipitação, mau entendimento ou de forma deliberada --- de uma entrevista.

Em momento algum do referido depoimento do governante, dado em Juiz de Fora, se disse que o atual mentor da política econômica sairia como candidato. Pelo contrário! Bastou, porém, esta interpretação, dada por algum editor afoito ou comentarista político "mais realista do que o rei", para que águas aparentemente tranquilas se tornassem (artificialmente) turvas.

Parlamentares logo insinuaram que poderiam derrubar o Fundo Social de Emergência em segunda votação no Congresso para "não dar corda" ao ministro. Estava instalada mais uma crise, o "vício" das nossas elites.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de fevereiro de 1994).

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