Luta
entre a memória e o esquecimento
Pedro
J. Bondaczuk
Dia
desses, um dos meus amigos mais diletos, espécie de confidente e
confessor simultaneamente, perguntou-me, de repetente, após eu lhe
mostrar parte do meu acervo de textos, aquele que produzi antes do
advento do computador e que venho, pacientemente, digitando há já
alguns anos e registrando na memória eletrônica de meu PC: “Por
que você escreve tanto, Pedrão?”. Pego de surpresa, já que
ninguém antes havia me feito esse questionamento (e nem eu havia
pensado nisso), respondi: “Por que? Ora, porque! Porque gosto!!!”.
Em
seguida, no entanto, me questionei: “gosto tanto mesmo? Caso não
vivesse de texto e escrever não fosse meu ganha pão, eu escreveria
tanto assim? Ou sequer escreveria?”. Tenho lá minhas dúvidas. No
momento, não soube responder com honestidade e franqueza para mim
mesmo, e muito menos para o amigo curioso.
Gosto,
é verdade, desse exercício de tecer pensamentos juntando letrinhas.
Mas escrevo sempre com prazer? Sinceramente, não! Há momentos em
que isso me é pesado fardo e que, se não tivesse compromissos a
cumprir, não escreveria. Trocaria meu espartano gabinete de trabalho
– do qual retirei até os quadros de alguns artistas plásticos
prediletos das paredes, para não me distrair – por um passeio sem
hora de começar e nem de acabar num bosque florido, ou à beira de
algum lago ou rio. Ou por assistir um jogo da minha Ponte Preta no
Estádio Moisés Lucarelli e livrar-me das tensões, gritando mil
impropérios contra o árbitro (mesmo que ele não errasse contra
minha Macaca) e os gols do meu time a plenos pulmões, até ficar
rouco. Ou por uma ida ao teatro, para assistir a uma peça, de
preferência cômica, ou a uma ópera, ou a um concerto sinfônico.
Há tanta coisa a fazer mais prazerosa do que juntar letrinhas para
formar palavras, orações, períodos, parágrafos e vai por aí
afora!!!
Há,
é claro, momentos em que o texto me proporciona imenso prazer. Isso
ocorre quando tenho liberdade de escrever o que, quando e como
quiser. Em que ninguém me encomende crônicas e principalmente não
fique me telefonando a toda a hora, cobrando a entrega. Em que algum
editor chato não fique me limitando o número de linhas ou a
quantidade de palavras (por isso, gosto de editar meus próprios
textos. Quando outro os edita, sinto-me violentado e tolhido em minha
liberdade intelectual).
Poucos
escritores são sinceros ao falarem sobre o exercício da escrita.
Nove entre dez afirmam (sem nem ficarem vermelhos): “Adoro
escrever! É a minha vida, meu maior prazer! E blá-bla-blá;
bla-bla-blá e bla-bla-blá”. Balela! Pois... quando você vai
verificar o que já escreveram e quantas horas do dia (caso não
escrevam para viver) dedicam a esse exercício, pega-os direitinho na
mentira.
Milan
Kundera, um dos escritores mais bem-sucedidos da atualidade (no meu
entender, já merece há anos um Nobel de Literatura), desabafou,
pela boca de um personagem, no romance “O livro do riso e do
esquecimento”: “Nós escrevemos livros porque nossos filhos se
desinteressam de nós. Nós nos dirigimos ao mundo anônimo porque
nossa mulher tapa os ouvidos quando falamos com ela”.
No
meu caso, isso não deixa de ter um fundo de verdade, embora os
motivos de eu escrever tanto serem diversos, como a necessidade de
ganhar o pão nosso de cada dia, o desejo de partilhar pensamentos e
sentimentos, a tentação de incensar minha vaidade, etc. etc.etc. E
põe etc. nisso! Todavia, esta verdade de Kundera não é “toda”
a minha verdade.
Em
alguns dias e/ou circunstâncias, de fato escrevo como num desabafo,
por não ter a quem dizer o que estou pensando e sentindo de viva
voz. Seria bem mais simples e prático e me exigiria mínimo esforço.
Não faria, por exemplo, volumes de cópias impressas na impressora e
nem pilhas de anotações em papeluchos de todos os tamanhos . Meu
desabafo entraria por um ouvido do interlocutor, sairia por outro e
tudo ficaria por aí. Perder-se-ia no ar.
Os
filhos têm sua própria vida e só se lembram do velho pai em datas
festivas, como aniversário (deles ou meu), Páscoa, Natal e Ano Novo
etc. E olhem lá! Tudo bem. Não os geramos e educamos mesmo para
nosso deleite, mas “para o mundo”. Só que isso não precisava
ser tão literal assim, não é mesmo?.
Quanto
à mulher... nem todos são casados com alguma que aprecie literatura
(a bem da verdade, raríssimos o são). E mesmo as que gostam de ler
e escrever, dificilmente terão o mesmo gosto nosso. Talvez não
tapem, literalmente, os ouvidos quando falarmos, mas educadamente
fingirão nos ouvir, quando na verdade não nos ouvirão ou não
atentarão para o que falarmos. Perceberemos isso apenas se ou quando
lhes fizermos uma pergunta qualquer a que elas, distraidamente,
dirão: “Han???” Será a prova cabal de que não ouviram um
tiquinho sequer do que lhes dissemos.
É
provável, viu amigão que me fez a embaraçosa pergunta, que eu
escreva tanto principalmente numa tentativa desesperada de não ser
esquecido, após cumprir meu ciclo cá na Terra. Não sei se esta é
a estratégia mais adequada (temo que não). Lutamos a vida toda
contra a morte (embora saibamos que em vão), contra a indiferença e
contra um montão de outras coisas, mas, sobretudo, contra o poder. O
acaso e as circunstâncias, porém, é que irão determinar se serei
ou não lembrado mais adiante. Encerro estas considerações com as
palavras de Milan Kundera, no livro que citei acima: “A luta do
homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”.
Oxalá a memória vença!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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