Ideais de civismo
Pedro J. Bondaczuk
O País completa, amanhã (21
de abril de 1986), o primeiro ano sem Tancredo Neves, e bastante
modificado em relação à data da sua morte. Agora, respiram-se ares
de confiança e tranquilidade, depois que foi amainada a maior crise
econômica e social pela qual nossa sociedade já passou ao longo da
sua história.
Há, até mesmo, uma certa
euforia nacional, passado o impacto da implantação do “Plano
Inflação Zero”, que, no primeiro mês que esteve em vigor,
superou as mais otimistas expectativas e registrou um fato até então
inédito no Brasil: a “deflação” ou “desinflação”, como o
presidente José Sarney preferiu caracterizar a queda geral dos
preços.
O governo está, até mesmo,
pisando nos freios, para impedir que a economia cresça muito além
do que estava previsto, tamanha vem sendo a confiança depositada
pelos investidores na atual conjuntura. Tancredo, para infelicidade
nossa e sua, não pôde, evidentemente, ver nada disso. Ou seja, foi
um semeador, impedido pelas circunstâncias de testemunhar a
germinação das ideias e propostas que semeou.
Muito daquilo de bom que está
acontecendo hoje (se não tudo) se deve à sua ação judiciosa e
conciliadora. Deve ser creditado à sua ilimitada confiança na
criatividade e no vigor do nosso povo. Afinal, o presidente eleito
(mas nunca empossado) manifestou, em inúmeras ocasiões, que nós
mesmos é que temos que assumir a tarefa de construir a sociedade
ideal, com a qual sonhamos, sem esperar nenhuma ajuda externa que,
ademais, sempre que concedida, vem acompanhada, invariavelmente, da
exigência de alguma concessão intolerável.
Nesta oportunidade, também é
lícito e justo lembrar dessa outra figura, que ficou um tanto
esquecida nestes 365 dias que nos separam da perda de um dos nossos
maiores líderes políticos. Refiro-me a uma dama que, pelo seu
comportamento comedido, digno e sereno, num momento de dor – quando
viu definhar, diante de seus olhos o companheiro e amigo de toda uma
vida – conquistou o respeito, a admiração e o amor dos
brasileiros: Dona Risoleta Neves.
Anteontem, essa corajosa
mulher foi alvo de justíssima homenagem, prestada pela Assembleia
Legislativa de Minas Gerais. Na oportunidade, mal contendo a emoção
ao expressar-se publicamente, em entrevista à imprensa, não
conseguiu dissimular a saudade de Tancredo Neves. Fez isso, porém,
da mesma forma que nós fizemos, consciente ou inconsciente, ao longo
deste um ano sem a sua presença. Ou seja, consolando-se com as
lições de vida e de bom-senso que esse notável líder nos deixou.
Não fosse a visão política,
o espírito público e a maleabilidade de Tancredo Neves,
dificilmente teríamos feito essa delicada travessia de uma
prolongada e perversa ditadura, de duas décadas de duração, para
uma democracia plena, e de modo tão pacífico e tranquilo. O País
atravessou, incólume, um período que escondia imensos riscos e
grandes angústias.
Destaque-se que, sem a
presença desse lúcido líder, não haveria nenhuma Aliança
Democrática, por exemplo, para garantir o advento da Nova República.
E, certamente, a população experimentaria nova frustração,
semelhante, senão maior, do que a que teve em 24 de abril de 1984,
quando a emenda que restituía nosso direito de eleger, diretamente,
nas urnas, o nosso presidente, foi sepultada, numa jornada nada
louvável de alguns congressistas.
É evidente que todos os
méritos, daquilo que de positivo aconteceu no País, nos últimos
365 dias, têm que ser creditados ao presidente José Sarney. Mas não
se pode deixar de ter em mente que quem confiou no seu tirocínio,
quando a maioria não confiava nele, e quem o escolheu como
companheiro de chapa, na última eleição presidencial indireta,
realizada no colégio eleitoral, foi Tancredo Neves.
Quem desarmou os espíritos e
pregou a convivência pacífica e harmoniosa entre pessoas e grupos
com pensamentos desiguais e muitos deles antagônicos foi esse
ilustre mineiro. Quem repudiou os confrontos e a utilização das
mesquinhas armas da intolerância e da inócua revanche, foi esse
liberal, na mais exata acepção do termo. Quem balizou o caminho da
transição, que desembocou na aprovação da Assembleia Nacional
Constituinte, também foi ele. E a instalação desta, sem dúvida,
será uma rara oportunidade dos brasileiros construírem,
consensualmente, as instituições que desejam, com a elaboração de
uma Constituição moderna, justa, cidadã e que consolide os anseios
da maioria.
A importância histórica de
Tancredo Neves, doravante, com certeza, crescerá de ano para ano, à
medida em que os ideais que apregoou em praça pública, em inúmeros
discursos e entrevistas, forem sendo concretizados. Certamente, o
serão.
Quis a fatalidade que não
fosse ele o executor do que planejou. Mas o destino, muitas vezes
caprichoso e aparentemente ilógico, colocou o homem certo, na hora e
local adequados, na figura do seu sucessor: o presidente José
Sarney.
Todavia, o grande mérito
dessa virada nacional, dessa volta por cima que o Brasil está dando,
é, de fato, de todos nós, gente do povo, que tivemos a
sensibilidade e o bom-senso de reconhecer o líder adequado, no
instante em que ele se colocou diante de nós.
Fomos nós, cidadãos, que
transformamos o nosso desencanto e angústia, de um ano atrás, em
ânimo para realizar esta gigantesca tarefa de reconstrução
nacional em andamento, que está muito longe de terminar, pois está,
ainda, apenas no princípio.
Fomos nós que restauramos
aquele tênue fio de esperança, que nem mesmo atinávamos que
existisse dentro de nós (tão escondido e dissimulado estava, para
se proteger de tantos e enormes golpes da adversidade) e o
transformamos em confiança, motor das grandes realizações.
(Artigo publicado na página
17, Nacional, do Correio Popular, em 20 de abril de 1986).
No comments:
Post a Comment