Tuesday, March 20, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Tormentas de outubro


Tormentas de outubro



Pedro J. Bondaczuk


O mês de outubro parece ter sido destinado às tragédias, neste ano. Algumas, como a morte do deputado Ulysses Guimarães, foram ditadas pelo acaso. Outras, como o massacre na Casa de Detenção de São Paulo, ou como a rebelião na unidade da Febem do Tatuapé, também na Capital, ocorreram por falhas humanas e, principalmente, pela inadequação do nosso sistema social, ainda perverso, imperfeito, discriminador e um tanto cínico.

Tanto acontecimento negativo fez com que muita gente sequer se desse conta da passagem do primeiro mês de aprovação, pela Câmara dos Deputados, da abertura do processo de impeachment contra o presidente afastado, Fernando Collor, com seu consequente afastamento do cargo.

O vice em exercício, Itamar Franco, embora com amplo respaldo parlamentar, apesar de ter externado boas intenções, foi como que tomado por inexplicável paralisia. Sugestões para deter a crise econômica e minorar o sofrimento de milhões de “descamisados” foram feitas às dezenas. Mas de prático, de efetivo, de algo que tenda a devolver a esperança a esse povo que a tem como autêntica profissão de fé (mas que se acha desesperançado diante do quadro atual), nada se fez. Até a escolha do novo ministério se deu com uma enervante lentidão, embora se faça um desconto neste caso, diante da necessidade de se costurarem acordos políticos com as mais diversas facções e tendências.

A pergunta que certamente Itamar deve estar se fazendo é: como dar aos cidadãos aquilo que eles esperam do seu governo? O que fazer para administrar os conflitos inerentes a uma sociedade democrática? Como satisfazer os interesses conflitantes e ficar bem com todos?

Em primeiro lugar, esta última premissa é impossível de ser satisfeita. O deputado Delfum Netto costuma fazer uma citação que, embora óbvia, até mesmo acaciana, é esquecida por muitos. “Para que alguém ganhe algo, sempre haverá quem saia perdendo em contrapartida”, afirma o parlamentar.

O deputado mineiro, que brilhantemente atuou na vida pública em fins do século passado, Carneiro Leão, dá a receita correta para um governante atender aos interesses nacionais, ao preceituar: “Para dar à Nação o que ela pretende, basta obedecer à Constituição”.

Uma ação tão simples, no entanto, nem sempre é executada (para não dizer quase nunca). As cartas constitucionais brasileiras (e com a atual, o País já teve oito delas) têm sido deixadas de lado exatamente por aqueles que, juram se tornar seus guardiões.

Outro político famoso, Teófilo Otoni, foi mais longe ao aclarar o espírito da nossa lei maior. Afirmou: “São direitos inalienáveis, imprescritíveis e sagrados: a liberdade, a segurança, a propriedade e a resistência à opressão”.

Tais prerrogativas, e todas simultaneamente, nunca podem ser suprimidas dos cidadãos, sob pena de se criar, no lugar de uma nação, um caótico acampamento de refugiados, onde a lei das selvas, com o mais forte oprimindo e escravizando o mais fraco, passando a imperar. Uma sociedade dessas não tem condições sequer de falar em futuro.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de outubro de 1992)



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