Inteligência,
consciência e vontade
Pedro J. Bondaczuk
A inteligência – termo que, por definição, expressa a capacidade
de entendimento de situações e ideias – é, sem dúvida, fator
importante para o sucesso, notadamente em atividades que dependam do
raciocínio. Mas é fundamental? Entendo que não. Facilita, sem
dúvida, as coisas, mas não é nenhuma garantia que a pessoa que
seja privilegiada, nesse aspecto, com um QI fenomenal, terá êxito
no que quer que seja, apenas por isso.
Requer-se, também, consciência e, sobretudo, vontade. Posso, por
exemplo, entender melhor do que a maioria o que me cerca e, por isso,
“cortar caminho” para que determinado empreendimento chegue a bom
termo. Todavia, esse entendimento excepcional pouco, ou nada me
valerá se eu não estiver consciente do que precisarei fazer para
que o resultado almejado seja obtido. E, principalmente, se não
tiver vontade de agir para sua colimação, se me omitir e se deixar
para terceiros tarefas que são exclusivamente minhas. Há pessoas
inteligentíssimas, mas que agem assim. Vivem como parasitas e, além
de inúteis, são perniciosas.
Não podemos, pois, nos fiar, apenas, na inteligência. Nem mesmo
para tentarmos concretizar nossos sonhos e projetos estritamente
pessoais. Para essa concretização não dependemos, apenas, dos
nossos recursos, mas de uma infinidade de pessoas que nos cercam e
com as quais, de alguma forma, convivemos. Reitero que a inteligência
ajuda, e muito, mas sozinha é inerme e não nos leva a lugar algum.
Precisa do auxílio de uma série de sentimentos e virtudes que a
impulsionem e a façam efetiva.
Por exemplo, precisamos ter fé em nossas possibilidades. Se
iniciarmos algum empreendimento, sem acreditarmos no seu sucesso, é
melhor que sequer venhamos a despender energias. Ele estará,
liminarmente, fadado ao fracasso, a despeito do nosso privilegiado
QI. Outra emoção valiosa é a esperança (tema de que tratei em
recente reflexão), desde que, observo, respaldada por ações. Se
nada esperarmos da vida, senão seu complemento, a morte, já
estaremos espiritualmente mortos, mesmo que isso não nos seja
aparente.
O escritor francês, Roger Gard, escreveu a respeito: “A
inteligência só conduz à inação. É a fé que dá ao homem o
ímpeto indispensável para agir e o entendimento para perseverar”.
Notem que o ilustre pensador não defendeu a burrice (e nem eu a
defendo, óbvio) como forma de obter o sucesso em nossos
empreendimentos. Longe disso! Apenas ressaltou que a inteligência
sozinha, ou seja, sem o respaldo de outras virtudes, é impotente
para promover o êxito que tanto almejamos.
Conheço muitos "doutores" que acumularam em suas mentes e
são capazes de reproduzir na ponta da língua um volume enorme de
informações e que no entanto não dispõem de clarividência, de
intuição, de criatividade. Em resumo, não sabem o que fazer com
tantos dados e observações. Muitos desses sujeitos notoriamente
inteligentes são uns fracassados e vivem lançando a culpa dos seus
fracassos nos outros, ou nas circunstâncias, ou inventando mil e uma
desculpas. São frustrados, amargos, derrotistas, ácidos críticos
dos lutadores e empreendedores, embora contem com capacidade ímpar
de entendimento. Só não sabem o que fazer com ela.
No outro extremo, convivo com pessoas de pouca ou nenhuma leitura.
Algumas, até mesmo, são absolutamente analfabetas. Há quem as
considere, por causa disso, “pouco inteligentes”. Contudo, são
das tais de quem se diz que "enxergam longe". Sabem como
aproveitar o pouco que conhecem e aproveitam muito bem.
As primeiras, embora gozem, em determinado momento da sua vida, de
fama, de prestígio e de privilegiada posição social, são apenas
“informadas”. Talvez sejam, até mesmo, inteligentes. Mas não
são conscientes e não têm vontade de agir, por isso, não agem. E,
mais cedo ou mais tarde, fracassam. Já as segundas, tratadas, muitas
vezes, com menosprezo e até de forma desrespeitosa, por seu baixo
nível de informação, são mais do que inteligentes, são “sábias”.
Inteligência e sabedoria, como demonstrei num texto recente (aqui
mesmo neste espaço) são conceitos bastante distintos.
A consciência é o conhecimento objetivo de tudo o que nos cerca e
das informações que recebemos de várias fontes, internas ou
externas. Ou seja, é o "saber que sabemos que sabemos".
Parece estranho dizer dessa forma, mas é isso mesmo. Há sensações,
reflexões, emoções que integram o nosso patrimônio cultural, mas
que ficam escondidas em um dos substratos da nossa mente, no chamado
subconsciente. Subitamente, por alguma razão que desconhecemos,
emergem, afloram, brotam ao consciente, em geral nos momentos de
maior necessidade. Por isso é que se diz, e com razão, que o homem
ignora seu verdadeiro potencial..
A consciência é uma faculdade maravilhosa (fundamento da razão),
mas pode e precisa ser cultivada e desenvolvida. A melhor forma de
exercer esse cultivo é através da meditação: sobre o concreto ou
abstrato, sobre o trivial ou o transcendental, sobre a vida ou a
morte. Uma das leis da natureza é que o exercício continuado e
disciplinado de qualquer órgão ou de todo o organismo desenvolve as
aptidões (físicas e mentais), enquanto a falta de uso as atrofia.
O filósofo norte-americano Will Durant comentou, em um de seus
livros: "Considere-se a consciência. Que misteriosa faculdade é
esta que nos faz cientes do que estamos fazendo, ou do que fizemos,
ou do que pretendemos fazer? Que percebe o conflito das nossas
próprias ideias e por meio de umas critica outras? Que imagina
possíveis reações e prevê resultados prováveis? Que, depois de
pacientemente analisada uma situação, a atende com os recursos do
pensamento e do desejo coordenados num sentido criador?".
Somos, em princípio, senhores da nossa trajetória no mundo. Ocorre
que muitos abrem mão dessa prerrogativa, por não saberem fazer uso
da inteligência de que são dotados. Não têm vontade de fazer uso
adequado dessa capacidade. Permitem que ela se atrofie, se esclerose,
beire a necrose.
Há quem ache, erroneamente, que o poeta seja um alienado, que não
se preocupa com a realidade do dia a dia, na busca do seu ideal de
grandeza, de solidariedade e de beleza e que, por isso, faça mau uso
da inteligência. Grande engano! Esses sujeitos, que exsudam ideais
por todos os poros, colocam a força da sua inteligência no empenho
por construir um mundo melhor. São intelectuais participativos, que
não se escondem numa torre de marfim, como injusta e equivocadamente
são acusados de fazer.
O poeta (há exceções, claro) não se conforma, passiva e
bovinamente, com o que ocorre ao seu redor. Empenha-se por mudanças.
Atua em seu meio e faz tudo o que estiver ao seu alcance para mudar o
mundo para melhor, quer por palavras (arma que sabe brandir como
ninguém), quer por ações. Crente no potencial de bondade das
pessoas, busca a valorização dessa virtude como forma de modificar
a realidade.
Alexandre Herculano constatou, através de um de seus personagens:
“...A inteligência do poeta precisa viver num mundo mais amplo do
que esse a que a sociedade traçou tão mesquinhos limites”. Busca,
pois, extrapolar a realidade, mas sem fugir dela. Apenas não se
limita a ela. Seu empenho é o de modificá-la para melhor, pois crê
na possibilidade de tornar concreto o mundo que idealiza. Isso é o
que classifico de inteligência que, aliada à consciência e à
vontade de agir, faz as vezes de “alavanca”, capaz, como
constatou Arquimedes, de mover o mundo.
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