Wednesday, May 09, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - A cidadania em teste


A cidadania em teste


Pedro J. Bondaczuk


O novo Código de Trânsito Brasileiro, que entrou em vigor na quinta-feira, assim como a recém implantada lei de doação de órgãos para transplantes, que torna todos os que não manifestarem intenção em contrário doadores presumidos, são verdadeiros testes de cidadania, em um país jovem, que faz seu aprendizado, de forma sofrida, de cidadania e civilização.

Ambos conjuntos de normas legais provocaram polêmica, o que é sempre saudável, e algumas resistências em faixas expressivas da população, desacostumadas à disciplina. E isso é compreensível. Tudo o que é novo, em especial quando se refere a obrigações, causa natural insegurança e esperada oposição.

O tema da doação de órgãos, por exemplo, depois de explicações pertinentes e serenas de especialistas, começa a ser assimilado e vai desaparecendo do noticiário. É fato consumado. Se a nova lei vai funcionar ou não é coisa para se conferir no futuro.

Quanto ao código de trânsito, vai demorar muito --- se é que algum dia isso irá acontecer --- para que a totalidade dos motoristas se conscientize da sua necessidade e passe, em vez de oferecer infantis resistências, a emprestar inteira colaboração para que de fato funcione. E para que, sobretudo, seja um instrumento eficaz para reduzir (já que é impossível acabar) o absurdo número de vítimas de acidentes nas avenidas (em geral esburacadas) das grandes cidades e nas rodovias (não menos deterioradas) de todo o País.

As imperfeições devem ser apontadas sim, mas não no sentido de inviabilizar a nova legislação, porém de promover seu aperfeiçoamento. Não se trata de uma lei "contra" quem quer que seja (a não ser contra os contumazes assassinos do volante), mas a favor de todos. Merece, antes de tudo, crédito de confiança e irrestrita colaboração. Qualquer um, entre os opositores ferrenhos das novas normas de trânsito, está sujeito a se tornar vítima de um motorista imprudente, negligente ou imperito. Ou de algum bêbado ou drogado. Ou dos que fazem os malfadados rachas, expondo a própria vida e a de terceiros a riscos.

O acatamento ao novo código, em Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília, etc., no primeiro dia de sua vigência, foi decepcionante. Maus hábitos e práticas nocivas não se mudam da noite para o dia.

Praticamente todos os seus principais artigos foram violados, por conta da impunidade que tem prevalecido entre nós, conforme mostraram os meios de comunicação ontem. Houve até quem desacatasse autoridade perante as câmeras de uma rede nacional de televisão, para todo o País testemunhar.

Nos dias subsequentes, a maioria dos brasileiros, inteirada da validade da lei, certamente vai colaborar, não infringindo as normas e exigindo a punição dos infratores. Mas os políticos devem dar o exemplo. Jornais publicaram, ontem, fotos em primeira página, mostrando senadores e deputados em seus carros sem o uso do cinto de segurança, infringindo, portanto, a lei. É lamentável.

Os pontos obscuros do novo código serão esclarecidos com o tempo, os inviáveis serão modificados (ou pelo menos devem ser) e as omissões serão reparadas. Mas tudo isso somente vai acontecer mediante decidida ação da população. O verdadeiro exercício da cidadania consiste em contribuir para a manutenção da ordem e da segurança na comunidade e na exigência de que a lei, de fato, seja igual para todos, sem admitir privilégios ou exceções.

(Editorial número um publicado na página 2 do Correio Popular em 24 de janeiro de 1998).



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