A cidadania em teste
Pedro J. Bondaczuk
O novo Código de Trânsito
Brasileiro, que entrou em vigor na quinta-feira, assim como a recém
implantada lei de doação de órgãos para transplantes, que torna
todos os que não manifestarem intenção em contrário doadores
presumidos, são verdadeiros testes de cidadania, em um país jovem,
que faz seu aprendizado, de forma sofrida, de cidadania e
civilização.
Ambos conjuntos de normas
legais provocaram polêmica, o que é sempre saudável, e algumas
resistências em faixas expressivas da população, desacostumadas à
disciplina. E isso é compreensível. Tudo o que é novo, em especial
quando se refere a obrigações, causa natural insegurança e
esperada oposição.
O tema da doação de órgãos,
por exemplo, depois de explicações pertinentes e serenas de
especialistas, começa a ser assimilado e vai desaparecendo do
noticiário. É fato consumado. Se a nova lei vai funcionar ou não é
coisa para se conferir no futuro.
Quanto ao código de trânsito,
vai demorar muito --- se é que algum dia isso irá acontecer ---
para que a totalidade dos motoristas se conscientize da sua
necessidade e passe, em vez de oferecer infantis resistências, a
emprestar inteira colaboração para que de fato funcione. E para
que, sobretudo, seja um instrumento eficaz para reduzir (já que é
impossível acabar) o absurdo número de vítimas de acidentes nas
avenidas (em geral esburacadas) das grandes cidades e nas rodovias
(não menos deterioradas) de todo o País.
As imperfeições devem ser
apontadas sim, mas não no sentido de inviabilizar a nova legislação,
porém de promover seu aperfeiçoamento. Não se trata de uma lei
"contra" quem quer que seja (a não ser contra os
contumazes assassinos do volante), mas a favor de todos. Merece,
antes de tudo, crédito de confiança e irrestrita colaboração.
Qualquer um, entre os opositores ferrenhos das novas normas de
trânsito, está sujeito a se tornar vítima de um motorista
imprudente, negligente ou imperito. Ou de algum bêbado ou drogado.
Ou dos que fazem os malfadados rachas, expondo a própria vida e a de
terceiros a riscos.
O acatamento ao novo código,
em Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília, etc.,
no primeiro dia de sua vigência, foi decepcionante. Maus hábitos e
práticas nocivas não se mudam da noite para o dia.
Praticamente todos os seus
principais artigos foram violados, por conta da impunidade que tem
prevalecido entre nós, conforme mostraram os meios de comunicação
ontem. Houve até quem desacatasse autoridade perante as câmeras de
uma rede nacional de televisão, para todo o País testemunhar.
Nos dias subsequentes, a
maioria dos brasileiros, inteirada da validade da lei, certamente vai
colaborar, não infringindo as normas e exigindo a punição dos
infratores. Mas os políticos devem dar o exemplo. Jornais
publicaram, ontem, fotos em primeira página, mostrando senadores e
deputados em seus carros sem o uso do cinto de segurança,
infringindo, portanto, a lei. É lamentável.
Os pontos obscuros do novo
código serão esclarecidos com o tempo, os inviáveis serão
modificados (ou pelo menos devem ser) e as omissões serão
reparadas. Mas tudo isso somente vai acontecer mediante decidida ação
da população. O verdadeiro exercício da cidadania consiste em
contribuir para a manutenção da ordem e da segurança na comunidade
e na exigência de que a lei, de fato, seja igual para todos, sem
admitir privilégios ou exceções.
(Editorial número um
publicado na página 2 do Correio Popular em 24 de janeiro de 1998).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment