Thursday, May 03, 2018

CRÔNICA DO DIA - Carência afetiva


Carência afetiva


Pedro J. Bondaczuk



A carência afetiva é uma das sensações mais universais que existem, atingindo todas as classes sociais, de todos os lugares, posto que com duração e intensidade variáveis, de acordo com as circunstâncias e as características psicológicas de cada um. Varia desde a desconfiança de se ser menos amado do que gostaríamos, até a percepção de ser mal amado, ou não amado ou, no extremo, ignorado ou, pior, odiado. Para quem se sente assim, ou seja, para o carente de afeto e de atenção, esse é um sentimento horrível. Para nós, escritores, todavia, é virtualmente o cerne de toda literatura, foco das nossas análises e atenções.
Exagero? Nem tanto! Basta ler, por exemplo, um poema com olhar analítico. Via de regra o poeta queixa-se, em versos ora líricos, ora irônicos, ora amargos (mesmo que apenas nas entrelinhas), de um amor que não prosperou, de alguma traição que sofreu, do menosprezo do objeto amado e vai por aí afora.
Relacionamentos sadios e bem-sucedidos não fornecem base para boa literatura. Há, até, uma letra do cancioneiro popular brasileiro, consagrada pelo cantor Nelson Gonçalves, que diz, em determinado trecho, que o poeta “só é grande se sofrer”. E esse sofrimento a que se refere é o da tal carência afetiva.
Em romances, contos, novelas, peças teatrais e enredos de filmes, é essa condição, mesmo quando não explicitada pelo autor, que está subjacente da primeira à última linha dessas produções e que está por trás dos dramas, comédias, tragédias e circunstâncias que compõem a aventura humana narrada pelo escritor.
Não há quem nunca não tenha se sentido carente de afeto, mesmo que não admita ou sequer identifique essa sensação. São raras as pessoas, por exemplo, que em alguma fase da vida, em geral na adolescência, nunca tiveram alguma paixão “impossível” (ou que caracterizaram dessa forma) e não se frustraram por não lograr a conquista do objeto desse amor (quase sempre platônico). Há exceções? Talvez sim! Não posso assegurar. É impossível de saber.
Conhecemos (e isso quando conhecemos) apenas o que se passa em nossa própria mente e até isso se constitui em conhecimento apenas parcial. Muita coisa que nos aflige e incomoda está restrita ao inconsciente e subconsciente, sem que, portanto, sequer saibamos, embora não deixemos de sentir.
Claro que o tema é vastíssimo e complexo. Esclareço que não é minha intenção me aprofundar nele. Até porque, não sou psicólogo e muito menos psiquiatra. A minha visão do problema é a do escritor, atento a tudo e a todos, para fazer farta colheita da matéria-prima virgem das minhas produções. Só posso tratar do que testemunho sob as lentes aguçadas da observação; do que tomo conhecimento mediante a leitura e do que ouço nos desabafos dos carentes que alugam, amiúde, o meu ouvido.
Ouço, volta e meia, que a carência afetiva é maior na atualidade e quem afirma isso justifica dizendo que nós, desta geração e desta estação do tempo, somos mais egoístas, egocêntricos e indiferentes ao próximo do que nossos antepassados. Discordo. Ouso dizer, até mesmo, que estamos em vantagem em relação às pessoas que viveram em séculos anteriores, quer dos mais próximos, quer dos remotíssimos. Aqueles não contavam, por exemplo, com os espetaculares recursos de comunicação (computador, internet, celular etc.etc.etc.) que contamos.
A possibilidade de contatarmos pessoas que estão, não raro, um continente inteiro distantes de nós, que provavelmente jamais iremos encontrar algum dia, supre, em boa parte, nossas carências afetivas. Vejam o caso das redes sociais, como o Facebook e outras tantas menos conhecidas, em que formamos vastos círculos de “amigos”. Há quem conteste este tipo de amizade, entendendo que sequer mereça tal caracterização. Discordo. Há, de fato, muitos desclassificados, desajustados e mentecaptos que buscam se valer da carência dos incautos para aplicarem golpes de todos os tipos usando esse recurso. Esses idiotas e tarados sempre existiram, com e sem a internet.
Houve caso, se não me falha a memória há dez anos, em Montes Claros, em que uma “fera” doida e sanguinária assassinou uma senhora que acreditou em sua manifestação de amizade e afeto. Esse triste episódio não foi o primeiro, nem o único e provavelmente não será o último, infelizmente. Mas esses celerados arrumariam sempre um jeito de praticar suas estripulias e atrocidades com ou sem a internet e as redes sociais. Estamos todos sujeitos ao azar de cruzar nossos caminhos com o de gente desse tipo, em geral com consequências desastrosas, quando não trágicas.
Tomando as cautelas mínimas de praxe, participo, com inegável prazer, sempre que tenho algum tempo, dessas redes sociais. Prezo muito essas amizades virtuais. Enquanto não tenha motivo sequer ditado pela intuição para desconfianças, confio, sem reservas, nesses amigos, da mesma forma que confio nos que frequentam a minha casa, por exemplo (selecionados a dedo e que, ainda assim, não raro, me decepcionam).
O tema é muito amplo e minha intenção não foi, em momento algum, a de esgotá-lo, mas somente a de fornecer um gancho para a sua reflexão, leitor amigo. É provável que eu volte ao assunto se e quando julgar oportuno.

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