Carência
afetiva
Pedro
J. Bondaczuk
A
carência afetiva é uma das sensações mais universais que existem,
atingindo todas as classes sociais, de todos os lugares, posto que
com duração e intensidade variáveis, de acordo com as
circunstâncias e as características psicológicas de cada um. Varia
desde a desconfiança de se ser menos amado do que gostaríamos, até
a percepção de ser mal amado, ou não amado ou, no extremo,
ignorado ou, pior, odiado. Para quem se sente assim, ou seja, para
o carente de afeto e de atenção, esse é um sentimento horrível.
Para nós, escritores, todavia, é virtualmente o cerne de toda
literatura, foco das nossas análises e atenções.
Exagero?
Nem tanto! Basta ler, por exemplo, um poema com olhar analítico. Via
de regra o poeta queixa-se, em versos ora líricos, ora irônicos,
ora amargos (mesmo que apenas nas entrelinhas), de um amor que não
prosperou, de alguma traição que sofreu, do menosprezo do objeto
amado e vai por aí afora.
Relacionamentos
sadios e bem-sucedidos não fornecem base para boa literatura. Há,
até, uma letra do cancioneiro popular brasileiro, consagrada pelo
cantor Nelson Gonçalves, que diz, em determinado trecho, que o poeta
“só é grande se sofrer”. E esse sofrimento a que se refere é o
da tal carência afetiva.
Em
romances, contos, novelas, peças teatrais e enredos de filmes, é
essa condição, mesmo quando não explicitada pelo autor, que está
subjacente da primeira à última linha dessas produções e que está
por trás dos dramas, comédias, tragédias e circunstâncias que
compõem a aventura humana narrada pelo escritor.
Não
há quem nunca não tenha se sentido carente de afeto, mesmo que não
admita ou sequer identifique essa sensação. São raras as pessoas,
por exemplo, que em alguma fase da vida, em geral na adolescência,
nunca tiveram alguma paixão “impossível” (ou que caracterizaram
dessa forma) e não se frustraram por não lograr a conquista do
objeto desse amor (quase sempre platônico). Há exceções? Talvez
sim! Não posso assegurar. É impossível de saber.
Conhecemos
(e isso quando conhecemos) apenas o que se passa em nossa própria
mente e até isso se constitui em conhecimento apenas parcial. Muita
coisa que nos aflige e incomoda está restrita ao inconsciente e
subconsciente, sem que, portanto, sequer saibamos, embora não
deixemos de sentir.
Claro
que o tema é vastíssimo e complexo. Esclareço que não é minha
intenção me aprofundar nele. Até porque, não sou psicólogo e
muito menos psiquiatra. A minha visão do problema é a do escritor,
atento a tudo e a todos, para fazer farta colheita da matéria-prima
virgem das minhas produções. Só posso tratar do que testemunho sob
as lentes aguçadas da observação; do que tomo conhecimento
mediante a leitura e do que ouço nos desabafos dos carentes que
alugam, amiúde, o meu ouvido.
Ouço,
volta e meia, que a carência afetiva é maior na atualidade e quem
afirma isso justifica dizendo que nós, desta geração e desta
estação do tempo, somos mais egoístas, egocêntricos e
indiferentes ao próximo do que nossos antepassados. Discordo. Ouso
dizer, até mesmo, que estamos em vantagem em relação às pessoas
que viveram em séculos anteriores, quer dos mais próximos, quer dos
remotíssimos. Aqueles não contavam, por exemplo, com os
espetaculares recursos de comunicação (computador, internet,
celular etc.etc.etc.) que contamos.
A
possibilidade de contatarmos pessoas que estão, não raro, um
continente inteiro distantes de nós, que provavelmente jamais iremos
encontrar algum dia, supre, em boa parte, nossas carências afetivas.
Vejam o caso das redes sociais, como o Facebook e outras tantas menos
conhecidas, em que formamos vastos círculos de “amigos”. Há
quem conteste este tipo de amizade, entendendo que sequer mereça tal
caracterização. Discordo. Há, de fato, muitos desclassificados,
desajustados e mentecaptos que buscam se valer da carência dos
incautos para aplicarem golpes de todos os tipos usando esse recurso.
Esses idiotas e tarados sempre existiram, com e sem a internet.
Houve
caso, se não me falha a memória há dez anos, em Montes Claros, em
que uma “fera” doida e sanguinária assassinou uma senhora que
acreditou em sua manifestação de amizade e afeto. Esse triste
episódio não foi o primeiro, nem o único e provavelmente não será
o último, infelizmente. Mas esses celerados arrumariam sempre um
jeito de praticar suas estripulias e atrocidades com ou sem a
internet e as redes sociais. Estamos todos sujeitos ao azar de cruzar
nossos caminhos com o de gente desse tipo, em geral com consequências
desastrosas, quando não trágicas.
Tomando
as cautelas mínimas de praxe, participo, com inegável prazer,
sempre que tenho algum tempo, dessas redes sociais. Prezo muito essas
amizades virtuais. Enquanto não tenha motivo sequer ditado pela
intuição para desconfianças, confio, sem reservas, nesses amigos,
da mesma forma que confio nos que frequentam a minha casa, por
exemplo (selecionados a dedo e que, ainda assim, não raro, me
decepcionam).
O
tema é muito amplo e minha intenção não foi, em momento algum, a
de esgotá-lo, mas somente a de fornecer um gancho para a sua
reflexão, leitor amigo. É provável que eu volte ao assunto se e
quando julgar oportuno.
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