O
remédio é acreditar
Pedro J.
Bondaczuk
A grandeza do universo me embevece, assusta, não
raro até me aterroriza, mas fascina. Como ser racional, procuro
entendê-lo. Em vão! Como escritor, tento racionalizá-lo e
explicá-lo. Outro fracasso. Na impossibilidade natural de
entendê-lo, limito-me a acreditar que as aparências sejam, de fato,
o que aparentam ser. E as explicações que tento dar têm como
alicerce essa crença. Neste caso, entre o “saber” e o “crer”,
sou forçado a me curvar a este último verbo. Por exemplo, acredito
que o homem simula, em sua constituição orgânica, o próprio
universo. Tudo leva-me a crer nisso. Comprovar? De que jeito?
Resta-me acreditar, posto que com um mínimo de lógica.
O homem, em sua constituição orgânica, é
regido pelas mesmas leis e princípios naturais que regem tudo o que
há: satélites, planetas, estrelas, constelações, galáxias,
buracos negros etc.etc.etc. Só que, ao contrário destes, tem, em
suas células, bilhões e bilhões de vidas independentes. É
constituído por sistemas vivos que nascem, crescem, reproduzem-se e
morrem constantemente. Leva, pois, vantagens, sobre todos esses
astros, que são mera matéria, no meu entender.
Já escrevi inúmeras vezes, mas não custa
reiterar que, “a cada dia somos outros e no entanto somos os
mesmos”. Continuamos vivendo. Esse quê de imaterial que
caracteriza a vida passa das células moribundas para as
recém-nascidas, num processo que só termina quando o indivíduo (no
caso, nós), como um todo, morre. E para onde vai de fato essa chama
que nos anima após a falência total e irreversível do organismo?
Saber, mas saber mesmo, ninguém sabe. E nem
explica. Especulações, teorias e doutrinas há muitas, todas
carentes de comprovação. Na ausência de explicação racional e
incontestável, multidões recorrem ao expediente da fé. E eu
também. Não se trata de crença cega, dogmática, que nunca
contesta. Não a minha, pelo menos. Duvido, contesto, discuto e ponho
em dúvida esses princípios a todo o momento. Nem por isso deixo de
ter fé. Embora não “saiba” se eles são mesmo assim, mesmo que
minimamente, creio que sejam.
A fé é a “irmã gêmea” da
esperança. É a irresistível mola propulsora das grandes
realizações. É a crença absoluta e irrestrita no que,
aparentemente, é impossível, ilógico, irracional e irrealizável.
Essa confiança sem limites, de que vamos atingir determinada meta,
que a razão nos diz ser inatingível, mobiliza poderosas forças em
nosso interior, que sequer desconfiamos que temos.
Chega a ser redundante a afirmação
de que “a fé remove montanhas”, já que a experiência nos
mostra que remove mesmo. Muitas já foram removidas e outras tantas
ainda o serão. Se você não acredita no sucesso de alguma
empreitada – a de escrever um livro, por exemplo – nem a comece.
Se começar, redundará, quase que com certeza, em fracasso.
A fé, todavia, é muito mais
poderosa do que a esperança pois, enquanto esta é passiva, e se
caracteriza – como a própria raiz da palavra indica – pela
“espera”, tem como característica a ação. O fiel acredita que,
agindo, chegará ao sucesso que tanto busca. E chega mesmo.
Rabindranath Tagore observou: “A fé é ave que canta quando o sol
ainda não raiou”. Ou seja, é a certeza de que, haja o que houver,
ele irá, de fato, raiar, daí a antecipação em saudá-lo.
Por isso, quem tem fé, nunca dá
batalhas por perdidas, por mais que pareça que não haja mais
salvação. Por mais escura que seja a noite, acredita que logo
haverá muita luz para guiar seus passos, com segurança e firmeza,
rumo aos seus objetivos. Quando tudo parece irremediavelmente
perdido, crê, sem titubear um só instante, numa reversão de
expectativas e não duvida, em momento algum, do sucesso.
E, por acreditar de forma tão
absoluta na superação dos obstáculos, via de regra quem é munido
de fé tende a reverter situações aparentemente irreversíveis e a
alcançar, de fato, a pretendida vitória. Com fé, tudo podemos, até
mesmo conseguimos remover montanhas de angústias e de incertezas. O
seu oposto é a dúvida permanente e irremissível.
O ceticismo – ou seja, total descrença em tudo
e em todos – ao lado da solidão, é uma das características
marcantes deste início de milênio. Conheço muitos e muitos céticos
que, embora neguem que o sejam, suas atitudes os desmentem e delatam.
Em paralelo, claro, há os que têm fé irrestrita, mística,
extremada até, em tudo o que entendem que seja a “sua” verdade,
não importa sua natureza, se religiosa, social, ideológica ou
qualquer outra.
Como os extremos se tocam, ambas as atitudes,
levadas ao ponto máximo, são equivocadas. O ceticismo extremado
conduz as pessoas ao desencanto, à desconfiança patológica e às
neuroses. A fé cega, sem questionamentos ou base minimamente lógica,
leva, via de regra, quem age dessa maneira, à estreiteza mental, ao
dogmatismo, ao fanatismo e ao erro. A atitude sensata (e sábia), é
cultivar valores testados e aprovados ao longo tempo, é estudá-los
em profundidade, para dar-lhes sólida fundamentação e é buscar
disseminá-los na sociedade, não os impondo, contudo, a ninguém.
John Updike, no romance “O Encontro”, constata
que “não há bondade sem fé”. E prossegue: “Sem fé, todos os
atos são apenas ocupações. E se não teve fé, no fim da vida
saberá então que enterrou todas as suas possibilidades no solo
deste mundo e que já nada lhe resta para levar para o outro”.
Isto, se acreditar em um outro, no que os céticos não creem. Por
isso, não contam com base para a esperança.
Suas vidas são áridas, vazias, sem sentido. Mas
o argumento mais sólido para que acreditemos em alguém, ou em algo
(mesmo que de forma instintiva), é dado por Will Durant, em seu
clássico “Filosofia da Vida”. Num determinado trecho, o
filósofo analisa a “naturalidade” e a falta dela das duas
posturas. E conclui: “A crença é um fenômeno natural. Vem
diretamente das nossas necessidades emotivas – da fome de
autoconservação, da sede de recompensa, de companhia, de segurança
e até do pendor pela submissão”.
Uma das melhores definições que
já li sobre fé, curiosamente, não foi feita por nenhum teólogo
nem qualquer filósofo. Foi a do romancista australiano Morris West,
sobre o qual escrevi recentemente. No seu livro “O Advogado do
Diabo”, o escritor indaga: “Que é a fé?”. E a seguir
responde: “ É um ato inspirado de vontade que constitui a nossa
única resposta ao terrível mistério de se saber de onde viemos e
para onde vamos”. Fé é exatamente isso: acreditar, sem
restrições, no incrível. O mais não passa de filosofia barata, de
tentativa vã de explicar o inexplicável.
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