Thursday, May 24, 2018

CRÔNICA DO DIA - Mudança de opinião


Mudança de opinião


Pedro J. Bondaczuk

Podem me prender, podem me bater
podem até deixar-me sem comer
que eu não mudo de opinião”.


Quem, da minha geração (ou da próxima dela) não se lembra desse famoso refrão do samba “Opinião”, consagrado na voz de Nara Leão em fins dos anos 60? Essa composição, da dupla Zé Keti e João do Vale, inspirou um show do mesmo nome, lá pelos idos de 1968, desse trio, que hoje é histórico, por simbolizar um desafio corajoso e explícito dos artistas à ditadura militar, que então completava quatro anos, com o endurecimento do regime caracterizado por inúmeras prisões, torturas, “desaparecimento de pessoas” etc.
Embora a letra do samba não manifestasse, explicitamente, repúdio à tirania que desgraçou e atrasou o desenvolvimento do País, os que viram o espetáculo entenderam bem a mensagem. O samba tinha a seguinte sequência:


Daqui do morro eu não saio não,
daqui do morro eu não saio não



Se não tem água, eu furo um poço,
se não tem carne, eu compro um osso
e ponho na sopa
e deixo andar, deixo andar.



Fale de mim quem quiser falar
aqui eu não pago aluguel
se eu morrer amanhã, seu doutor
estou pertinho do céu.



Podem me prender, podem me bater
podem até deixar-me sem comer
que eu não mudo de opinião.
Daqui do morro eu não saio não,
daqui do morro eu não saio não”.


Como se nota, a letra não tinha, aparentemente, qualquer conotação política. A única parte que sugeria, mas remotamente, que se destinava a desafiar a ditadura, era a que falava de prisão e de tortura (bater e deixar sem comer). Foi um samba tão bem feito, que a censura não teve como proibi-lo. Mas era, claro, um libelo direto e corajoso contra a ditadura.
A parte que me chama a atenção, porém, é a que insiste que o personagem da composição “não muda de opinião” nem sob a mais braba das coações. Coagido, também não mudo. Mas será que é uma atitude sensata e inteligente não mudar nunca nossos conceitos sobre o que quer que seja em quaisquer circunstâncias? Não, não e não. Se tivermos uma opinião errada e nos provarem isso com argumentos sólidos e, principalmente, com provas concretas e inquestionáveis, a manutenção de posição de intransigência será imensa estupidez. Os prejudicados seremos somente nós e mais ninguém.
Quantas vezes você já não ouviu, observador leitor, alguém dizer que “não dá o braço a torcer”, se referindo a não mudar, em hipótese alguma, seu pensamento? Ouço isso praticamente todos os dias. Esta, porém, é uma atitude de quem se recusa a aprender. É a dos dogmáticos, que preferem a posição cômoda de não ter que pensar para se limitar acompanhar a correnteza, a maré, mesmo que essas sejam explicitamente equivocadas.
Eu mudo, e bastante, de opinião. Claro que há condições para isso. Primeiro, precisam provar-me que aquilo que penso é muito errado. Mas têm que fazer isso com argumentos e com respeito, em alto nível. E antes que pensem mal de mim, vou logo adiantando que não sou aquilo que o vulgo classifica de “maria vai com as outras”, que a cada instante tem uma opinião diferente, de acordo com as circunstâncias e quem me conteste. Não é bem assim. Tenho posições firmadas, frutos de muito raciocínio, estudo, aplicação da lógica e comprovação. Admito, todavia, que posso estar errado em alguma coisa (ou muita coisa, sei lá). E se alguém me provar, sem sombra de dúvidas, que de fato estou, não titubeio em ser esclarecido. E mudo, gostosamente, de opinião.
É verdade que há pontos em que não mudo jamais. E não se trata de nenhum dogma e de nada sequer racional. E qual é um deles? Bem, no que se refere a sentimentos, notadamente às paixões, procuro ser fiel ao máximo. Quando me apaixonei por minha mulher, por exemplo, não tive dúvidas e ninguém precisou me provar nada. Nunca lhe pedi a menor prova de reciprocidade ou fidelidade. Nosso relacionamento sempre se deu na base da mútua confiança. E mesmo que ela me decepcione (no que não acredito) jamais deixarei de amá-la. No caso dela, pois, de fato não mudo de opinião. Afinal, nunca mudei em quase meio século de companhia e não seria agora que agiria assim.
Querem outro exemplo? A torcida pelo clube de futebol que é minha paixão. Nunca escondi de ninguém o que sinto pela Ponte Preta. E esse apego não tem rigorosamente nada de racional. Vejam só, essa entidade tem 117 anos de existência (vai completar 118), é a mais velha, das que praticam futebol, em atividade no País e, no entanto... Jamais foi campeã de coisíssima alguma, nem mesmo da segunda divisão. É verdade que em sete oportunidades chegou perto, passou raspando, conquistando sete vice-campeonatos (um deles da Copa Sul-Americana) que, para a imensa maioria dos amantes do futebol não valem nada. Para mim, porém, valeram.
Por que, então, torço para esse time, que não ganha nada, se há tantos que acumulam títulos em cima de títulos, para os quais poderia torcer impunemente e me vangloriar do seu sucesso? Porque se trata de paixão, que é irracional e, portanto, não exige e nem comporta explicações ou justificativas. Mas quando se trata de opinião com base no raciocínio exato, lógico e frio, não tenho a menor vergonha de mudar, desde que satisfeitas as condições que já citei. Ou seja, que me provem, sem nenhuma margem à dúvida, que estou errado. Que façam isso dialeticamente, respeitando minha dignidade e sobretudo inteligência. E que não haja a menor coação, nem física, nem afetiva, nem psicológica e nem intelectual.


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