Mudança
de opinião
Pedro
J. Bondaczuk
“Podem
me prender, podem me bater
podem
até deixar-me sem comer
que
eu não mudo de opinião”.
Quem,
da minha geração (ou da próxima dela) não se lembra desse famoso
refrão do samba “Opinião”, consagrado na voz de Nara Leão em
fins dos anos 60? Essa composição, da dupla Zé Keti e João do
Vale, inspirou um show do mesmo nome, lá pelos idos de 1968, desse
trio, que hoje é histórico, por simbolizar um desafio corajoso e
explícito dos artistas à ditadura militar, que então completava
quatro anos, com o endurecimento do regime caracterizado por inúmeras
prisões, torturas, “desaparecimento de pessoas” etc.
Embora
a letra do samba não manifestasse, explicitamente, repúdio à
tirania que desgraçou e atrasou o desenvolvimento do País, os que
viram o espetáculo entenderam bem a mensagem. O samba tinha a
seguinte sequência:
“Daqui
do morro eu não saio não,
daqui
do morro eu não saio não
Se
não tem água, eu furo um poço,
se
não tem carne, eu compro um osso
e
ponho na sopa
e
deixo andar, deixo andar.
Fale
de mim quem quiser falar
aqui
eu não pago aluguel
se
eu morrer amanhã, seu doutor
estou
pertinho do céu.
Podem
me prender, podem me bater
podem
até deixar-me sem comer
que
eu não mudo de opinião.
Daqui
do morro eu não saio não,
daqui
do morro eu não saio não”.
Como
se nota, a letra não tinha, aparentemente, qualquer conotação
política. A única parte que sugeria, mas remotamente, que se
destinava a desafiar a ditadura, era a que falava de prisão e de
tortura (bater e deixar sem comer). Foi um samba tão bem feito, que
a censura não teve como proibi-lo. Mas era, claro, um libelo direto
e corajoso contra a ditadura.
A
parte que me chama a atenção, porém, é a que insiste que o
personagem da composição “não muda de opinião” nem sob a mais
braba das coações. Coagido, também não mudo. Mas será que é uma
atitude sensata e inteligente não mudar nunca nossos conceitos sobre
o que quer que seja em quaisquer circunstâncias? Não, não e não.
Se tivermos uma opinião errada e nos provarem isso com argumentos
sólidos e, principalmente, com provas concretas e inquestionáveis,
a manutenção de posição de intransigência será imensa
estupidez. Os prejudicados seremos somente nós e mais ninguém.
Quantas
vezes você já não ouviu, observador leitor, alguém dizer que “não
dá o braço a torcer”, se referindo a não mudar, em hipótese
alguma, seu pensamento? Ouço isso praticamente todos os dias. Esta,
porém, é uma atitude de quem se recusa a aprender. É a dos
dogmáticos, que preferem a posição cômoda de não ter que pensar
para se limitar acompanhar a correnteza, a maré, mesmo que essas
sejam explicitamente equivocadas.
Eu
mudo, e bastante, de opinião. Claro que há condições para isso.
Primeiro, precisam provar-me que aquilo que penso é muito errado.
Mas têm que fazer isso com argumentos e com respeito, em alto nível.
E antes que pensem mal de mim, vou logo adiantando que não sou
aquilo que o vulgo classifica de “maria vai com as outras”, que a
cada instante tem uma opinião diferente, de acordo com as
circunstâncias e quem me conteste. Não é bem assim. Tenho posições
firmadas, frutos de muito raciocínio, estudo, aplicação da lógica
e comprovação. Admito, todavia, que posso estar errado em alguma
coisa (ou muita coisa, sei lá). E se alguém me provar, sem sombra
de dúvidas, que de fato estou, não titubeio em ser esclarecido. E
mudo, gostosamente, de opinião.
É
verdade que há pontos em que não mudo jamais. E não se trata de
nenhum dogma e de nada sequer racional. E qual é um deles? Bem, no
que se refere a sentimentos, notadamente às paixões, procuro ser
fiel ao máximo. Quando me apaixonei por minha mulher, por exemplo,
não tive dúvidas e ninguém precisou me provar nada. Nunca lhe pedi
a menor prova de reciprocidade ou fidelidade. Nosso relacionamento
sempre se deu na base da mútua confiança. E mesmo que ela me
decepcione (no que não acredito) jamais deixarei de amá-la. No caso
dela, pois, de fato não mudo de opinião. Afinal, nunca mudei em
quase meio século de companhia e não seria agora que agiria assim.
Querem
outro exemplo? A torcida pelo clube de futebol que é minha paixão.
Nunca escondi de ninguém o que sinto pela Ponte Preta. E esse apego
não tem rigorosamente nada de racional. Vejam só, essa entidade tem
117 anos de existência (vai completar 118), é a mais velha, das que
praticam futebol, em atividade no País e, no entanto... Jamais foi
campeã de coisíssima alguma, nem mesmo da segunda divisão. É
verdade que em sete oportunidades chegou perto, passou raspando,
conquistando sete vice-campeonatos (um deles da Copa Sul-Americana)
que, para a imensa maioria dos amantes do futebol não valem nada.
Para mim, porém, valeram.
Por
que, então, torço para esse time, que não ganha nada, se há
tantos que acumulam títulos em cima de títulos, para os quais
poderia torcer impunemente e me vangloriar do seu sucesso? Porque se
trata de paixão, que é irracional e, portanto, não exige e nem
comporta explicações ou justificativas. Mas quando se trata de
opinião com base no raciocínio exato, lógico e frio, não tenho a
menor vergonha de mudar, desde que satisfeitas as condições que já
citei. Ou seja, que me provem, sem nenhuma margem à dúvida, que
estou errado. Que façam isso dialeticamente, respeitando minha
dignidade e sobretudo inteligência. E que não haja a menor coação,
nem física, nem afetiva, nem psicológica e nem intelectual.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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