Caminhos e caminhantes
Pedro J. Bondaczuk
Gostaria que todas as pessoas fossem iguais, pelo menos no que
considero essencial, ou seja, em posses, direitos e aptidões.
Evidentemente, não são. Há desníveis profundíssimos e absurdos
entre a minoria privilegiada (e nunca consegui entender a razão
desse privilégio) e a maioria que vegeta na miséria, sem ter, nem
ao menos, o que comer. “É a realidade”, dizem os cínicos e os
omissos, do alto da sua arrogância e burrice.
Há, é verdade, uma niveladora implacável que, mais cedo ou mais
tarde, iguala a todos no mesmíssimo destino: a morte. Tentam, porém,
estabelecer diferenças até aí. Os que gozaram de todas as regalias
possíveis e imagináveis são sepultados com pompas e
circunstâncias, em mausoléus caríssimos, que são verdadeiros
palácios para os indigentes.
Já estes... Não raro, não têm sequer sepultura. Às vezes têm os
corpos doados para estudos em faculdades de Medicina. Ou quando são
enterrados, o são em alguma gaveta provisória nos cemitérios que
as têm ou em covas rasas, logo esquecidas onde ficam e de quem são.
Todavia, não importa. Tanto os milionários quanto os mendigos
cumprem o derradeiro ritual da natureza: “és pó e ao pó
retornarás”.
Levamos vidas tão desiguais que nem parecemos espécimes da mesma
espécie. Até não faz muito, era perigoso tocar nesse assunto. Logo
lhe sapecavam a pecha de “comunista” e davam a essa palavra
conotação de horror, como se quem defendesse a isonomia de direitos
e deveres entre as pessoas fosse um monstro sanguinário e vil, uma
aberração, um mal a ser combatido e extirpado. Ou estou exagerando?
O pitoresco é que justamente os que seriam os maiores beneficiados
com a implantação de um comunismo genuíno (não me refiro àquela
caricatura que havia na extinta União Soviética e que ainda há na
China, em Cuba e na Coréia do Norte), eram os que mais o combatiam.
Os miseráveis da Terra vegetam em tamanha indigência, que aquilo
que mais querem é pelo menos um prato de comida por dia, um abrigo
seguro e alguma diversão. Sequer cogitam em qualquer tipo de
igualdade de direitos e deveres.
Embora muitos achassem que eu fosse comunista, nunca o fui. E não
por temor de represálias, de prisão, torturas e até mesmo da
morte. Informado como sou e conhecedor da natureza humana, sempre
tive plena convicção da impraticabilidade dessa utopia. Em teoria
é, sem dúvida, ideal tentador e maravilhoso. Na prática, porém,
não resistiria a um único dia, após se tentar implantá-la, sem
que fosse, de imediato, corrompida e descaracterizada.
Escrevo esta crônica ainda sob o impacto daquelas imagens dantescas
que presenciei, em noite recente, à saída do trabalho: a de um
andrajoso indigente revirando o lixo de um famoso restaurante aqui de
Campinas, em busca do que comer.
E o que me abalou ainda mais foi o fato de milhares de pessoas
transitarem pela calçada, passando pelo pobre infeliz como se fosse
menos até do que um animal doméstico, um cachorro ou um gato, mas
simples objeto inanimado, um poste talvez, ou, quem sabe, um muro.
Tentei parar meu carro para ajudar o infeliz, meu irmão de espécie,
mas quem diz que consegui? Um coro de irritantes buzinas (mesmo sendo
à noite) alertou-me que burgueses omissos e inconscientes queriam
passar para seguir suas vidinhas medíocres, inúteis e
inconscientes. Não sei, portanto, que fim levou aquele pobre infeliz
que “garimpava” seu jantar em infecta lata de lixo. Não duvido
nada que tenha sido preso, por “perturbação da ordem pública”.
Sempre que toco no assunto, sou, invariavelmente, confrontado com o
questionamento, feito em tom arrogante e agressivo: “você
partilharia seus bens com algum indigente”? Sinceramente? A
resposta é sim, mas sob uma condição. A de que todos,
absolutamente todos, não importa onde morem, o cargo que ocupem ou a
fortuna que tenham, fizessem o mesmo. Por que? Porque se defendo
igualdade de direitos, deveres e aptidões para “todos”, seria
incoerente se apenas eu recebesse tratamento diferenciado.
O fato é que essas vidas tão desiguais continuarão dessa mesma
forma que estão agora, década após década, século após século,
milênio após milênio, isso se a humanidade não for extinta antes,
ou se não se extinguir por sua própria ação, em encarniçada e
furiosa batalha entre os que têm tudo e querem muito mais e os que
são tratados de modo inferior, até, que cachorros e gatos. Por
isso, amargurado, tenho que admitir que Johann Wolfgang von Goethe
estava cobertíssimo de razão quando constatou:“Nem todos os
caminhos são para todos os caminhantes”. Só aduziria um sincero
“infelizmente”.
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