Magia
da leitura
Pedro
J. Bondaczuk
A
invenção da escrita foi, se não o maior, um dos maiores avanços
do bicho homem. Possibilitou que descobertas, experiências,
conhecimentos e sentimentos de uma geração não se perdessem no
tempo quando ela passasse e se extinguisse, mas se perpetuasse e
ficasse ao alcance da posteridade, milênios afora. Constitui-se,
pois, em fator inigualável de progresso, não apenas o espiritual,
mas também o material.
Durante
milênios, o acesso à leitura, e consequentemente à escrita, foi
privilégio de poucos, pouquíssimos indivíduos mundo afora. Isso
retardou, sem dúvida, o progresso da humanidade. Até boa parte do
século XX, o número de analfabetos no mundo era imenso, salvo em um
ou outro país, não por acaso os mais prósperos. A difusão da
leitura, portanto, é fenômeno recente, recentíssimo, coincidindo
com a extraordinária evolução humana, notadamente no que diz
respeito à ciência e à tecnologia.
Mas
o progresso material (e também o espiritual) deixou à margem,
ainda, nesta era da comunicação total, que transformou o Planeta na
“aldeia global” preconizada pelo canadense Marshall McLuhan,
cerca de dois terços da humanidade neste final da segunda década do
terceiro milênio da Era Cristã.
Desse
contingente enorme, de 3,5 bilhões de seres humanos, perto de um
terço vive uma situação muito pior (quase desesperadora) do que os
outros. Está com as chances de mudar os rumos de suas vidas
virtualmente bloqueadas, por se encontrar imerso nas trevas do
desconhecimento quase absoluto.
Sua
cabeça ainda permanece numa fase de civilização anterior à
invenção dessa maravilha das maravilhas, que é o alfabeto.
Referimo-nos ao um bilhão de indivíduos analfabetos, que por falta
de um talento maior, que não seja o de utilizar somente a força de
seus músculos, estão condenados a uma vida de privações, de
incertezas e de angústias, em posição subalterna quer no campo
profissional quer na escala social.
Estes,
todavia, não sabem ler em decorrência de circunstâncias perversas
e aziagas, alheias à sua vontade. Não leem e não escrevem não por
desastrosa decisão pessoal, mas porque não tiveram (e não têm) a
oportunidade de aprender. Há, todavia, um tipo de analfabetismo mais
estranho e contundente: o dos que, sabendo ler, não leem. A estes
Mário Quintana classifica, numa primorosa crônica, de “os
verdadeiros analfabetos”. E não são?
Essa
sua opção priva-os de maravilhas imensas, ditadas pela magia da
leitura. Por que? É uma constatação tão óbvia, que me recuso a
explicitá-la. Recorro, porém, ao romancista chileno Roberto Bolaño,
que no romance “2666” (caudaloso livro, de 852 páginas,
classificado pelos críticos literários do jornal “Folha de S.
Paulo” como um dos dez melhores lançamentos editoriais de 2010),
coloca, na boca de um dos personagens, esta pérola, a propósito da
leitura: “Ler é como pensar, como rezar, como conversar com um
amigo, como expor suas ideias, como ouvir as ideias dos outros, como
ouvir música (sim, sim), como contemplar uma paisagem, como dar um
passeio pela praia”.
Exagero?
Longe disso. Afinal, como acentuou o ensaísta norte-americano
Richard Steele, “a
leitura é para a mente o que o exercício é para o corpo”. Ou
seja, é a maneira de robustecê-la e conservar sua sanidade. É o
jeito de ampliar seu potencial. William Wordsworth atribui aos livros
papel semelhante ao dos sonhos (a respeito dos quais escrevi
recentemente). Mas vê certa vantagem nos segundos. Concordo com ele.
Vocês
já imaginaram se, numa dessas catástrofes tão possíveis, fossem
destruídos todos os livros já escritos e publicados no Planeta?
Pior, e se ocorresse súbita amnésia coletiva, que fizesse com que
todos, absolutamente todos os seres humanos, se esquecessem dos
respectivos alfabetos, de suas gramáticas e técnicas da escrita? Em
questão de dias, a humanidade retroagiria milênios, quem sabe às
cavernas primitivas. Não quero nem pensar na mais remota
possibilidade desse pesadelo se concretizar. Seria avassalador e
catastrófico.
Jorge
Luís Borges aventa uma hipótese menos radical do que a minha, mas
ainda assim desastrosa: “Fala-se do desaparecimento ou da extinção
do livro. Creio que isto é impossível. Dir-se-á: que diferença
pode haver entre um livro e um jornal ou um disco? A diferença é
que um jornal é lido para ser esquecido; um disco é ouvido,
igualmente, para ser esquecido – é algo mecânico e, portanto,
frívolo. O livro é lido para eternizar a memória”.
Numa
outra citação, esta no prólogo da primeira edição de uma de suas
obras mais geniais, a “História universal da infâmia”, Borges
acentua: “Ler, além do mais, é uma atividade posterior à de
escrever, é mais resignada, mais atenciosa, mais intelectual”.
Mais adiante, arremata: “Às vezes acredito que os bons leitores
são cisnes ainda mais negros e singulares que os bons autores”. Eu
também, mestre, eu também.
Portanto,
estimular as pessoas a lerem e a formarem esse saudável (e
delicioso) hábito, é prestar-lhes supremo favor. É
descortinar-lhes um mundo infinito de maravilhas. É, até, em alguns
casos, preencher-lhe a solidão e fazer com que se sintam sempre em
excelente e nobre companhia.
Quantas
pessoas mundo afora, por exemplo, não se consolam, não com um
livro, mas até com uma carta de algum ente querido e distante,
lendo-a, relendo-a, tornando a lê-la, a relê-la dezenas, centenas,
quiçá milhares de vezes?! Que magnífica magia é esta da leitura!
Que privilégio nós, desta geração, temos, de contar com a
oportunidade de acesso a este meio tão prático e relativamente
barato de nos instruir, sonhar, crescer e evoluir!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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