Liberdade
no século XXI
Pedro
J. Bondaczuk
A
liberdade é um daqueles tantos conceitos ambíguos, citados a todo o
instante, mas que suscitam múltiplas interpretações. Temos
intuição íntima do que significa e de como desejamos que seja, mas
não conseguimos defini-la com precisão e muito menos estabelecer
onde começa e onde termina, embora não em casos extremos, claro.
Sua total supressão, por exemplo, nos é clara (e intolerável),
posto que muito mais comum do que desejamos. Mas seu caráter
absoluto e irrestrito é pura ficção. Nunca existiu e nem irá
existir a liberdade sem nenhum limite. Ela é sempre relativa e
parcial.
Aquela
história de ser livre para fazer o que, quando e onde queremos, sem
dar satisfações de nenhuma espécie, e para ninguém, dos nossos
atos, é ilusão. Pode até ser (e é) o ideal dos anarquistas, que
se opõem a hierarquias e sistemas de toda e qualquer espécie
(inclusive do casamento), mas essa “ideologia” (creio que podemos
lhe dar essa designação), nunca prosperou.
Do
nascimento à morte, com maior ou menor intensidade, sempre tivemos,
temos e teremos que prestar contas dos nossos atos a alguém: aos
pais, aos educadores, à esposa, ao patrão, às autoridades
constituídas e vai por aí afora. Sempre que tratamos de liberdade,
portanto, está implícita a que é relativa. É ela que caracteriza
as legítimas (será que legítimas mesmo?) democracias
contemporâneas.
Bem,
o assunto é fascinante, enseja muitas vertentes para reflexão, mas
não é propriamente dele que vou tratar. Meu tema é muito mais
trivial, é um comentário superficial e de passagem sobre o novo
livro do escritor norte-americano Jonathan Franzen. E o título desse
romance, sucesso editorial nos Estados Unidos e, lançado no Brasil
em maio de 2011 pela editora Companhia das Letras, é justamente
este: “Liberdade”.
As
opiniões dos críticos a respeito desse romance oscilam de um
extremo a outro. Uns, avaliam-no com incontido entusiasmo e incorrem
(no meu entender) até em certo exagero. Para o jornal “The
Guardian”, trata-se do livro “do ano” (no caso, 2010, quando
foi lançado nos EUA) e do “século” (que, convenhamos, ainda
está, praticamente, no início). A revista “Time” recebeu-o com
idêntico entusiasmo. Dedicou-lhe uma das suas disputadas capas em
2010 e chamou Jonathan Franzen de “o grande romancista
norte-americano da atualidade”.
Mas...
é raro alguém conseguir agradar, simultaneamente, “a gregos e
troianos”, principalmente quando se trata de literatura. Alguns
críticos, por exemplo, consideram que “Liberdade” poderia ser
mais “enxuto” e que são dispensáveis as 605 páginas que tem.
Embora elogiem o enredo, as várias tramas, os personagens
verossímeis e atuais, entendem que há excesso de descrições, que
seriam supérfluas e que tornam a leitura, em determinados trechos,
chata e enfadonha. Bem, considero que não se deva descambar para
nenhum tipo de exagero. Ou seja, como se diz no popular, “nem tanto
ao céu e nem tanto à terra”.
O
livro, de fato, é muito bom e, sobretudo, atual. Trata-se de um
épico enfocando uma família do Meio Oeste dos Estados Unidos da
década de 1980 até a eleição de Barak Obama para a presidência,
situando-se, portanto, em todo o período da polêmica gestão de
George W. Bush (2001-2009) na Casa Branca. O autor cita, por exemplo,
a todo o momento, o fatídico 11 de setembro de 2001, que redundou
numa dramática mudança de postura e de atitude dos Estados Unidos
face o mundo, notadamente com as invasões do Iraque e do
Afeganistão.
O
livro poderia ser mais “enxuto”? Poderia. Sempre pode. Todavia,
discordo que sua extensão torne a leitura enfadonha e muito menos
chata. Como discordo, também, que se trate do “romance do século”.
Talvez, mas apenas talvez, possa ser considerado o “melhor do ano”,
embora 2010 tenha se caracterizado por excelentes lançamentos, do
mesmo nível ou, quem sabe, melhores do que “Liberdade”.
Franzen
não é “marinheiro de primeira viagem”. Este já é o seu quarto
livro. Os três anteriores também foram muito bem recebidos pela
crítica e pelo público, apesar de não com tamanho alarde como
este. Sua estreia, ocorrida em 1996, curiosamente, deu-se com uma
obra de não ficção. Foi com o ensaio “Perchance to Dream” (não
sei se chegou a ser lançado no Brasil), tratando do estado da
literatura.
Jonathan
Franzen nasceu em 17 de agosto de 1959 em Western Springs, no Estado
de Illinois. Seu pai é um imigrante sueco e a mãe norte-americana.
É formado em letras germânicas. Embora tenha criticado muitas vezes
a televisão e as outras mídias contemporâneas, cita-as, vezes sem
conta, em seu livro. Indagado a respeito, em entrevista que concedeu
à Folha Ilustrada, em 27 de maio de 2011, justificou da seguinte
forma esta aparente contradição: “Eu me isolo delas. Quando estou
trabalhando, não tem música, internet. Gosto delas, mas distraem
facilmente. Porém não vejo a razão do Twitter e o Facebook me
irrita. Já o e-mail é uma invenção maravilhosa, e abrandei minha
posição sobre a TV. Algumas séries se desenvolvem como os grandes
folhetins do século XIX”.
Franzen
admite ter sofrido influência de vários escritores, não somente
contemporâneos, mas, inclusive, de vários clássicos. Cita, em
“Liberdade” – e mais de uma vez – “Guerra e Paz”. A esse
respeito, comentou, na citada entrevista à Folha Ilustrada: “Quando
estava travado, um livro que me fez andar foi ‘O teatro de
Sabbath’, de Philip Roth. Pensei muito em Stendhal, Tolstoi e em
Alice Munro, gênia canadense”.
Fica,
pois, mais esta sugestão de leitura e que ela o leve, caro leitor, a
refletir sobre os vários aspectos da liberdade e, principalmente,
sobre a ambiguidade deste conceito.
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