Múltipla escolha
Pedro J. Bondaczuk
A gaúcha, de descendência germânica, Lya Luft é, sem dúvida, uma
escritora madura, no melhor sentido de maturidade. Aos 79 anos de
idade (completará 80 em 15 de setembro), guarda, ainda, a ousadia e
o intenso vigor intelectual da juventude, mas agora alia a essa
característica um fator decisivo no campo das ideias e reflexões: a
experiência. Conta, pois, com uma dobradinha que é irresistível.
Essa escritora, que consegue nos encantar mesmo quando trata de temas
complexos e/ou dramáticos, começou sua brilhante – diria
fulgurante – carreira literária como tradutora de livros. Domina,
como poucos, além da língua pátria, o alemão e o inglês.
Descendente de alemães, o idioma de Goethe e de Schiller sempre lhe
foi sumamente familiar. Afinal, nasceu e se criou em uma região do
Rio Grande do Sul (em Santa Cruz do Sul) de colonização germânica.
Essa era, pois, a língua falada em casa, com os pais, com os amigos,
na rua, no mercado, na igreja etc. e, principalmente, na escola.
Com onze anos de idade, por exemplo, já mantinha estreitos vínculos
emocionais com os melhores entre os melhores. Ou seja, decorava, e
declamava, poemas de Goethe, de Schiller e de tantos e tantos outros
relevantes poetas alemães e, o que é mais importante, no idioma
original em que foram escritos.
Gosto de Lya Luft, tanto em verso, quanto em prosa. Encanta-me sua
forma de escrever e, notadamente, a temática que aborda. Aprecio sua
poesia vigorosa e seus contos, romances e crônicas precisos,
inteligentes, intelectualmente estimulantes e altamente reflexivos.
A propósito do seu estilo, ela mesma afirmou, certa feita, até para
desfazer possíveis equívocos: “Não existe essa de homem escrever
com vigor e mulher escrever com fragilidade”. E não existe mesmo.
Esse é um estereótipo, bastante difundido, mas que não condiz com
a verdade.
Afinal, o personagem Frankenstein é criação de uma escritora, a
inglesa Mary Shelley. Os melhores e mais instigantes romances de
mistério e de suspense saíram da inspirada pena de Agatha Christie,
que nos legou mais de 80 livros do gênero, contando histórias dos
mais ardilosos e cruéis assassinos e mais astutos e competentes
investigadores. Linguagem feminina? Uma ova!
Lya completou, a propósito de supostos textos “adocicados” das
mulheres: “Puta que pariu, não é assim! Isso não existe! É um
erro pensar assim. Eu sou uma mulher, faço tudo de mulher. Mas não
sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de
proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem
esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra
também na questão literária. Não existe isto de homem com escrita
vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da
vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me
interessa escrever como homem”.
Lya Luft começou sua vitoriosa carreira literária publicando
poesias. Em 1964, por exemplo, lançou “Canções no limiar”. Em
1972, foi a vez de “Flauta doce”. Embora sendo poetisa vigorosa e
original, ganhou destaque mesmo na ficção. Em 1978, lançou seu
primeiro livro de contos, “Matéria do cotidiano” e a seguir, o
primeiro volume de crônicas, “As parceiras”. Muitas outras obras
vieram na sequência.
Escrevi tudo isso, apenas para destacar o mais recente livro dela que
li, de ensaio, “Múltipla escolha” (Editora Record), em que Lya
Luft apresenta a vida como um cenário de teatro de marionetes, com
muitas portas, que estavam ali, ou que nós desenhamos.
Algumas, se abrem. Outras, se fecham. Outras, ainda, se escancaram
sobre o abismo do nada. Não falarei mais nada sobre esta obra, para
não lhes tirar o prazer da leitura e da descoberta. Ou melhor,
deixarei que a própria Lya encerre estas considerações, pois sabe,
e faz isto, muito melhor do que eu.
Minha conterrânea afirma, na página 91 de “Múltipla escolha”:
“A humanidade, capaz de coisas grandiosas no campo da artes, das
descobertas científicas e da tecnologia, no campo emocional se
enreda e confunde. A irracionalidade toma conta, os mitos reclamam
sua parte, está feita a confusão nessa situação fundadora:
competição, inveja, ressentimento e imaturidade de todos os
envolvidos”. E não é o que acontece?
No comments:
Post a Comment