Mergulho
no passado
Pedro
J. Bondaczuk
A
Literatura é uma atividade fascinante sob qualquer aspecto em que
seja encarada. É instigante tanto para quem escreve, quanto para
quem lê. Proporciona um campo virtualmente infinito de temas, além
de diversos gêneros de ficção (romance, novela, conto, peça
teatral e roteiro cinematográfico) e não-ficção (poesia, crônica,
ensaio) ao escritor. Os assuntos podem enfocar uma única e
determinada pessoa, ou um povo inteiro. Pode referir-se a tempos
passados, muito remotos, ou avançar para um futuro também
extremamente distante. Afinal, a imaginação não tem limites, nem
de tempo e nem de espaço.
Há
quem escreva somente ficção e concentre todo seu esforço e talento
nos gêneros ficcionais. É uma opção e super válida. Caso tenha,
de fato, talento, emplaca um ou mais best-sellers e marca seu nome na
literatura do seu país. Convenhamos, esse tipo de escrita é o mais
atrativo do ponto de vista comercial, pois é o que atrai maior
número de leitores. Há, em contrapartida, todavia, escritores que
transitam com a mesma familiaridade e desenvoltura em todos os
gêneros, tanto de ficção, quanto de não-ficção.
Entre
as obras ficcionais, alguns optam por concentrar a atenção em
determinadas culturas, via de regra na do seu país de origem e
situam seus enredos nos tempos atuais. Cenários, portanto, têm que
ser compatíveis com essa época e personagens devem atuar de acordo
com os costumes e comportamentos desse tempo.
Há,
todavia, os que optam por tratar de outras culturas, que não aquela
de onde vive. Caso se concentrasse na da região geográfica em que
nasceu e reside, isso lhe possibilitaria todas as facilidades de
pesquisa para dar o máximo de verossimilhança (quando não total)
às suas histórias. Há romances tão bem arranjados, que o leitor
fica em dúvida se a narrativa é coisa mesmo inventada pelo autor ou
se trata de uma reportagem mais extensa.
O
escritor carioca Alberto Mussa optou, porém, por um caminho pelo
menos teoricamente mais difícil. Explora “várias” culturas,
muitas das quais ou extintas, absorvidas por outras, ou em vias de
extinção. Claro que isso implica na necessidade de um conhecimento
(notadamente histórico) além da média. Requer muita, muitíssima
pesquisa. O excepcional, no seu caso, é que ele “transita” por
esses costumes e comportamentos, tão diferentes dos nossos, com uma
impressionante naturalidade.
Trato
desse escritor, que já conquistou seu espaço na literatura
brasileira e que, a cada novo lançamento, consolida-o, mais e mais,
e o amplia, a propósito do seu romance, nas livrarias de todo o
País, intitulado “O senhor do lado esquerdo” (Editora Record).
Trata-se do seu sexto livro, tão rico e original quanto os cinco
anteriores.
Para
caracterizar a opção literária de Alberto Mussa, recorro à
enciclopédia eletrônica Wikipédia, que foi muito feliz em
defini-la como a fusão “da tradição narrativa ocidental com os
relatos mitológicos de outras culturas, como a afro-brasileira, a da
Arábia pré-islâmica e a do Brasil indígena”. E essa escolha,
que exige muito mais pesquisas (reitero), funciona? Para esse
escritor, que atingiu a plena maturidade literária, ao completar, em
2011, época do lançamento do romance cinquenta anos de idade, sim.
Isso a julgar pela recepção que seus livros vêm tendo por parte da
crítica e do público.
Basta
informar que a sua obra já foi publicada em dez países e traduzida
para sete idiomas diferentes. Nada mau, não é mesmo? E mais, seus
livros são objetos de estudo em diversas universidades da Europa,
dos Estados Unidos e, notadamente, do mundo árabe. Claro que esta é
uma façanha para raros e que sejam, antes e acima de tudo,
competentes no que fazem. E sua competência é inquestionável,
comprovada, até, pelos prêmios que já ganhou. Os principais são o
“Casa de lãs Américas”, o cobiçado “Machado de Assis”, da
Biblioteca Nacional e, por duas vezes, o que é conferido anualmente
pela Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA).
Seu
livro de estreia foi “Elegbara”, em 1997, pela Editora Revan,
reeditado em 2005 pela Record. Trata-se de obra de não-ficção,
incluída na lista da Revista Brasil entre as melhores do País em
2005. São narrativas de fatos que se passam entre os séculos XVI e
XX, referentes às histórias do Brasil, de Portugal e da África.
Aliás, o continente negro, com seus costumes e tradições, é
presença recorrente nos livros de Mussa.
Sua
segunda obra, “O trono da rainha Jinga”, foi de ficção, mais
especificamente, um romance. O autor caracterizou-a da seguinte
forma: “Concebi-a para o formato clássico de novela policial, com
crimes, investigadores, múltiplos suspeitos e um mistério, que só
se desvenda nas últimas páginas”. “Onde a novidade?”, poderá
perguntar o leitor. A novidade é o fato da trama se desenvolver no
Rio de Janeiro, mas não no atual, contudo no do século XVII. E nela
Mussa esbanja seu enorme conhecimento de história e da cultura
africana. Esse livro foi publicado em 1999 pela Editora Nova
Fronteira e republicado, em 2007, pela Record.
O
romance “O enigma de Qaf”, de 2004, valeu-lhe os prêmios “Casa
de lãs Americas” em 2005 e da APCA em 2004. Na sequência, o
escritor carioca lançou outra obra de ficção – diria que
“mista”, pois nela o autor mistura fatos reais com outros tantos
inventados por ele, no que poderia ser caracterizado, forçando um
pouco a barra, de “ensaio-ficcional” – “O movimento
pendular”, publicado em 2006 pela Editora Record. Foi esse o livro
que lhe valeu o Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional e
também da APCA no ano do seu lançamento.
O
penúltimo dos seus lançamentos, que por suas características
merece comentários a parte (que pretendo fazer oportunamente), foi
“Meu destino é ser onça”. Veio a público em 2009. Nele Mussa
esbanja seu talento, desta vez de ensaísta.
Com
“O senhor do lado esquerdo”, o escritor carioca retorna à
ficção, fixando o local e o período em que a história transcorre
no Rio de Janeiro de princípios do século XX, durante a presidência
de Hermes da Fonseca. Oportunamente, voltarei a abordar com maiores
detalhes a obra deste eclético, erudito e criativo autor. Por
enquanto, fica a sugestão de leitura de algum (o melhor seria de
todos) dos seus seis livros.
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