Obsessão
pela fama
Pedro
J. Bondaczuk
"A
fama é a soma de equívocos criados em torno de uma pessoa".
Essa afirmação não é minha. É de um poeta, aliás famoso, e que,
portanto, sabe bem o que diz. Ou sabia, pois já morreu. Isso foi
escrito pelo austríaco, Rainer Marie Rilke, a propósito de quem
tive a oportunidade de tecer alguns comentários num recente texto.
Embora se trate de evidente verdade, não se pode generalizar.
Todavia, em boa parte das vezes, muitas pessoas tornam-se, de fato,
famosas por motivos errados. Ou seja, por causa de uma soma de
equívocos.
A
fama é um dos temas recorrentes sobre os quais me debruço há
muito. Daí várias das minhas constatações a propósito soarem
familiares, quando não repetitivas, aos leitores que me prestigiam
com sua leitura. Duvido que haja alguém que nunca tenha pelo menos
sonhado em ser famoso, sem levar em conta o lado ruim dessa condição.
Certamente, não foi a fama (ou seria recompensa?) que os
intelectuais engajados na solução dos problemas do seu tempo
buscaram (ou buscam) da sociedade. Almejam, isto sim, o
"reconhecimento" das gerações futuras, pelo que fizeram e
deixaram como patrimônio cultural. Nem sempre (ou quase nunca)
conseguem.
Nem
é preciso que alguém me lembre que já escrevi tudo isso, talvez
com as mesmíssimas palavras, em outras ocasiões, posto que em
diferentes contextos. A reiteração, desde que não exagerada, é a
melhor maneira de fixar na memória do leitor alguns conceitos
básicos e importantes. Almejar a fama é atitude normal. Mas há
quem vá além e tenha obsessão por isso.
Muitos
(e põe muitos nisso!), têm consciência que suas possibilidades de
se tornarem famosos são ínfimas, irrisórias ou quase nulas (se não
nulas mesmo). Todavia, se tiverem filhos que sejam prodígios em
alguma coisa (ou que os considerem como tal, o que é mais comum),
apostam todas suas fichas neles, sufocando-os, fazendo-lhes
exigências não raro descabidas, enchendo-os de compromissos e
exaustivas atividades e arruinando, quase sempre, sua infância.
Se
os “pimpolhos” forem, mesmo, o que esses pais obcecados acham, ou
esperam que sejam, findam por conquistar a fama, às vezes por
caminhos tortuosos. Pouco lhes importa se essa condição faz os
“filhotes” felizes ou não. Geralmente tornam-se infelizes e
sumamente incomodados com o lado ruim do ser famoso: a perda da
privacidade e da liberdade individual, entre outras tantas
inconveniências.
Por
que estou tratando novamente dessa questão já tão batida? Para
enfatizar o lançamento, há já algum tempo, no Brasil, do livro da
escritora norte-americana Joyce Carol Oates, “Minha irmã, meu
amor”, publicação da Editora Alfaguara. O romance em tela trata,
justamente, dessa questão: fama. Ou, mais especificamente, obsessão
pela fama. Mas não propriamente de quem se torna famosa, uma
garotinha prodígio de apenas seis anos de idade, mas de seus pais. E
a coisa termina em tragédia.
A
história, posto que se trate de ficção, baseia-se em um fato real.
Todos os livros de Oates seguem essa linha. Ela romanceia
acontecimentos reais, mesclando fatos a criações ficcionais. “Minha
irmã, meu amor” trata do assassinato de uma garotinha de seis
anos, que em tão tenra idade se tornou fenômeno na patinação no
gelo. A menininha prodígio foi encontrada no porão de sua casa, com
os braços amarrados às costas e o crânio arrebentado. Quem fez
isso? Por que? Até hoje tudo isso é um mistério para a polícia e
para o público. O assassinato aconteceu em 1996, mas permanece, até
hoje, sem solução. O caso, provavelmente, foi arquivado como
insolúvel.
Embora
trate de um episódio trágico (óbvio, a morte sempre é trágica,
ainda mais de uma criança e naquelas circunstâncias), Joyce Carol
Oates não raro apresenta cenas cômicas ao longo do livro (às vezes
até abusa delas, para surpresa do leitor). Seu foco é a
desestabilização da família da vítima, que vivia em função do
sucesso e da fama da garotinha. Com sua morte, perdeu todos os
objetivos e referenciais.
Em
entrevista dada ao jornal “O Estado de São Paulo”, por e-mail, a
escritora explica o que a levou a escrever o romance e, sobretudo,
com o enfoque que lhe deu: “Minha intenção era dramatizar a
agudeza e o pathos particulares de uma vítima de um tabloide”,
explicou. Joyce referiu-se à imprensa sensacionalista, e não apenas
dos Estados Unidos, mas do mundo todo (e, claro, também do Brasil),
que nunca se importa com as consequências e explora a desgraça
alheia em manchetes tonitruantes, apenas para vender jornal. Ou, se
for televisão, por altos índices de audiência.
Queiram
ou não, são os meios de comunicação que fabricam, e não raro
também destroem, celebridades, desestabilizando vidas e causando
profunda dor e sofrimento, não raro irreparáveis. Mas isso lhes
importa? Claro que não! Desde que seus programas sensacionalistas
alcancem altos índices de audiência ou as notícias apresentadas
com crueza e até sadismo redundem em esgotamento de edições nas
bancas de jornais. Como jornalista, este é o lado que me repugna em
minha profissão e me causa mais mal-estar.
Muito
leitor desavisado (ou mal-informado, o que seria o caso), pode estar
se perguntando: “Afinal de contas, quem é esta tal de Joyce Carol
Oates?”. Bem, vou adiantando que se trata de uma celebridade do
mundo editorial norte-americano. Há já alguns anos, vem sendo tida
e havida como candidata natural (naturalíssima) ao Prêmio Nobel de
Literatura. Aos 79 anos de idade (completará 80 em 16 de junho),
permanece em plena atividade, não apenas literária, mas como
titular de uma cátedra na Universidade de Princeton, no Estado de
Nova Jersey, onde atua desde 1978.
Não
é inédita no Brasil. Fez sucesso, não faz muito, com o romance
“Blonde”, traçando a trajetória, na maior parte ficcional, da
mais famosa loira do cinema norte-americano, o mito Marilyn Monroe. O
lançamento em questão, em dois volumes, foi da Editora Globo.
Ademais, Joyce já conquistou importantes prêmios literários nos
Estados Unidos, como o “National Book Award” e o “The
Pen/Malamud Award for Excellence in Short Fiction”. Além disso, é
membro da Academia Americana de Letras e Artes. Como se nota, é
famosa (pelo menos em seu país). Todavia, na minha concepção, não
chegou à fama por motivos errados. Aliás, convenhamos, muito pelo
contrário.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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