Alegria
e humor
Pedro J. Bondaczuk
O escritor – notadamente o contemporâneo, mas também o do
passado, inclusive os tidos e havidos como “clássicos” – imita
o jornalista (embora o preceda em milênios, já que jornalismo é
uma atividade de no máximo dois séculos) e enfatiza, em 90% ou mais
de sua produção, o negativo. Contos, novelas e romances destacam
personagens problemáticos, tarados, homicidas, exsudando maldade por
todos os poros (os seus invariáveis vilões), em detrimento do
positivo, do bom, do alegre, do construtivo, enfim. Vocês já
notaram como os “heróis” da história são sempre chatos? Da
maneira como são descritos, chegam a ser inverossímeis. O escritor
passa, com isso, a impressão de que “tudo” no mundo é e sempre
foi negativo, trágico, corrupto e que a maioria das pessoas tende
mais a ser vilã e que assim sempre será. Será?
Perguntei, várias vezes, a colegas escritores a razão desse tipo de
opção. “Ora, se eu escrever sobre o positivo, o bonzinho, o
alegre, estarei produzindo obras adocicadas, ‘água com açúcar’,
que não atrairão nenhum leitor”. Não deixa de ter razão. Somos
condicionados, mesmo, desde crianças, a atentar mais para o mal, até
para podermos nos prevenir, do que para o bem. Há livros que, de tão
negativos, chegam a doer, a nos causar mal-estar durante a leitura.
São verossímeis? São! São válidos? Também são! Mas não há
nenhuma regra que determine que um escritor, a pretexto de ser
“realista”, extrapole a realidade, carregue nas tintas e escreva
“apenas” textos negativos.
Para não parecerem histórias “água com açúcar”, a tentativa
de abordar personagens e temas positivos, alegres e construtivos é
tarefa de gigantes, destinada a gênios. É difícil, eu sei. E como
sei! O sujeito para fazer isso e ainda assim despertar o interesse do
leitor tem que ter muito talento, ser muito bom no que faz,
praticamente um gênio. Há vários que fizeram isso e se deram bem.
Oportunamente, mencionarei vasta relação dos que lograram essa
façanha. Mas, por hoje, não.
A vida das grandes metrópoles, nesta época especial da História,
já é, por si só, caracterizada pela angústia. Torna-se cada vez
mais raro surpreender-se alguém com um sorriso de genuína
satisfação nos lábios. O cotidiano é composto por correrias,
preocupações com contas, com luta por uma posição melhor, por
verdadeira batalha por esse lema, extremamente vago e de sentido
ambíguo, que se denomina “vencer na vida”.
Para cada pessoa, isto tem um significado diferente. Os meios de
comunicação, por outro lado, entre os quais incluo os livros e, por
consequência seus produtores, os escritores, a pretexto de pintarem
o quadro do que se convencionou classificar de realidade, passam, na
verdade, mensagens negativas ou surreais. Entendem, certos
profissionais (e certos homens de letras), que a comunidade está
ávida somente por notícias ruins; por enredos repletos de ações
violentas com muitos socos e tiros e mortes, por crimes, escândalos,
aberrações sexuais e outras tantas distorções de comportamento do
animal homem. Só o negativo é manchete. Só o negativo compõe
enredos de romances, contos, novelas, peças teatrais e roteiros
cinematográficos. Por quê?
Dificilmente alguém conseguirá explicar isto de maneira plausível
e minimamente lógica, a não ser que esse tipo de texto (e de uns
tempos para cá, principalmente de imagens), atrai o público,
desperta interesse e é vendável. Olhando a questão apenas pelo
aspecto comercial, quem se utiliza dessa argumentação, tem razão.
Mas não se dá conta que com isso dissemina o medo, a desconfiança,
a angústia, as neuroses etc.etc.etc.
Embora, amiúde, me utilize de temáticas de cunho negativo, confesso
que, no fundo, no fundo, não a aprecio. Aliás, detesto-a,
abomino-a, tenho horror dela. Ela me faz mal. Deixa-me mau humorado,
pessimista e tenso, e torna a leitura, que sempre me foi algo
sumamente prazeroso, uma tortura, dependendo, óbvio, do texto que
estiver lendo. Quanto a filmes... minha preferência, disparado, é
para os que me fazem rir.
Cresci deliciando-me com as trapalhadas do “Gordo e Magro”, de
Carlitos, dos Irmãos Marx e de tantos outros que me desopilaram o
fígado e provavelmente, apenas pelo fato de me fazerem rir, me
proporcionaram alguns anos a mais de vida. Por que os escritores não
conseguem essa façanha? Por que são tão poucos os que me fazem rir
(já que gargalhar, até hoje, ninguém conseguiu)? Certamente não é
por incompetência. Talvez seja por preguiça ou por medo de tentar.
Anatole France constatou, em determinado trecho do romance “O
manequim de vime: ” ... Todas as nossas misérias verdadeiras são
íntimas e causadas por nós mesmos. Acreditamos erradamente que elas
vêm de fora, mas formamo-las dentro de nós, da nossa própria
substância”. Como essas coisas ruins formam-se em nosso interior,
não podemos e não devemos atuar como agentes de contágio,
disseminando a “doença” do pessimismo, da descrença, da
tristeza, do rancor e do derrotismo.
O poeta William Butler Yeats recomenda: "Unifique seus
pensamentos a marteladas..." É isto... Agimos, em geral, sem
pensar em profundidade em nossos atos e suas consequências. Não
pensamos de maneira unitária. Nossas ideias são dispersas, vagas,
contraditórias. Temos que unificá-las...Mesmo que a "marteladas"...
Os verdadeiros prazeres, aqueles que justificam uma existência, são
simples e gratuitos. Estão ao alcance das mãos de qualquer um que
os queira usufruir. No entanto, complicamos tanto a nossa vida! No
entanto, nos afligimos por tão pouco! No entanto, tentamos, na maior
parte do nosso tempo, agarrar sombras! Não agimos assim, é
evidente, por masoquismo, pelo prazer de sofrer ou então por
maldade. Achamos, até mesmo, e com sinceridade, que estamos agindo
certo. Mas não estamos. Principalmente quando passamos adiante
nossos temores, nossas tristezas, nossas misérias e nossos demônios
interiores.
Devemos viver com alegria e otimismo cada dia da nossa vida, mesmo
(ou principalmente) aqueles momentos de aflição e de dor, que todos
temos em nosso caminho quando menos esperamos. Mas temos que ser
coerentes e contagiar milhares, milhões, o maior número possível
de pessoas, com ideias e aspirações positivas, alegres e
construtivas, eivadas de esperança e, com a força do nosso talento,
tornar textos com essas características atrativos de sorte a fazer
de nossos livros best-sellers.
Recorro, novamente, a Anatole France, que definiu com rara precisão
qual é, de fato, a grande missão do escritor. Escreveu: “O
artista deve gostar da vida e mostrar-nos que ela é bonita. Se não
fosse ele, duvidaríamos disso”. Aliás, “também” por causa
dele, hoje, duvidamos disso. Todavia, mesmo que você não creia, uma
postura alegre e positiva torna mais suave a travessia até dos
instantes muito ruins que eventualmente nos atormentem e que, como
tudo na vida, também são passageiros.
Não conheço uma única pessoa, por mais amarga e infeliz que seja,
que não defenda, pelo menos da boca para fora, a alegria. A
diferença é que tais indivíduos consideram que essa condição é
para os “outros”, não para eles. Ou seja, não vivem o que
pregam. São dos que deixam implícito o célebre “faça o que
falo, não o que faço”. Daí serem tão amargos, tão
mal-humorados e tão negativos. Apostam na infelicidade e, por
consequência, são, de fato infelizes. Artur da Távola indaga, com
pertinência, a propósito: “Do que adiantará um discurso sobre a
alegria se o professor for um triste?”. Sim, de que vai adiantar?!
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