Viver filosofando
Pedro
J. Bondaczuk
O eminente filósofo,
físico e matemático francês, René Descartes, afirmou que “viver sem filosofar é
o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir”. Muitos
viveram, vivem e viverão sem exercitar isso que o homem tem de mais nobre e
característico: o raciocínio. Eles vêm e vão, nascem e morrem ás pencas, hoje
aos bilhões e em pouco tempo ninguém fica e nem ficará sequer sabendo que
existiram, nem mesmo seus descendentes diretos, ou seja, os netos de seus
netos, por exemplo. E nem importa sua condição social ou fortuna. São
esquecidos por completo e tudo o que foram e fizeram se perde para sempre, caso
não hajam contribuído em nada para a ampliação do acervo do conhecimento
humano. Muitos, até mesmo contribuindo para tal, caem também no esquecimento.
Ser lembrado após a morte é importante? Para a imensa maioria, não. Isso sequer
lhes passa pela cabeça. Já para alguns...
Presumo que todos
“filosofemos”, posto que não o tempo todo e não como fazem os que se
especializam em Filosofia, com seus métodos, disciplina e jargões. Mesmo o mais
insano dos insanos algum dia já se perguntou, mesmo não revelando essa
indagação para ninguém, quem é, de onde veio, onde está e para onde vai. Pode
nem ter formulado as perguntas com um mínimo de coerência. Mas provavelmente
(ou certamente?) as formulou, posto que atabalhoadamente. Não seria humano se
nunca houvesse pensado nisso. Se tiver espírito filosófico (mesmo sem ter a
mais remota e elementar noção de Filosofia), jamais chegará a conclusões
definitivas. De cada resposta que obtiver emergirão centenas, milhares, quiçá
milhões de perguntas. Afinal, o papel da Filosofia não é o de obter certezas,
mas conviver com dúvidas. Os que se aferram a explicações (próprias ou alheias)
que considerem “verdades”, embora não o sendo, e que não admitem discussões a
respeito, fazendo delas dogmas indiscutíveis, não têm sequer resquícios de
“espírito filosófico”.
A propósito de René
Descartes, cabem, aqui, algumas informações que não são importantes (não farão,
por exemplo, baixar a cotação do dólar), mas não deixam de ser curiosas. Seu
nome verdadeiro não era este, com o qual se consagrou e passou para a história
como o “Pai da Filosofia Moderna” (também é tido como o “Pai da Matemática
Moderna”). Era Renatus Cartesius – daí seu método ser conhecido como
“cartesiano”. Descartes é o nome da cidade francesa em que nasceu (batizada
assim em sua homenagem e não o contrário), em 31 de março de 1596. Morreu, em
Estocolmo, na Suécia, pouco mais de um mês antes de completar 54 anos, em 11 de
fevereiro de 1650. Viveu, portanto, com “os pés” em dois séculos: nos XVI e
XVII. Não se sabe quando e por qual razão adotou esse pseudônimo. Já René é a
tradução para o francês do seu nome latino Renatus (“renascido”). Mesmo
tratando-se de conhecimento inútil, sem ínfimo sentido prático, como se vê, ele
nunca é demais. Afinal, como diz o povão em sua rústica sabedoria, “saber não
ocupa lugar”.
Os primeiros filósofos
ocidentais (dos conhecidos, pois muitos e muitos, por circunstâncias várias,
acabaram esquecidos para sempre), os da Grécia antiga, empenharam-se em buscar
explicações mais racionais, realistas e plausíveis para as quatro indagações
originais (até hoje não respondidas de forma incontestável) do que as
mitologias, ou seja, as religiões, que na verdade não explicavam nada. A imensa
maioria de suas idéias e proposições, porém, perdeu-se no tempo, sobretudo em
conseqüência de guerras, responsáveis pela destruição das então raras bibliotecas
em que estavam depositados seus escritos. O pouco que restou deve-se a
Aristóteles, que os preservou, mesmo que não integralmente. Esses pensadores da
remotíssima Antiguidade Clássica são conhecidos como “filósofos da natureza”.
Foram os construtores dos alicerces desse edifício que não para de crescer que
hoje chamamos de “Ciências”. Sem eles, continuaríamos acreditando piamente
apenas em mitos, muitos dos quais absurdíssimos. Não teríamos, por
conseqüência, toda essa tecnologia que nos assombra e torna nossa vida mais
longa, mais fácil, posto que talvez não melhor. Mas...
Refiro-me aqui, e em
toda a série de comentários abordando alguns aspectos da História da Filosofia,
aos filósofos ocidentais, notadamente os gregos. Fascina-me o pensamento
filosófico oriental – chinês, indiano, japonês etc.etc.etc. – do qual, todavia,
temos ao nosso dispor menos fragmentos ainda do que dos que atuavam na Grécia
antiga. O leitor perspicaz certamente notará que me desviei do tema central
desta série, que são comentários sobre a obra-prima de Jostein Gaar4der, “O
mundo de Sofia”. Esse desvio, contudo, se faz necessário para melhor
entendimento das lições do escritor norueguês. É uma tentativa que faço (talvez
frustrada) de imitá-lo em seu livro: ou seja, de ser o mais didático possível
num tema que para muitos não passa de intrincado enigma, de confusa e obscura
charada que não conseguem compreender.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment