Thursday, February 25, 2016

Guerra é transformada num show



Pedro J. Bondaczuk


O maior bombardeio aéreo da história, que foi o ataque norte-americano e dos seus aliados, desfechado, ontem, contra Bagdá, teve, para quem assistiu ao início de fato da guerra do Golfo Pérsico, alguns lances até poéticos, posto que de poesia macabra. Principalmente alguns trechos da narração direta da cidade bombardeada – outro fato absolutamente insólito, no meio de tantos que cercaram essa longa crise – feita pelos correspondentes da rede de televisão norte-americana CNN TV, Bernard Shaw e John Hollimann, são dignos de nota.

Como, por exemplo, o clarão dos incêndios que iluminou a capital iraquiana, dando colorações sinistramente belas ao céu da madrugada local. Ou os assustadores estrondos das explosões, que o mundo todo teve a chance de ouvir no exato instante em que ocorriam.

Os chefes militares norte-americanos, por outro lado, foram irônicos na marcação do momento do ataque. Este ocorreu no dia da semana – quinta-feira – e na hora exata – 19 horas em Nova York – em que aconteceu a invasão do Kuwait por tropas do Iraque.

Saddam Hussein foi colhido de surpresa, tanto pelo ímpeto da ofensiva, quanto pelo momento em que ela se deu. Certamente o presidente iraquiano, como militar que é, aguardava um bombardeio e sabia que ele seria noturno. Todavia, subestimou a determinação dos Estados Unidos e se deu mal.

Numa das muitas entradas no noticiário das redes de televisão feitas por Bernard Shaw – que tem o mesmo nome do famoso dramaturgo irlandês, celebrizado, entre outras coisas, por suas ferinas tiradas – duas coisas nos chamaram a atenção.

A primeira foi quando o jornalista da CNN, que é hoje o mais bem pago do mundo, ressaltou que entre os vários sons que jamais se apagariam da sua memória, estava o canto de um gaio, pássaro comum na região, que se manifestava em meio às explosões de bombas, indiferente à loucura da guerra. A outra foi o trocadilho que ele fez de um célebre ditado árabe que diz: “Todos os caminhos conduzem a Bagdá”.

Shaw assinalou que nessa noite dramática, “todos os aviões da mais poderosa Força Aérea do mundo eram conduzidos a Bagdá”. Nós, de nossa parte, só conseguimos ficar horrorizados com o grau de indiferença pela sorte alheia que o homem contemporâneo alcançou.

A guerra, com seus horrores, que colhe indiferentemente quem é trinado ou não para lutar, que penaliza duramente os indefesos, expondo a uma morte inútil especialmente crianças, mulheres e idosos, deixa de ser publicamente o mais indesejável dos flagelos, para se transformar num feérico show de televisão.

(Artigo publicado na página 12, A Guerra do Golfo, do Correio Popular, em 18 de janeiro de 1991).


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