Guerra é transformada num show
Pedro J.
Bondaczuk
O maior bombardeio aéreo da história, que foi o ataque
norte-americano e dos seus aliados, desfechado, ontem, contra Bagdá, teve, para
quem assistiu ao início de fato da guerra do Golfo Pérsico, alguns lances até
poéticos, posto que de poesia macabra. Principalmente alguns trechos da
narração direta da cidade bombardeada – outro fato absolutamente insólito, no
meio de tantos que cercaram essa longa crise – feita pelos correspondentes da
rede de televisão norte-americana CNN TV, Bernard Shaw e John Hollimann, são
dignos de nota.
Como, por exemplo, o clarão dos
incêndios que iluminou a capital iraquiana, dando colorações sinistramente
belas ao céu da madrugada local. Ou os assustadores estrondos das explosões,
que o mundo todo teve a chance de ouvir no exato instante em que ocorriam.
Os chefes militares
norte-americanos, por outro lado, foram irônicos na marcação do momento do
ataque. Este ocorreu no dia da semana – quinta-feira – e na hora exata – 19
horas em Nova York – em que aconteceu a invasão do Kuwait por tropas do Iraque.
Saddam Hussein foi colhido de
surpresa, tanto pelo ímpeto da ofensiva, quanto pelo momento em que ela se deu.
Certamente o presidente iraquiano, como militar que é, aguardava um bombardeio
e sabia que ele seria noturno. Todavia, subestimou a determinação dos Estados
Unidos e se deu mal.
Numa das muitas entradas no
noticiário das redes de televisão feitas por Bernard Shaw – que tem o mesmo
nome do famoso dramaturgo irlandês, celebrizado, entre outras coisas, por suas
ferinas tiradas – duas coisas nos chamaram a atenção.
A primeira foi quando o
jornalista da CNN, que é hoje o mais bem pago do mundo, ressaltou que entre os
vários sons que jamais se apagariam da sua memória, estava o canto de um gaio,
pássaro comum na região, que se manifestava em meio às explosões de bombas,
indiferente à loucura da guerra. A outra foi o trocadilho que ele fez de um
célebre ditado árabe que diz: “Todos os caminhos conduzem a Bagdá”.
Shaw assinalou que nessa noite
dramática, “todos os aviões da mais poderosa Força Aérea do mundo eram
conduzidos a Bagdá”. Nós, de nossa parte, só conseguimos ficar horrorizados com
o grau de indiferença pela sorte alheia que o homem contemporâneo alcançou.
A guerra, com seus horrores, que
colhe indiferentemente quem é trinado ou não para lutar, que penaliza duramente
os indefesos, expondo a uma morte inútil especialmente crianças, mulheres e
idosos, deixa de ser publicamente o mais indesejável dos flagelos, para se transformar
num feérico show de televisão.
(Artigo publicado na página 12, A Guerra do Golfo, do Correio Popular, em
18 de janeiro de 1991).
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