Principal "produto" de
Mileto: filósofos
Pedro
J. Bondaczuk
A cidade de Mileto
ganhou importância e ficou imortalizada na História não apenas por causa de seu
filho mais ilustre, o filósofo Tales (embora só isso já bastaria), mas pela
inventividade, operosidade e capacidade de iniciativa de seus habitantes. Era
relativamente pequena, mesmo para os padrões da época. Esse fator,
provavelmente, determinou que ali se desenvolvesse uma categoria de
respeitáveis comerciantes e de hábeis navegadores, que levavam seus produtos –
a localidade tinha a fama de produzir a melhor lã da Grécia antiga – para o
Egito, a Fenícia e até para locais muito mais distantes, e traziam, na volta,
de longe, o que os moradores precisavam ou somente cobiçavam.
Todavia, para nós,
pessoas do século XXI, a única coisa que nos leva a querer conhecer Mileto –
que integra o território da Turquia –
são os filósofos que produziu. Pode-se dizer, portanto, que esse foi seu
principal “produto”. E que produto!
Tanto que os locais dessa milenar cidade que atraem os turistas do mundo
todo, que a visitam hoje, são os vinculados à vida e á atuação tanto de Tales
quanto de seus seletos ilustres discípulos, e sucessores, da chamada “escola
jônia”. Esses sábios influenciaram dezenas (quiçá centenas, milhares ou sabe-se
lá quantos) de pensadores de toda a Grécia antiga. Muito do que esses filósofos
concluíram é aceito ainda hoje, como fundamentos da Filosofia. Mais do que
entreposto comercial, portanto, Mileto foi notável centro cultural, irradiador
de novas idéias e de evolução mental do ser humano.
Jostein Gaard escreve,
no livro “O mundo de Sofia”, o seguinte sobre o principal “produto” da cidade,
ou seja, as idéias geradas pelos seus sábios: “(...) O segundo filósofo de quem
ouvimos falar foi Anaximandro que também vivia em Mileto. Ele dizia que o mundo
é apenas um de muitos que existem e se dissolvem em algo que ele chamou de ‘o
indefinido’. Não é fácil definir o que ele quis dizer com ‘o indefinido’, mas
parece claro que não se referiu a uma substância específica como Tales. Talvez
acreditasse que essa substância, da qual surgiriam todas as coisas, era
totalmente diferente das coisas que ela originaria. Portanto, a substância
primordial não poderia ser algo tão banal quanto a água, e sim uma substância
‘indeterminada’ (...)”.
Anaximandro foi
filósofo, astrônomo e matemático, assim como Tales. Todavia, diferente de seu
mentor, foi, também, geógrafo e político. Seus biógrafos citam que escreveu um
livro, intitulado “Sobre a Natureza”. Contudo, ninguém jamais encontrou essa
obra, o que leva à conclusão lógica de que ela se perdeu. Pesquisador
organizado e pertinaz, é considerado o “pai” da Astronomia grega. Foi um dos
primeiros a medir a distância entre as estrelas, aplicando métodos matemáticos,
e a calcular sua magnitude. Atribui-se a Anaximandro a confecção de um dos
primeiros mapas do mundo habitado de então, além de introduzir, na Grécia, o
uso do relógio de sol, o tal do gnômon.
Pitoresca era sua idéia
sobre o formato da Terra. Supunha que nosso planeta tinha a forma de um
cilindro e que era circundada por várias rodas cósmicas, imensas e cheias de
fogo. Mais curiosa ainda era sua concepção do Sol. Não o entendia como uma
estrela, mas como um furo numa dessas rodas cósmicas que deixava o fogo passar.
Não menos curiosa era sua tese sobre o dia, a noite e as estações do ano.
Anaximandro achava que à medida que a
roda cósmica em que estava inserido girava, o Sol girava, também, em torno da
Terra. Os eclipses ocorreriam em virtude do bloqueio total do furo em que o
astro rei aparecia. Julian Marias, no livro “A História da Filosofia”, observa
o seguinte sobre as principais concepções filosóficas deste discípulo de Tales:
“Anaximandro... representa a passagem da simples designação de uma substância como
princípio da natureza para uma ideia desta, mais aguda e profunda, que já
aponta para os traços que irão caracterizá-la em toda a filosofia pré-socrática
(...)”.
Jostein Gaard cita, no
livro “O mundo de Sofia”, outro grande expoente da escola jônica: “(...) O
terceiro filósofo de Mileto foi Anaximenes (c. 570-526 a.C). Ele sustentava que
a substância primordial de todas as coisas deveria ser o ar ou a névoa.
Anaximenes certamente estava familiarizado com a teoria de Tales sobre a água.
Mas de onde viria a água? Anaximenes dizia que a água seria o ar condensado.
Quando chove, podemos perceber a água se condensando no ar. Quando a água se
condensa ainda mais, dizia ele, ela se transforma em terra. Talvez ele tivesse
observado terra e areia surgindo da neve derretida. Da mesma forma ele dizia
que o fogo seria o ar rarefeito. Segundo Anaxímenes, tanto terra quanto água e
fogo seriam constituídos de ar (...)”.
Hoje, essas idéias dos
três filósofos de Mileto parecem (e são) no mínimo exóticas. Mas, para a época,
soavam, guardadas as devidas proporções, mais ou menos como soou para nós a
“Teoria da Relatividade” de Albert Einstein, quando foi apresentada pelo físico
alemão e antes que fosse demonstrada e aceita pelo mundo da ciência. Jostein
Gaard diz mais sobre as idéias de Anaxímenes: “(...) O caminho desse raciocínio
até as plantas que crescem nos campos não era tão longo. Talvez Anaxímenes
achasse que terra, água, fogo e ar possibilitassem o surgimento da vida. Mas
seu ponto de partida era ‘o ar’, ou ‘a névoa’. Ele também compartilhava a ideia
de Tales, para quem deveria haver uma substância primordial que possibilitava
todas as transformações na natureza (...)”. Mas qual seria essa substância
primordial? Mais teorias a respeito é o que veremos na sequência...
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