Friday, February 26, 2016

Principal "produto" de Mileto: filósofos


Pedro J. Bondaczuk

A cidade de Mileto ganhou importância e ficou imortalizada na História não apenas por causa de seu filho mais ilustre, o filósofo Tales (embora só isso já bastaria), mas pela inventividade, operosidade e capacidade de iniciativa de seus habitantes. Era relativamente pequena, mesmo para os padrões da época. Esse fator, provavelmente, determinou que ali se desenvolvesse uma categoria de respeitáveis comerciantes e de hábeis navegadores, que levavam seus produtos – a localidade tinha a fama de produzir a melhor lã da Grécia antiga – para o Egito, a Fenícia e até para locais muito mais distantes, e traziam, na volta, de longe, o que os moradores precisavam ou somente cobiçavam.

Todavia, para nós, pessoas do século XXI, a única coisa que nos leva a querer conhecer Mileto – que integra o território da Turquia –  são os filósofos que produziu. Pode-se dizer, portanto, que esse foi seu principal “produto”. E que produto!  Tanto que os locais dessa milenar cidade que atraem os turistas do mundo todo, que a visitam hoje, são os vinculados à vida e á atuação tanto de Tales quanto de seus seletos ilustres discípulos, e sucessores, da chamada “escola jônia”. Esses sábios influenciaram dezenas (quiçá centenas, milhares ou sabe-se lá quantos) de pensadores de toda a Grécia antiga. Muito do que esses filósofos concluíram é aceito ainda hoje, como fundamentos da Filosofia. Mais do que entreposto comercial, portanto, Mileto foi notável centro cultural, irradiador de novas idéias e de evolução mental do ser humano.

Jostein Gaard escreve, no livro “O mundo de Sofia”, o seguinte sobre o principal “produto” da cidade, ou seja, as idéias geradas pelos seus sábios: “(...) O segundo filósofo de quem ouvimos falar foi Anaximandro que também vivia em Mileto. Ele dizia que o mundo é apenas um de muitos que existem e se dissolvem em algo que ele chamou de ‘o indefinido’. Não é fácil definir o que ele quis dizer com ‘o indefinido’, mas parece claro que não se referiu a uma substância específica como Tales. Talvez acreditasse que essa substância, da qual surgiriam todas as coisas, era totalmente diferente das coisas que ela originaria. Portanto, a substância primordial não poderia ser algo tão banal quanto a água, e sim uma substância ‘indeterminada’ (...)”.

Anaximandro foi filósofo, astrônomo e matemático, assim como Tales. Todavia, diferente de seu mentor, foi, também, geógrafo e político. Seus biógrafos citam que escreveu um livro, intitulado “Sobre a Natureza”. Contudo, ninguém jamais encontrou essa obra, o que leva à conclusão lógica de que ela se perdeu. Pesquisador organizado e pertinaz, é considerado o “pai” da Astronomia grega. Foi um dos primeiros a medir a distância entre as estrelas, aplicando métodos matemáticos, e a calcular sua magnitude. Atribui-se a Anaximandro a confecção de um dos primeiros mapas do mundo habitado de então, além de introduzir, na Grécia, o uso do relógio de sol, o tal do gnômon.

Pitoresca era sua idéia sobre o formato da Terra. Supunha que nosso planeta tinha a forma de um cilindro e que era circundada por várias rodas cósmicas, imensas e cheias de fogo. Mais curiosa ainda era sua concepção do Sol. Não o entendia como uma estrela, mas como um furo numa dessas rodas cósmicas que deixava o fogo passar. Não menos curiosa era sua tese sobre o dia, a noite e as estações do ano. Anaximandro achava que à medida  que a roda cósmica em que estava inserido girava, o Sol girava, também, em torno da Terra. Os eclipses ocorreriam em virtude do bloqueio total do furo em que o astro rei aparecia. Julian Marias, no livro “A História da Filosofia”, observa o seguinte sobre as principais concepções filosóficas deste discípulo de Tales: “Anaximandro... representa a passagem da simples designação de uma substância como princípio da natureza para uma ideia desta, mais aguda e profunda, que já aponta para os traços que irão caracterizá-la em toda a filosofia pré-socrática (...)”.

Jostein Gaard cita, no livro “O mundo de Sofia”, outro grande expoente da escola jônica: “(...) O terceiro filósofo de Mileto foi Anaximenes (c. 570-526 a.C). Ele sustentava que a substância primordial de todas as coisas deveria ser o ar ou a névoa. Anaximenes certamente estava familiarizado com a teoria de Tales sobre a água. Mas de onde viria a água? Anaximenes dizia que a água seria o ar condensado. Quando chove, podemos perceber a água se condensando no ar. Quando a água se condensa ainda mais, dizia ele, ela se transforma em terra. Talvez ele tivesse observado terra e areia surgindo da neve derretida. Da mesma forma ele dizia que o fogo seria o ar rarefeito. Segundo Anaxímenes, tanto terra quanto água e fogo seriam constituídos de ar (...)”.

Hoje, essas idéias dos três filósofos de Mileto parecem (e são) no mínimo exóticas. Mas, para a época, soavam, guardadas as devidas proporções, mais ou menos como soou para nós a “Teoria da Relatividade” de Albert Einstein, quando foi apresentada pelo físico alemão e antes que fosse demonstrada e aceita pelo mundo da ciência. Jostein Gaard diz mais sobre as idéias de Anaxímenes: “(...) O caminho desse raciocínio até as plantas que crescem nos campos não era tão longo. Talvez Anaxímenes achasse que terra, água, fogo e ar possibilitassem o surgimento da vida. Mas seu ponto de partida era ‘o ar’, ou ‘a névoa’. Ele também compartilhava a ideia de Tales, para quem deveria haver uma substância primordial que possibilitava todas as transformações na natureza (...)”. Mas qual seria essa substância primordial? Mais teorias a respeito é o que veremos na sequência...


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: