Friday, February 05, 2016

Conhecimento e sabedoria


Pedro J. Bondaczuk


O conhecimento é obra coletiva, mesmo que sua origem seja individual. Ele, contudo, só permanece, se consolida e se perpetua se transmitido (e não a uma ou duas pessoas, mas ao máximo que se puder). Caso contrário... Perece, vítima de inutilidade (salvo raríssimas exceções). São descobertas que não têm sentido prático e que, por isso, raramente se mantêm. O que sobrevive ao tempo e ao esquecimento é o conhecimento que se torna prático, que é testado e comprovado, e que é aperfeiçoado por terceiros, não raro ao longo de gerações, para suprir necessidades.

São os casos, para exemplificar, das descobertas de como produzir fogo, da invenção da roda, da domesticação de animais para suprir a necessidade humana de leite e de carne, da construção de ferramentas para facilitar o trabalho e de armas para se defender, do cultivo de plantas apropriadas à alimentação etc.etc.etc. E põe milhos de eteceteras nisso!!!! Foram elas que lançaram as bases da civilização e que se constituíram em molas propulsoras da evolução desse animal estranho, cujo poder reside não na capacidade física, na velocidade, na agilidade ou na força muscular, mas no raciocínio. Na capacidade de entendimento. Refiro-me, óbvio, ao homem, que para uns é o Homo Sapiens, para outros o Homo Sapiens Sapiens e para outros ainda, o Homo Demens pelas burrices que perpetra.

Todo o conhecimento que adquirimos só tem lógica e razão de ser se e quando revertido em benefício da preservação e da evolução da espécie. A pessoa apenas se realiza e justifica a existência quando vive em função do próximo, de cuja companhia e ajuda não pode prescindir. Tem, por conseqüência, a obrigação, o supremo dever de retribuir tudo isso, fazendo a sua parte. A cooperação é, pois, o único caminho sensato que nos conduz à realização pessoal, ao progresso, à felicidade e a uma vida melhor. Leon Tolstoi constatou, em “Guerra e Paz”: “Todo conhecimento é apenas adaptação da essência da vida às leis da razão”. O egoísmo, pois, é o maior exercício de burrice e de inutilidade que alguém pode praticar, assim como a ganância e, sobretudo, a omissão.

Somos, amiúde, arrogantes em relação ao conhecimento que adquirimos. Julgamo-nos o supra-sumo da sabedoria e, não raro, até olhamos com desprezo e pouco-caso os que não tiveram a oportunidade de conhecer o que conhecemos. Trata-se, na maioria das vezes, de comportamento até inconsciente e não-deliberado. Esquecemos, porém, que a maior parte do que aprendemos é fruto do trabalho intelectual de milhares, quiçá milhões de antepassados. E mesmo quando descobrimos algo relevante e novo, essa novidade baseia-se em conhecimento anterior, descoberto por pessoas que, não raro, caíram no esquecimento.

Há quem confunda conhecimento com sabedoria, julgando que sejam sinônimas. Não são. Embora pareçam iguais, são conceitos distintos. Ademais, nada do que conhecemos é definitivo e a salvo de mudanças. O que chamamos de “ciência”, nada mais é do que um processo especulativo, empírico, à base de tentativas e erros. Daí ser rigorosamente exata a conclusão do filósofo Bertrand Russell, quando conclui: “Todo conhecimento humano é incerto, inexato e parcial”. A escritora Sandra Carey estabelece uma das diferenças entre ambos ao observar: “Não confunda jamais conhecimento com sabedoria. Um ajuda a ganhar a vida; o outro a construir uma vida”.   

A poetisa Cora Coralina acrescentou outra distinção, no caso a forma como adquirimos os dois. Escreveu: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes”. O filósofo e místico chinês Lao-Tsé, figura lendária cujos ensinamentos sobrevivem ao tempo e ao esquecimento e servem-nos de guia passados mais de 2.600 anos, ensinava seus discípulos, por volta do ano 520 antes de Cristo: “Para ganhar conhecimento, adicione coisas todos os dias. Para ganhar sabedoria, elimine coisas todos os dias”. Ou seja, não basta conhecer. É indispensável saber o que fazer com esse conhecimento e distinguir o útil do inútil, distinção que só o verdadeiro sábio faz com correção.    

Os sistemas educacionais de hoje (salvo raríssimas e honrosas exceções) pecam por não saberem distinguir esses dois conceitos. Os responsáveis pelas políticas de educação confundem-na com mera acumulação de conhecimentos. É, “também”, isso, mas “não só isso”. Opta-se pela formação de repetidores de conceitos alheios, de meros papagaios, alguns, verdadeiras enciclopédias vivas, em detrimento dos pensadores. De pessoas capazes de raciocinar e de adotar postura crítica face qualquer informação e, sobretudo, aptas a acrescentar algo de próprio a ela. Desestimula-se, reitero, o raciocínio. Em muitas partes, as escolas têm praticamente o mesmo perfil autoritário e medieval de três, quatro ou mais séculos atrás. Conhecimentos são acumulados hoje de maneira muito mais rápida, eficiente e organizada em memórias de computadores do que no cérebro humano. Ao homem, porém, compete saber “como usar esse acervo para melhorar sua vida e a da comunidade em que se insere”.

Costumamos dizer, amiúde, sobre pessoas com as quais convivemos, que “as conhecemos muito bem”. Seria isso, de fato, possível? Temos condições de conhecer quem quer que seja se nem ao menos temos ciência das nossas próprias reações, impulsos e limitações? Tenho sérias dúvidas. No íntimo acredito que só podemos conhecer, dos outros, o que eles querem que conheçamos. O que sabemos do potencial de cada um, do que sente e o que pensa, realmente, do mundo, da vida e... de nós? Qual nossa avaliação sincera, honesta e objetiva sobre nós mesmos? Conhecemo-nos mesmo ou apenas “achamos” que temos esse conhecimento? Está aí excelente reflexão, que certamente pode mudar, para melhor, nossos relacionamentos.


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