Conhecimento e sabedoria
Pedro J. Bondaczuk
O conhecimento é obra coletiva, mesmo que sua origem seja
individual. Ele, contudo, só permanece, se consolida e se perpetua se
transmitido (e não a uma ou duas pessoas, mas ao máximo que se puder). Caso
contrário... Perece, vítima de inutilidade (salvo raríssimas exceções). São
descobertas que não têm sentido prático e que, por isso, raramente se mantêm. O
que sobrevive ao tempo e ao esquecimento é o conhecimento que se torna prático,
que é testado e comprovado, e que é aperfeiçoado por terceiros, não raro ao
longo de gerações, para suprir necessidades.
São os casos, para exemplificar, das descobertas de como
produzir fogo, da invenção da roda, da domesticação de animais para suprir a
necessidade humana de leite e de carne, da construção de ferramentas para
facilitar o trabalho e de armas para se defender, do cultivo de plantas
apropriadas à alimentação etc.etc.etc. E põe milhos de eteceteras nisso!!!!
Foram elas que lançaram as bases da civilização e que se constituíram em molas
propulsoras da evolução desse animal estranho, cujo poder reside não na
capacidade física, na velocidade, na agilidade ou na força muscular, mas no
raciocínio. Na capacidade de entendimento. Refiro-me, óbvio, ao homem, que para
uns é o Homo Sapiens, para outros o Homo Sapiens Sapiens e para outros ainda, o
Homo Demens pelas burrices que perpetra.
Todo o conhecimento que adquirimos só tem lógica e razão
de ser se e quando revertido em benefício da preservação e da evolução da
espécie. A pessoa apenas se realiza e justifica a existência quando vive em
função do próximo, de cuja companhia e ajuda não pode prescindir. Tem, por conseqüência,
a obrigação, o supremo dever de retribuir tudo isso, fazendo a sua parte. A
cooperação é, pois, o único caminho sensato que nos conduz à realização
pessoal, ao progresso, à felicidade e a uma vida melhor. Leon Tolstoi
constatou, em “Guerra e Paz”: “Todo conhecimento é apenas adaptação da essência
da vida às leis da razão”. O egoísmo, pois, é o maior exercício de burrice e de
inutilidade que alguém pode praticar, assim como a ganância e, sobretudo, a
omissão.
Somos, amiúde, arrogantes em
relação ao conhecimento que adquirimos. Julgamo-nos o supra-sumo da sabedoria
e, não raro, até olhamos com desprezo e pouco-caso os que não tiveram a
oportunidade de conhecer o que conhecemos. Trata-se, na maioria das vezes, de
comportamento até inconsciente e não-deliberado. Esquecemos, porém, que a maior
parte do que aprendemos é fruto do trabalho intelectual de milhares, quiçá
milhões de antepassados. E mesmo quando descobrimos algo relevante e novo, essa
novidade baseia-se em conhecimento anterior, descoberto por pessoas que, não
raro, caíram no esquecimento.
Há quem confunda conhecimento com
sabedoria, julgando que sejam sinônimas. Não são. Embora pareçam iguais, são
conceitos distintos. Ademais, nada do que conhecemos é definitivo e a salvo de
mudanças. O que chamamos de “ciência”, nada mais é do que um processo
especulativo, empírico, à base de tentativas e erros. Daí ser rigorosamente
exata a conclusão do filósofo Bertrand Russell, quando conclui: “Todo
conhecimento humano é incerto, inexato e parcial”. A escritora Sandra Carey
estabelece uma das diferenças entre ambos ao observar: “Não confunda jamais
conhecimento com sabedoria. Um ajuda a ganhar a vida; o outro a construir uma
vida”.
A poetisa Cora Coralina acrescentou outra distinção, no
caso a forma como adquirimos os dois. Escreveu: “O saber a gente aprende com os
mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes”. O
filósofo e místico chinês Lao-Tsé, figura lendária cujos ensinamentos
sobrevivem ao tempo e ao esquecimento e servem-nos de guia passados mais de
2.600 anos, ensinava seus discípulos, por volta do ano 520 antes de Cristo:
“Para ganhar conhecimento, adicione coisas todos os dias. Para ganhar
sabedoria, elimine coisas todos os dias”. Ou seja, não basta conhecer. É indispensável
saber o que fazer com esse conhecimento e distinguir o útil do inútil,
distinção que só o verdadeiro sábio faz com correção.
Os sistemas educacionais de hoje (salvo raríssimas e
honrosas exceções) pecam por não saberem distinguir esses dois conceitos. Os
responsáveis pelas políticas de educação confundem-na com mera acumulação de
conhecimentos. É, “também”, isso, mas “não só isso”. Opta-se pela formação de
repetidores de conceitos alheios, de meros papagaios, alguns, verdadeiras
enciclopédias vivas, em detrimento dos pensadores. De pessoas capazes de
raciocinar e de adotar postura crítica face qualquer informação e, sobretudo,
aptas a acrescentar algo de próprio a ela. Desestimula-se, reitero, o
raciocínio. Em muitas partes, as escolas têm praticamente o mesmo perfil
autoritário e medieval de três, quatro ou mais séculos atrás. Conhecimentos são
acumulados hoje de maneira muito mais rápida, eficiente e organizada em
memórias de computadores do que no cérebro humano. Ao homem, porém, compete
saber “como usar esse acervo para melhorar sua vida e a da comunidade em que se
insere”.
Costumamos dizer, amiúde, sobre
pessoas com as quais convivemos, que “as conhecemos muito bem”. Seria isso, de
fato, possível? Temos condições de conhecer quem quer que seja se nem ao menos
temos ciência das nossas próprias reações, impulsos e limitações? Tenho sérias
dúvidas. No íntimo acredito que só podemos conhecer, dos outros, o que eles
querem que conheçamos. O que sabemos do potencial de cada um, do que sente e o
que pensa, realmente, do mundo, da vida e... de nós? Qual nossa avaliação
sincera, honesta e objetiva sobre nós mesmos? Conhecemo-nos mesmo ou apenas
“achamos” que temos esse conhecimento? Está aí excelente reflexão, que
certamente pode mudar, para melhor, nossos relacionamentos.
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