Monday, February 22, 2016

Preconceito e violência



Pedro J. Bondaczuk


Os distúrbios ocorridos nesta semana, nos Estados Unidos, que começaram em Los Angeles e se estenderam a outras dez cidades norte-americanas, de sete Estados, trouxeram à tona, mais uma vez, a questão do preconceito racial nesse país.

A absolvição dos agressores de Rodney King, um negro, barbaramente espancado pelos policiais Laurence Powell, Theodore Briseno, Timothy Wind e Stacy Koon em 3 de março de 1991, cujo fato foi registrado por um cinegrafista amador e as imagens divulgadas praticamente no mundo todo, por um júri todo ele integrado por brancos, foi o estopim da revolta, a gota d’água que faltava para que ressentimentos acumulados por anos extravasassem.

As cenas do videoteipe falavam por si sós e por isso ninguém compreende – e certamente nem os próprios jurados – a razão de uma decisão tão infeliz, parcial e injusta do grupo encarregado de julgar os que exorbitaram da autoridade.

A vítima havia sido detida por dirigir em alta velocidade. Não resistiu à detenção e sequer esboçou o mínimo gesto de hostilidade. Ainda assim, King recebeu, em várias partes do corpo, 56 golpes de cassetete, chutes e socos, numa inesquecível cena de selvajaria que quem a presenciou, pela televisão, certamente jamais irá esquecer.

Compreende-se, até, a revolta da comunidade negra diante do ridículo veredito da Justiça, mas nada justifica que se responda à violência com outra violência ainda maior. Los Angeles virou uma praça de guerra, com centenas de incêndios se espalhando por toda a cidade, saques e depredações generalizados e, o que é pior, agressões de toda a sorte que redundaram na morte, até sexta-feira, de pelo menos 38 pessoas, ferimentos em cerca de 1.300 e prejuízos incalculáveis, que ascendem a alguns milhões de dólares. E, o que é mais grave, a imagem dos Estados Unidos, de uma sociedade quase perfeita, perante a comunidade mundial, ficou bastante comprometida.

Aliás, coincidentemente, há somente alguns dias, o filósofo esloveno, Slavoj Zizek, comentando o fim do comunismo e a desagregação da ex-União Soviética, previu conflitos como este em países capitalistas. Observou: “Sem o mundo comunista, desapareceu a figura do inimigo externo que deve ser exterminado. As lutas agora se transferiram para a esfera interna. Não é verdade, como diz Francis Fukuyama, que com a queda do comunismo terminaram os antagonismos e a História”.

Não são apenas os Estados Unidos que têm essa autêntica bomba de tempo montada em seu interior para explodir a qualquer momento chamada preconceito. Na Alemanha, por exemplo, o ressurgimento do nazismo, com toda a sua ideologia de ódio e de pretensa superioridade racial, vem gerando crescentes tumultos, de dimensões futura imprevisíveis.

França, Grã-Bretanha, Itália, apenas para mencionar outras potências, estão muito longe de ser os oásis de paz e solidariedade que alguns apregoam, muitos sonham construir, mas que ninguém se empenha seriamente para tornar concretos. Isto para não citar o antagonismo étnico em várias partes da Europa, especialmente no Leste europeu e os fundamentalismos religiosos, instigando ódios em seguidores fanatizados, ao invés de mensagens de amor, como seria de se esperar da parte de qualquer religião.

Mais do que nunca, os homens se odeiam, se agridem e ressaltam pequenas e irrelevantes diferenças, quando deveriam se concentrar em cultivar as enormes semelhanças. Martin Luther King, na década de 1960, definiu com clareza o que está por trás das atitudes segregacionistas: “A segregação racial é alicerçada em medos irracionais como a perda de privilégio econômico, a posição social alterada, os casamentos interraciais e o ajustamento a situações novas”.

Teme-se que explosões de violência como as verificadas nesta semana no Estado da Califórnia e em outros seis dos Estados Unidos venham a se repetir em graus crescentes. Pretextos sempre existirão enquanto não houver uma consciência clara de que os sistemas sociais existentes, que classificam os homens e determinam seus destinos pelo que eles têm e não pelo que são, são perversos, injustos e ilógicos. Afinal, como indagou William Shakespeare, numa de suas peças: “O que é a cidade senão as pessoas?”.   

(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 3 de maio de 1992)


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