Preconceito
e violência
Pedro J. Bondaczuk
Os distúrbios ocorridos nesta semana, nos Estados
Unidos, que começaram em Los Angeles e se estenderam a outras dez cidades
norte-americanas, de sete Estados, trouxeram à tona, mais uma vez, a questão do
preconceito racial nesse país.
A absolvição dos agressores de Rodney King, um
negro, barbaramente espancado pelos policiais Laurence Powell, Theodore
Briseno, Timothy Wind e Stacy Koon em 3 de março de 1991, cujo fato foi
registrado por um cinegrafista amador e as imagens divulgadas praticamente no
mundo todo, por um júri todo ele integrado por brancos, foi o estopim da
revolta, a gota d’água que faltava para que ressentimentos acumulados por anos
extravasassem.
As cenas do videoteipe falavam por si sós e por isso
ninguém compreende – e certamente nem os próprios jurados – a razão de uma
decisão tão infeliz, parcial e injusta do grupo encarregado de julgar os que
exorbitaram da autoridade.
A vítima havia sido detida por dirigir em alta
velocidade. Não resistiu à detenção e sequer esboçou o mínimo gesto de
hostilidade. Ainda assim, King recebeu, em várias partes do corpo, 56 golpes de
cassetete, chutes e socos, numa inesquecível cena de selvajaria que quem a
presenciou, pela televisão, certamente jamais irá esquecer.
Compreende-se, até, a revolta da comunidade negra
diante do ridículo veredito da Justiça, mas nada justifica que se responda à
violência com outra violência ainda maior. Los Angeles virou uma praça de
guerra, com centenas de incêndios se espalhando por toda a cidade, saques e
depredações generalizados e, o que é pior, agressões de toda a sorte que
redundaram na morte, até sexta-feira, de pelo menos 38 pessoas, ferimentos em
cerca de 1.300 e prejuízos incalculáveis, que ascendem a alguns milhões de dólares.
E, o que é mais grave, a imagem dos Estados Unidos, de uma sociedade quase
perfeita, perante a comunidade mundial, ficou bastante comprometida.
Aliás, coincidentemente, há somente alguns dias, o
filósofo esloveno, Slavoj Zizek, comentando o fim do comunismo e a desagregação
da ex-União Soviética, previu conflitos como este em países capitalistas.
Observou: “Sem o mundo comunista, desapareceu a figura do inimigo externo que
deve ser exterminado. As lutas agora se transferiram para a esfera interna. Não
é verdade, como diz Francis Fukuyama, que com a queda do comunismo terminaram
os antagonismos e a História”.
Não são apenas os Estados Unidos que têm essa
autêntica bomba de tempo montada em seu interior para explodir a qualquer
momento chamada preconceito. Na Alemanha, por exemplo, o ressurgimento do
nazismo, com toda a sua ideologia de ódio e de pretensa superioridade racial,
vem gerando crescentes tumultos, de dimensões futura imprevisíveis.
França, Grã-Bretanha, Itália, apenas para mencionar
outras potências, estão muito longe de ser os oásis de paz e solidariedade que
alguns apregoam, muitos sonham construir, mas que ninguém se empenha seriamente
para tornar concretos. Isto para não citar o antagonismo étnico em várias
partes da Europa, especialmente no Leste europeu e os fundamentalismos
religiosos, instigando ódios em seguidores fanatizados, ao invés de mensagens
de amor, como seria de se esperar da parte de qualquer religião.
Mais do que nunca, os homens se odeiam, se agridem e
ressaltam pequenas e irrelevantes diferenças, quando deveriam se concentrar em
cultivar as enormes semelhanças. Martin Luther King, na década de 1960, definiu
com clareza o que está por trás das atitudes segregacionistas: “A segregação
racial é alicerçada em medos irracionais como a perda de privilégio econômico,
a posição social alterada, os casamentos interraciais e o ajustamento a
situações novas”.
Teme-se que explosões de violência como as
verificadas nesta semana no Estado da Califórnia e em outros seis dos Estados
Unidos venham a se repetir em graus crescentes. Pretextos sempre existirão
enquanto não houver uma consciência clara de que os sistemas sociais
existentes, que classificam os homens e determinam seus destinos pelo que eles
têm e não pelo que são, são perversos, injustos e ilógicos. Afinal, como
indagou William Shakespeare, numa de suas peças: “O que é a cidade senão as
pessoas?”.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em 3 de maio de 1992)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczsuk
No comments:
Post a Comment