Como acabar com o “condomínio da catástrofe”
Pedro J.
Bondaczuk
O grande assunto da semana recém-finda foi, sem dúvida
alguma, o pronunciamento feito na segunda-feira, através de cadeia de rádio e
TV, pelo presidente José Sarney. E nem tanto pela sua fala, mas, sobretudo,
pelas reações da sociedade em relação a ela.
As opiniões a respeito ficaram
bastante divididas, em todos os setores da vida pública, com uns achando
“divino e maravilhoso” tudo o que o nosso governante disse e outros afirmando
que a preleção não passou de um decepcionante desfile de obviedades. Os
críticos dizem que o presidente fez (aliás, corretamente) o diagnóstico da
doença, mas não aviou a receita para curar a moléstia.
Nem tanto ao céu e nem tanto à
terra. O pronunciamento, tão ansiosamente aguardado pela Nação, poderia,
realmente, ter sido pelo menos mais específico, mais objetivo quanto às medidas
que o governo pretende adotar para que a atual gestão são seja equivalente à
tarefa de “um síndico da massa falida”, no dizer do próprio Sarney.
Mas afirmar que a fala esteve
totalmente despida de conteúdo, francamente, é sinal de extrema má vontade. Ou,
até mesmo, manifestação de interesses contrariados. E esses, todos sabem,
existem às mancheias.
O que resolveria, por exemplo, o
presidente se estender, por horas a fio, numa longa arenga, num obscuro
“economês”, entendido apenas por meia dúzia de iluminados? Nenhum governante,
quando apresenta seu projeto de governo perante a população, desce a detalhes.
Prende-se, geralmente, às linhas básicas que vão nortear a sua ação, deixando a
cargo dos respectivos ministros, das áreas afetadas por essas tarefas, e pelos
canais apropriados para isso, o detalhamento de cada projeto.
Adiantaria Sarney falar em
“spreads”, “libors”, “overnights”, e outros quetais, para uma população
constituída por 51 milhões de analfabetos (incluídos, entre estes, os
caracterizados como “funcionais”)? Todos sabem o que aconteceria. O
pronunciamento iria estender-se noite adentro e Sarney falaria para apenas uma
meia dúzia de entendidos. O restante dos televisores seria desligado. Ninguém
tem paciência de ferro.
É fato que a longa crise que se
abateu sobre o Brasil desde 1979 (embora os efeitos mais cruéis apenas viessem
a ser sentidos a partir de 1982), está asfixiando as pessoas. Seis anos de
privações e de incertezas são mais do que suficientes para endoidar qualquer
cidadão equilibrado.
Esse longo período catastrófico,
que evoluiu dramaticamente, com as más notícias se sucedendo num crescendo e as
fórmulas “milagrosas e salvadoras” fracassando uma a uma, minou as reservas de
esperanças da população. As pessoas, impedidas de manifestar tudo o que
pensavam, foram recalcando as frustrações. E, numa espécie de prudente
autodefesa, cristalizaram a sua revolta num amargo pessimismo. Num ceticismo
profundo a tudo que cheirasse a governo.
Com o advento da Nova República,
o povo viu renascer, posto que palidamente, as esperanças. Passou a esperar por
milagres, não do tipo que lhe foram impingidos no regime anterior,
exaustivamente, através de mensagens triunfalistas. Esses todos sabem no que
deu, pois estão pagando (e caro) os ônus dessa aventura.
O primeiro golpe nas expectativas
populares veio no dia 15 de março passado, com o súbito mal que acometeu o
presidente eleito Tancredo Neves, redundando no trágico desfecho da sua morte.
Outros mais virão, certamente. Assim como alegrias e sucessos. A vida é assim.
Os decepcionados com o
pronunciamento desta semana de José Sarney esperavam a enunciação de alguma
fórmula miraculosa. De alguma artimanha mágica que, subitamente, nos
transformasse de país mais endividado do mundo em um supercredor.
De uma sociedade onde persistem
ilhas de miséria comparáveis às regiões mais pobres da África, em um paraíso de
opulência. Enfim, de um povo descrente, necessitado e cabisbaixo em outro
vendendo saúde, espalhando cultura e extravasando contentamento.
Tal transformação, se possível,
não se faz da noite para o dia. Às vezes nem mesmo em séculos. Mas para isso, o
presidente apontou um caminho: acreditar. Acreditar e trabalhar. Trabalhar e
poupar. Poupar e cooperar, numa corrente de solidariedade.
Ninguém, em lugar algum, possui
fórmulas salvadoras, miraculosas ou mágicas. E quem disser que as tem, deve ser
internado num hospício ou ser preso. Ou é louco, ou um rematado vigarista. O
Brasil que nós queremos, nós mesmos teremos que construir. Como, aliás, fizeram
todos os povos dos países hoje considerados mais evoluídos do mundo.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 28 de
julho de 1985).
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