Quando filosofia
resulta num best-seller
Pedro
J. Bondaczuk
O que você pensaria,
meu caro e fiel leitor, se eu lhe dissesse que um dos livros mais vendidos, nos
últimos vinte anos, nas principais praças culturais do mundo, trata,
especificamente, de filosofia? É quase certo, se quiser ser gentil e educado
(como a maioria que me prestigia com sua leitura é), que você ache que fui
afoito, que estou mal informado e que, portanto, me equivoquei. Já aquele
sujeito ranheta e mal educado, de bronca com a vida, que critica até vírgula
que ache mal colocada em meus textos, mas que ainda assim insiste em acompanhar
o que escrevo, provavelmente dirá, em tom irônico, se não raivoso: “Esse cara
está maluco!!! Ora, filosofia... Só lê livros a respeito quem tenha formação
cultural específica. E estes são pouquíssimos. Será que esse cara não sabe? Não
venha, portanto, com esta!”
Pois é, meus preciosos
e imprescindíveis leitores – tanto os amigáveis e gentis, quanto os ranhetas,
ávidos por me pilharem em equívoco – desta vez não me enganei, embora assim
pareça, não estou mal informado e nem estou exagerando. Um dos livros mais
vendidos na Europa, nos Estados Unidos e (pasmem) no Brasil, tem, mesmo, como
pano de fundo, a Filosofia. Mais especificamente, a história dessa “mãe de
todas as ciências”. E não foi o escrito pelo inglês Bertrand Russell, uma espécie
de clássico no assunto, cujas vendas, todavia, estão longe de caracterizar sua
obra como best-seller. Esse, intitulado “História da filosofia ocidental”
também li e, aliás, tenho-o agora em mãos. Considero-o, no entanto, teórico
demais para o meu gosto. Está eivado de jargões característicos da “mãe de
todas as ciências”, que sempre tive dificuldades para entender e memorizar.
O livro a que me refiro
é outro, é de um norueguês. Trata-se de um professor de filosofia – que,
todavia, não se considera filósofo – nascido em Oslo, em 8 de agosto de 1952.
Seu nome? Jostein Gaarder. Desde que lançou, em 1986, seu primeiro romance,
intitulado “O pássaro raro”, tomou gosto pela Literatura. Tanto que largou o
magistério para dedicar-se, exclusivamente, em tempo integral, às letras. Não
sei se fez bem, mas... pelo visto, tomou a decisão correta. No entanto, o livro
com o qual conquistou a fama, no competitivo e complicado cenário editorial
internacional, ao qual me refiro, não foi esse que citei antes. Foi “O mundo de
Sofia”. Há tanta coisa a ser dita a propósito dessa publicação, tanta, tanta e
tanta que precisarei de vários comentários para abordá-lo de forma minimamente
decente.
Para o leitor ter uma
idéia da aceitação desse livro, escrito em norueguês, mas traduzido para 53
idiomas e lançado na Europa em 1991, informo que, até 2005, já haviam sido
vendidos 26 milhões de exemplares. Apenas na Alemanha, mais de três milhões de
cópias tinham sido adquiridas. Agora, passados dez anos desse levantamento,
tais números são muito maiores. Não sei a quanto andam, mas suponho que sejam o
dobro. E pensar que, no fundo, no fundo, é a história da filosofia ocidental!!!
Mas tem grande diferença em relação a livros congêneres. O relato é feito
através de ficção. E sem os jargões da disciplina, necessários, mas que
dificultam a leitura dos leigos e impedem que obras sobre o assunto sejam
minimamente populares.
Diz-se que o brasileiro
não gosta de ler. E considerando a nossa população e o tanto de livros vendidos
anualmente, parece não gostar de fato. Imaginem quando o assunto é filosofia!!!
Pois bem, pasmem! “O mundo de Sofia” foi lançado no Brasil (pelo selo jovem
“Seguinte”, da Editora Companhia das Letras) em 2005, traduzido, diretamente do
norueguês, por Leonardo Pinto Silva. Sabem quantos exemplares já haviam sido
vendidos até o início de 2014? Mais de um milhão!!! O volume que tenho em mãos,
por exemplo, foi impresso no ano passado. Trata-se (pasmem de novo), da 90ª
reimpressão!!! É um livro que não encalha de jeito algum nas prateleiras das
livrarias. Vem esgotando edições e mais edições. E tem por foco a filosofia!!!
Mais especificamente, a sua história.
Para que o leitor tenha
pálida idéia do conteúdo dessa obra, reproduzo o trecho que consta da
contracapa, que é o seguinte: “(...) Às vésperas de seu aniversário de quinze
anos, Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões postais bastante
estranhos. Os bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde
vem o mundo. Os postais são enviados do Líbano, por um major desconhecido, para
uma certa Hilde Moller Knag, garota a quem Sofia também não conhecia. O
mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste romance
fascinante, que vem conquistando milhões de leitores em todos os países onde
foi lançado. De capítulo em capítulo, de ‘lição’ em ‘lição’ o leitor é
convidado a percorrer toda a história da filosofia ocidental, ao mesmo tempo em
que se vê envolvido por um thriller que toma um rumo surpreendente (...)”. É
dessa preciosidade literária (e filosófica) que tratarei na sequência.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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