Friday, February 19, 2016

Reconhecimento posto que tardio


Pedro J. Bondaczuk

A história da Filosofia é incompleta quando ignora o papel das mulheres na sua gênese, evolução e consolidação. Todavia, são raros os livros a esse propósito que sequer mencionam, mesmo que de passagem, a imprescindível contribuição dada por tantas e tantas e tantas filósofas notáveis, que fizeram com que “a mãe de todas as ciências” fosse o que é hoje e, dessa forma, cumprisse seu papel na evolução humana, inclusive no aspecto material, muitas delas com o sacrifício da própria vida. Nesta série de comentários que me propus a fazer, que são como que um longo parêntese na análise do livro “O mundo de Sofia”, do norueguês Jostein Gaarder, mencionei 37 mulheres que se dedicaram à Filosofia, nas diversas eras históricas, das milhares, quiçá milhões que atuaram nessa área e de cuja existência sequer desconfiamos. Trata-se de pífia tentativa da minha parte de estimular o reconhecimento da importância das mulheres, mesmo que tardio. Adotei como base a enciclopédia eletrônica Wikipédia, uma das raras fontes que encontrei desse tipo de informação.

No que se refere a filósofas da Era Contemporânea – de meados do século XIX até nossos dias – citei, posto que, infelizmente, apenas de passagem, cinco mulheres cultas, eruditas, sábias e, sobretudo corajosas: Rosa de Luxemburgo, Lou Andréas-Salomé, Edith Stein, Maria Zambrano e Hannah Arendt. No entanto, esta série de comentários ficaria mais vazia e incompleta ainda do que já é se deixasse de citar a atuação das outras seis mulheres, relacionadas pela Wikipédia, que atuaram nesse período. Elas foram as pioneiras que abriram caminho para milhões de filósofas que se dedicam a essa indispensável atividade mundo afora na atualidade.

A francesa Simone de Beauvoir (Simone-Lucier-Ernestine Marie Bertrand de Beauvoir), que nasceu em 9 de janeiro de 1908 e morreu em 14 de abril de 1986, passou para a história como representante da corrente filosófica conhecida como Existencialismo. Sua linha de pensamento teve nítida influência de Jean-Paul Sartre, Friedrich Nietzsche e Karl Marx. Foi colaboradora da revista “Tempos Modernos”. Nas décadas de 50 e 60 do século passado viajou pelo mundo, divulgando e debatendo suas idéias filosóficas com os mais heterogêneos grupos políticos e feministas. Seu livro “Segundo sexo” tornou-se fonte obrigatória para o conhecimento da verdadeira condição feminina na época em que atuou e que serviu de inspiração para os mais sólidos movimentos feministas. Outros três livros dela, bastante importantes, entre tantos que publicou, são: “Por uma moral da ambigüidade”, “A força das coisas” e “Balanço final”.

A norte-americana Angela Yvonne Davis, que nasceu em 26 de janeiro de 1944, está, aos 71 anos de idade, em plena atividade, atuando como filósofa e ativista política vinculada ao Partido Comunista dos Estados Unidos. Destacou-se por sua atuação no movimento “Black Power” dos anos 70 do século XX que, entre outras bandeiras, moveu implacável oposição à Guerra do Vietnã e batalhou para a conquista dos direitos civis da população negra em seu país. Sua obra e sua constante atuação pública debatem conceitos tais como liberdade e liberação e refletem sobre sexismo e racismo, além dos princípios de classe e de poder. Seus livros e tantos artigos na imprensa fundamentam-se num pensamento transformador como desafio para a reflexão filosófica deste nosso tempo.

A outra filósofa norte-americana de relevo, Suzanne Langer, seguiu linha bastante diversa da de Angela Davis. Essa mulher erudita nasceu em 20 de dezembro de 1895 e morreu, aos 90 anos, em 17 de julho de 1985. O foco da sua atividade foi a filosofia da arte, como seguidora do notável filósofo Ernest Cassirer. Tem várias obras traduzidas para o português, sendo que a mais conhecida é “Filosofia em nova chave”. Seus livros e tantos artigos enfocam o papel da arte no conhecimento humano. Suzanne Langer influenciou uma quantidade enorme de intelectuais e de artistas, mundo e tempo afora. Omitir sua importância na história da Filosofia seria, além de incompreensível injustiça, verdadeira heresia.

A filósofa, escritora, dramaturga e roteirista Ayn Rand (cujo nome de batismo era Alisa Zynovievna Rosenbaum) nasceu na cidade russa de São Petersburgo, em 2 de fevereiro de 1905, mas adotou a nacionalidade norte-americana, por viver a maior parte da sua vida, atuar e morrer (em 6 de março de 1982) nos Estados Unidos. Era de origem judia. Como filósofa, ficou conhecida pelo desenvolvimento do sistema filosófico que chamou de Objetivismo. Tanto sua filosofia, quanto sua ficção, enfatizam noções de individualismo, egoísmo racional e capitalismo.

A filósofa Sarah Kofman, que nasceu em 14 de setembro de 1934 e morreu em 15 de outubro de 1994, foi uma das mais significativas pensadoras da França no pós-guerra. Sua obra, vasta e eclética, consiste de mais de vinte livros publicados, com estudos sobre a mulher na psicanálise freudiana (considerada a mais completa análise da sexualidade feminina na visão de Freud), a contribuição das filósofas na filosofia ocidental e análises sobre o pensamento de Nietzsche, entre tantos temas a que se dedicou.

Finalmente, Júlia Kristeva, que nasceu na Bulgária, em 24 de junho de 1941, mas que vive e atua na França, além de filósofa, é, aos 74 anos de idade, escritora, psicanalista, crítica literária e ativíssima feminista. Essa mulher erudita e sumamente culta é autora de vários livros, com temas das mais diversas áreas do conhecimento, com ênfase nas artes, na lingüística, no feminismo e no pós-estruturalismo. Entre suas obras destacam-se “Introdução à semanálise”, “As novas doenças da alma” e “Estrangeiros para nós mesmos”.

Espero que, com esta série de comentários, mesmo que sumamente resumidos e incompletos, eu possa ter dado uma pequena e pálida contribuição para a divulgação do relevante papel das mulheres para o nascimento, evolução e consolidação da Filosofia, o que só agora começa a ser minimamente reconhecido, graças à inteligente, persistente e corajosa atuação de tantas e tantas filósofas que comprovaram, na prática, que inteligência e competência não são e nunca serão questões de sexo.


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