Wednesday, February 17, 2016

A maior conquista feminina

Pedro J. Bondaczuk

A "guerra santa" das mulheres, em busca da sonhada igualdade de direitos e oportunidades com os homens, iniciada em época remotíssima, tão remota que sequer é registrada pela História, ainda está longe de acabar. É verdade que da segunda metade do século XX em diante, elas  obtiveram importantes conquistas, sequer sonhadas apenas cem anos atrás por suas passivas e obedientes avós. A principal é o direito de “pensar” e de expressar, livremente, sem nenhum cerceamento, suas idéias. Daí haver, em nosso tempo, número expressivo de filósofas. Hoje, salvo em determinadas sociedades nacionais mais atrasadas (que aliás, nem mesmo são poucas), elas já têm, entre outros, o direito à instrução plena. Freqüentam escolas de todos os níveis e universidades, onde já são maioria e têm inegável destaque intelectual. Contudo, estimativas dão conta que há, em pleno século XXI, em torno de um bilhão de mulheres sem acesso algum aos bancos escolares, sendo, portanto, rigorosamente analfabetas.

Nada, porém, lhes foi oferecido de bandeja, dado de graça, como uma espécie de benesse. Pelo contrário, suas conquistas são fruto de muita luta, na qual não faltaram mártires. Muitas e muitas mulheres foram confinadas em prisões pelo “crime” de pensar. Várias pagaram com a vida por essa “ousadia”. Outras tantas foram agredidas, humilhadas, exploradas e desrespeitadas em sua dignidade. As mulheres conquistaram, por exemplo, o direito de votar e de serem votadas. Observe-se que esse ato elementar de civilidade e cidadania era, até o início do século XX, algo que parecia absolutamente inacessível ao mundo feminino. Elas passaram, todavia, como ressaltei, a freqüentar maciçamente as escolas. Ascenderam às universidades, tomaram de assalto os laboratórios de pesquisa, as redações de jornais, os meios de comunicação em geral, onde, em muitos países (inclusive no Brasil), já chegam a se constituir em maioria.

Durante a Segunda Guerra Mundial, quando a maior parte dos homens saudáveis e produtivos teve que pegar em armas, em lugares como os Estados Unidos e alguns da Europa, para combater o nazismo, a mão de obra feminina foi fundamental e decisiva para o sucesso do esforço bélico e para manter as engrenagens da economia em pleno andamento. Assumiram o papel de operárias e demonstraram absoluta eficiência. Hoje, principalmente nos países de maior desenvolvimento, elas ocupam, e cada vez mais, posições de destaque e de poder, como empresárias, profissionais liberais, políticas etc. São médicas, astronautas e engenheiras. Comandam navios, pilotam aviões e fazem coisas inacreditáveis. São atletas bem-sucedidas, que nada ficam a dever aos homens. Tratam-se de vitórias nada desprezíveis, convenhamos.

Há, no entanto, ainda longo, acidentado e penoso caminho a percorrer. As mulheres seguem às voltas com os mais variados tipos de violência: no lar, no trabalho e na sociedade. São vítimas, na maioria das vezes silenciosas e indefesas, de agressões físicas, sexuais e psicológicas de todos os tipos e intensidades. E de outras tantas formas de violência, bem mais sutis, embora não menos perversas, como a desvalorização no mercado de trabalho (recebendo salários sempre menores do que os homens que exercem as mesmas funções), as dificuldades de ascensão a postos de comando (nas empresas e na política) e a dupla jornada. Elas jamais pretenderam (e nem pretendem) apenas inverter os papéis tradicionais. Não querem passar de dominadas a dominadoras. Desejam, isto sim, a posição de parceiras, em absoluto pé de igualdade com os homens, o que, convenhamos, é para lá de lógico.

Não é, no entanto, o que acontece, mesmo nas sociedades consideradas mais avançadas, nos aspectos social, jurídico, econômico, cultural e... filosófico, que integram o seleto rol do que se convencionou chamar de "Primeiro Mundo". O que dizer, então, de Estados que pararam no tempo, da África, Ásia e América Latina, atrasados em todos os sentidos, alguns ainda vivendo virtualmente na Idade da Pedra Lascada, no que diz respeito aos direitos humanos? Relatório recente, divulgado pelo Banco Mundial, revela, por exemplo, que dos mais pobres do mundo, 70% ainda são mulheres! É certo que elas, ao longo do recém findo século XX, derrubaram barreiras, venceram tabus, ocuparam espaços e desbravaram o caminho da igualdade, da liberdade e da responsabilidade.

Toda a humanidade saiu lucrando com essas conquistas. As mulheres passaram a votar, a disputar colocação no mercado de trabalho, a chefiar lares (fazendo as vezes, não raro, de mães e de “pais” simultaneamente), a ocupar assento nas escolas, a invadir os bancos das universidades, a penetrar nos recantos mais indevassáveis de outrora, a marcar presença nas cátedras, tribunas, púlpitos, redações, escritórios, gabinetes, laboratórios, consultórios, quadras, campos, piscinas, fábricas, etc.etc.etc. e... a filosofar. Convenhamos que o número de filósofas, pelo menos das mundialmente conhecidas e divulgadas, é, relativamente pequeno. Mas não por eventual deficiência intelectual feminina, longe disso. A maioria delas dedica-se ao magistério e suas idéias restringem-se ao mundo acadêmico. Raras publicam teses que sejam amplamente divulgadas, embora “filosofem”, e muito, e bem.

A enciclopédia eletrônica Wikipédia – fonte que elegi para fundamentar esta série de comentários – relaciona, no período dito Contemporâneo (que para muitos se iniciou em 1792, com a Revolução Francesa, e para outros teve início na segunda metade do século XIX), onze filósofas consagradas e conhecidas no mundo todo, de um total de 37 que cita ao longo da História da Filosofia. Claro que elas ascendem aos milhares, quiçá aos milhões e neste preciso instante é provável que uma imensa quantidade delas esteja elaborando teses e mais teses que talvez se consagrem e as perpetuem em um futuro, quiçá, bastante próximo. Na sequência, trarei à baila, em dois textos distintos, breves referências a essas pioneiras que contribuíram, decisivamente, para as tantas conquistas femininas em decorrência da sua luta, sua coragem e seu sacrifício. Elas, e suas ilustres antecessoras desde a remotíssima Antiguidade, são as heroínas dessa luta das mulheres pelo simples, posto que inalienável, direito de pensar, que por milênios lhes foi sonegado.


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