A
maior conquista feminina
Pedro J. Bondaczuk
A "guerra santa" das
mulheres, em busca da sonhada igualdade de direitos e oportunidades com os
homens, iniciada em época remotíssima, tão remota que sequer é registrada pela
História, ainda está longe de acabar. É verdade que da segunda metade do século
XX em diante, elas obtiveram importantes
conquistas, sequer sonhadas apenas cem anos atrás por suas passivas e
obedientes avós. A principal é o direito de “pensar” e de expressar,
livremente, sem nenhum cerceamento, suas idéias. Daí haver, em nosso tempo,
número expressivo de filósofas. Hoje, salvo em determinadas sociedades
nacionais mais atrasadas (que aliás, nem mesmo são poucas), elas já têm, entre
outros, o direito à instrução plena. Freqüentam escolas de todos os níveis e
universidades, onde já são maioria e têm inegável destaque intelectual.
Contudo, estimativas dão conta que há, em pleno século XXI, em torno de um
bilhão de mulheres sem acesso algum aos bancos escolares, sendo, portanto,
rigorosamente analfabetas.
Nada, porém, lhes foi oferecido
de bandeja, dado de graça, como uma espécie de benesse. Pelo contrário, suas
conquistas são fruto de muita luta, na qual não faltaram mártires. Muitas e
muitas mulheres foram confinadas em prisões pelo “crime” de pensar. Várias
pagaram com a vida por essa “ousadia”. Outras tantas foram agredidas,
humilhadas, exploradas e desrespeitadas em sua dignidade. As mulheres
conquistaram, por exemplo, o direito de votar e de serem votadas. Observe-se
que esse ato elementar de civilidade e cidadania era, até o início do século
XX, algo que parecia absolutamente inacessível ao mundo feminino. Elas
passaram, todavia, como ressaltei, a freqüentar maciçamente as escolas.
Ascenderam às universidades, tomaram de assalto os laboratórios de pesquisa, as
redações de jornais, os meios de comunicação em geral, onde, em muitos países
(inclusive no Brasil), já chegam a se constituir em maioria.
Durante a Segunda Guerra Mundial,
quando a maior parte dos homens saudáveis e produtivos teve que pegar em armas,
em lugares como os Estados Unidos e alguns da Europa, para combater o nazismo,
a mão de obra feminina foi fundamental e decisiva para o sucesso do esforço
bélico e para manter as engrenagens da economia em pleno andamento. Assumiram o
papel de operárias e demonstraram absoluta eficiência. Hoje, principalmente nos
países de maior desenvolvimento, elas ocupam, e cada vez mais, posições de
destaque e de poder, como empresárias, profissionais liberais, políticas etc.
São médicas, astronautas e engenheiras. Comandam navios, pilotam aviões e fazem
coisas inacreditáveis. São atletas bem-sucedidas, que nada ficam a dever aos
homens. Tratam-se de vitórias nada desprezíveis, convenhamos.
Há, no entanto, ainda longo,
acidentado e penoso caminho a percorrer. As mulheres seguem às voltas com os
mais variados tipos de violência: no lar, no trabalho e na sociedade. São
vítimas, na maioria das vezes silenciosas e indefesas, de agressões físicas,
sexuais e psicológicas de todos os tipos e intensidades. E de outras tantas
formas de violência, bem mais sutis, embora não menos perversas, como a
desvalorização no mercado de trabalho (recebendo salários sempre menores do que
os homens que exercem as mesmas funções), as dificuldades de ascensão a postos
de comando (nas empresas e na política) e a dupla jornada. Elas jamais
pretenderam (e nem pretendem) apenas inverter os papéis tradicionais. Não
querem passar de dominadas a dominadoras. Desejam, isto sim, a posição de
parceiras, em absoluto pé de igualdade com os homens, o que, convenhamos, é
para lá de lógico.
Não é, no entanto, o que
acontece, mesmo nas sociedades consideradas mais avançadas, nos aspectos
social, jurídico, econômico, cultural e... filosófico, que integram o seleto
rol do que se convencionou chamar de "Primeiro Mundo". O que dizer,
então, de Estados que pararam no tempo, da África, Ásia e América Latina,
atrasados em todos os sentidos, alguns ainda vivendo virtualmente na Idade da
Pedra Lascada, no que diz respeito aos direitos humanos? Relatório recente,
divulgado pelo Banco Mundial, revela, por exemplo, que dos mais pobres do
mundo, 70% ainda são mulheres! É certo que elas, ao longo do recém findo século
XX, derrubaram barreiras, venceram tabus, ocuparam espaços e desbravaram o
caminho da igualdade, da liberdade e da responsabilidade.
Toda a humanidade saiu lucrando
com essas conquistas. As mulheres passaram a votar, a disputar colocação no
mercado de trabalho, a chefiar lares (fazendo as vezes, não raro, de mães e de
“pais” simultaneamente), a ocupar assento nas escolas, a invadir os bancos das
universidades, a penetrar nos recantos mais indevassáveis de outrora, a marcar
presença nas cátedras, tribunas, púlpitos, redações, escritórios, gabinetes,
laboratórios, consultórios, quadras, campos, piscinas, fábricas, etc.etc.etc.
e... a filosofar. Convenhamos que o número de filósofas, pelo menos das
mundialmente conhecidas e divulgadas, é, relativamente pequeno. Mas não por
eventual deficiência intelectual feminina, longe disso. A maioria delas dedica-se
ao magistério e suas idéias restringem-se ao mundo acadêmico. Raras publicam
teses que sejam amplamente divulgadas, embora “filosofem”, e muito, e bem.
A enciclopédia eletrônica
Wikipédia – fonte que elegi para fundamentar esta série de comentários –
relaciona, no período dito Contemporâneo (que para muitos se iniciou em 1792,
com a Revolução Francesa, e para outros teve início na segunda metade do século
XIX), onze filósofas consagradas e conhecidas no mundo todo, de um total de 37
que cita ao longo da História da Filosofia. Claro que elas ascendem aos
milhares, quiçá aos milhões e neste preciso instante é provável que uma imensa
quantidade delas esteja elaborando teses e mais teses que talvez se consagrem e
as perpetuem em um futuro, quiçá, bastante próximo. Na sequência, trarei à
baila, em dois textos distintos, breves referências a essas pioneiras que
contribuíram, decisivamente, para as tantas conquistas femininas em decorrência
da sua luta, sua coragem e seu sacrifício. Elas, e suas ilustres antecessoras
desde a remotíssima Antiguidade, são as heroínas dessa luta das mulheres pelo
simples, posto que inalienável, direito de pensar, que por milênios lhes foi
sonegado.
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