O papel da Filosofia
Pedro
J. Bondaczuk
O filósofo, poeta e
ensaísta português George Agostinho Baptista da Silva – que assinava sua obra
apenas como Agostinho da Silva – definiu, com meridiana clareza, qual é o
verdadeiro papel e o real objetivo da Filosofia. Muitos desconhecem-nos ainda
hoje. Esperam dela o que nunca lhe coube fazer: dar respostas para os enigmas
da vida e do universo. Agostinho da Silva, no entanto, observou: “Filosofia é
provocação e dúvida: jamais certeza e ensino. Platão se perdeu quando fundou a
Academia. Virou dono da verdade e aprendiz de tirano”. Foi esse caráter
provocador, sempre apresentando novas perguntas quando tudo parece já ter sido
respondido, que fez dela “a mãe de todas as ciências”.
Esse eminente pensador,
autor do instigante livro “Sete cartas a um jovem filósofo”, nasceu no início
do século XX, em 13 de fevereiro de 1906 e morreu, aos 84 anos de idade, em 3
de abril de 1994. É um autor que recomendo a quem queira conhecer alguns dos
caminhos para o conhecimento e a criação. É imperdível. O ponto de partida, o
“estopim” para qualquer cogitação filosófica, começa, portanto, com perguntas.
E com as mais elementares e básicas, que homens e mulheres de todas as partes e
lugares vêm fazendo há milênios: O que sou? De onde venho? Para onde vou? Onde
estou? E vai por aí adiante.
Filosofar, portanto,
consiste em tentar responder a estas e a infinitas questões. Não esperem, no
entanto, encontrar respostas definitivas, claras, objetivas, exatas e
indestrutíveis, o que, aliás, ninguém, jamais, logrou conseguir. E obtê-las
sequer é o objetivo da Filosofia. Nunca foi. Ela lida é com dúvidas e não com
certezas. É provável (pelo menos plausível) que estas foram as primeiras
perguntas feitas por nossos remotíssimos ancestrais (que provavelmente ainda
habitavam as cavernas e mal começavam a fabricar rústicas “ferramentas” de
pedra lascada) tão logo descobriram que
podiam “pensar”. Quando isso ocorreu? Ninguém sabe e certamente jamais saberá.
Não há como saber. Só podemos especular a propósito. Essas quatro perguntas
originais, essa dúvida primária que ainda persiste e que não creio que algum
dia venha a ser dirimida, que gerou e vem gerando milhares e milhares de
especulações, constituem o alicerce, a base, o fundamento da Filosofia.
Pois foi trazendo à
baila essas questões antiqüíssimas e simultaneamente atualíssimas que o
escritor norueguês Jostein Gaarder iniciou sua obra-prima, “O mundo de Sofia”.
Com inusitada maestria e habilidade, ele conseguiu escrever um livro que é, ao
mesmo tempo, atrativo romance (que se presta, portanto, ao entretenimento) e
magna aula de filosofia, que induz o leitor à reflexão. Intitulou o primeiro
capítulo de “O Jardim do Éden”, com este complemento: “... no final das contas,
algo teria que ter surgido a partir do nada”. Cabe, aqui, uma explicação, para
melhor entendimento do enredo. A história começa com a apresentação da
personagem central, em torno da qual tudo gira.
Às vésperas de
completar quinze anos de idade, Sofia Amundsen começa a receber misteriosos
bilhetes e cartões postais no mínimo bastante estranhos. As mensagens são
anônimas e não dizem nada, apenas “perguntam”. As duas primeiras questões
apresentadas à adolescente, que receberia muitas outras, são: “quem é ela e de
onde vem o mundo em que vivemos”. Os postais são tão misteriosos e enigmáticos
quanto os bilhetes. Procedem do Líbano, enviados um major desconhecido, que
serve às forças de paz da ONU naquele país que, na época em que o livro foi
escrito (1990), vivia longa guerra civil que já durava mais de uma década.
Ademais, nem eram endereçados a Sofia, mas para outra adolescente, que também
completaria 15 anos no dia seguinte, chamada Hilde Knag, jovem que a garota não
tinha a mais remota idéia quem era.
O mistério dos
bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste fascinante romance,
best-seller internacional, inclusive no Brasil. Sofia tinha um recanto
particular que para ela era revestido de magia e de encantamento: o jardim de
sua casa. Considerava-o seu mundo, um lugar todo seu, onde se refugiava em
momentos de dúvidas ou de aflições. Mas... acho melhor dar “voz” a Jostein
Gaarder, neste trecho revelador de seu romance:
“(...) Sofia sempre
achou que o jardim era um mundo inteiro para ela. Toda a vez que ouvia falar do
Jardim do Éden mencionado no mito da criação, ela se lembrava de estar sentada
no seu esconderijo, observando seu próprio paraíso.
- De onde vem o mundo?
Como ela poderia
saber? Sofia tinha ciência de que a Terra era apenas um pequeno planeta no
universo. Mas de onde vinha o próprio universo?
Podia-se é claro
pensar que o universo era algo que sempre existira, portanto não seria
necessário achar uma resposta para aquela questão. Mas esse algo poderia ter
sempre existido? Dentro dela crescia uma sensação a essa idéia. Pois o universo
tinha, de algum modo, que ter surgido a partir de alguma coisa.
Mas se o universo
subitamente tivesse surgido a partir de outra coisa essa outra coisa também
teria que ter surgido de mais outra coisa. Sofia sentia que estava apenas
roçando um problema maior. No fim das contas, algo teria que ter surgido a
partir do nada. Mas isso fazia sentido? Não seria também impossível imaginar
que o universo sempre existira? (...)”.
Atualmente, é uma
espécie de consenso no mundo científico e acadêmico a “Teoria do Big-Bang”. Ou
seja, que no princípio, tudo o que constitui o universo – galáxias, estrelas,
planetas etc.etc.etc. – estava absurdamente comprimido em algo do tamanho menor
do que o ponto final deste texto. E que, por causas não explicadas, ocorreu uma
incomensurável explosão, que redundou nisso tudo que aí está: em galáxias,
estrelas, planetas etc.etc.etc. Embora hoje constitua-se virtualmente em dogma,
não há a mais remota comprovação de que essa foi a origem universal. Ademais,
se as coisas ocorreram assim mesmo (no que não creio), onde estava esse
superaglomerado, que resultou no universo, que entendo infinito? Afinal, estava
em algum lugar. Em qual? Co9mo esse lugar surgiu? Perguntas, perguntas e
perguntas. E é bom que assim seja, posto que o papel da Filosofia não é o de
trazer respostas ou apresentar conclusões comprovadas, que devam ser ensinadas
às pessoas. É, e sempre será, PROVOCAÇÃO e DÚVIDAS!!!
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