Sunday, February 07, 2016

O papel da Filosofia

Pedro J. Bondaczuk

O filósofo, poeta e ensaísta português George Agostinho Baptista da Silva – que assinava sua obra apenas como Agostinho da Silva – definiu, com meridiana clareza, qual é o verdadeiro papel e o real objetivo da Filosofia. Muitos desconhecem-nos ainda hoje. Esperam dela o que nunca lhe coube fazer: dar respostas para os enigmas da vida e do universo. Agostinho da Silva, no entanto, observou: “Filosofia é provocação e dúvida: jamais certeza e ensino. Platão se perdeu quando fundou a Academia. Virou dono da verdade e aprendiz de tirano”. Foi esse caráter provocador, sempre apresentando novas perguntas quando tudo parece já ter sido respondido, que fez dela “a mãe de todas as ciências”.

Esse eminente pensador, autor do instigante livro “Sete cartas a um jovem filósofo”, nasceu no início do século XX, em 13 de fevereiro de 1906 e morreu, aos 84 anos de idade, em 3 de abril de 1994. É um autor que recomendo a quem queira conhecer alguns dos caminhos para o conhecimento e a criação. É imperdível. O ponto de partida, o “estopim” para qualquer cogitação filosófica, começa, portanto, com perguntas. E com as mais elementares e básicas, que homens e mulheres de todas as partes e lugares vêm fazendo há milênios: O que sou? De onde venho? Para onde vou? Onde estou? E vai por aí adiante.

Filosofar, portanto, consiste em tentar responder a estas e a infinitas questões. Não esperem, no entanto, encontrar respostas definitivas, claras, objetivas, exatas e indestrutíveis, o que, aliás, ninguém, jamais, logrou conseguir. E obtê-las sequer é o objetivo da Filosofia. Nunca foi. Ela lida é com dúvidas e não com certezas. É provável (pelo menos plausível) que estas foram as primeiras perguntas feitas por nossos remotíssimos ancestrais (que provavelmente ainda habitavam as cavernas e mal começavam a fabricar rústicas “ferramentas” de pedra lascada)  tão logo descobriram que podiam “pensar”. Quando isso ocorreu? Ninguém sabe e certamente jamais saberá. Não há como saber. Só podemos especular a propósito. Essas quatro perguntas originais, essa dúvida primária que ainda persiste e que não creio que algum dia venha a ser dirimida, que gerou e vem gerando milhares e milhares de especulações, constituem o alicerce, a base, o fundamento da Filosofia.

Pois foi trazendo à baila essas questões antiqüíssimas e simultaneamente atualíssimas que o escritor norueguês Jostein Gaarder iniciou sua obra-prima, “O mundo de Sofia”. Com inusitada maestria e habilidade, ele conseguiu escrever um livro que é, ao mesmo tempo, atrativo romance (que se presta, portanto, ao entretenimento) e magna aula de filosofia, que induz o leitor à reflexão. Intitulou o primeiro capítulo de “O Jardim do Éden”, com este complemento: “... no final das contas, algo teria que ter surgido a partir do nada”. Cabe, aqui, uma explicação, para melhor entendimento do enredo. A história começa com a apresentação da personagem central, em torno da qual tudo gira.

Às vésperas de completar quinze anos de idade, Sofia Amundsen começa a receber misteriosos bilhetes e cartões postais no mínimo bastante estranhos. As mensagens são anônimas e não dizem nada, apenas “perguntam”. As duas primeiras questões apresentadas à adolescente, que receberia muitas outras, são: “quem é ela e de onde vem o mundo em que vivemos”. Os postais são tão misteriosos e enigmáticos quanto os bilhetes. Procedem do Líbano, enviados um major desconhecido, que serve às forças de paz da ONU naquele país que, na época em que o livro foi escrito (1990), vivia longa guerra civil que já durava mais de uma década. Ademais, nem eram endereçados a Sofia, mas para outra adolescente, que também completaria 15 anos no dia seguinte, chamada Hilde Knag, jovem que a garota não tinha a mais remota idéia quem era.

O mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste fascinante romance, best-seller internacional, inclusive no Brasil. Sofia tinha um recanto particular que para ela era revestido de magia e de encantamento: o jardim de sua casa. Considerava-o seu mundo, um lugar todo seu, onde se refugiava em momentos de dúvidas ou de aflições. Mas... acho melhor dar “voz” a Jostein Gaarder, neste trecho revelador de seu romance:

“(...) Sofia sempre achou que o jardim era um mundo inteiro para ela. Toda a vez que ouvia falar do Jardim do Éden mencionado no mito da criação, ela se lembrava de estar sentada no seu esconderijo, observando seu próprio paraíso.

- De onde vem o mundo?

Como ela poderia saber? Sofia tinha ciência de que a Terra era apenas um pequeno planeta no universo. Mas de onde vinha o próprio universo?

Podia-se é claro pensar que o universo era algo que sempre existira, portanto não seria necessário achar uma resposta para aquela questão. Mas esse algo poderia ter sempre existido? Dentro dela crescia uma sensação a essa idéia. Pois o universo tinha, de algum modo, que ter surgido a partir de alguma coisa.

Mas se o universo subitamente tivesse surgido a partir de outra coisa essa outra coisa também teria que ter surgido de mais outra coisa. Sofia sentia que estava apenas roçando um problema maior. No fim das contas, algo teria que ter surgido a partir do nada. Mas isso fazia sentido? Não seria também impossível imaginar que o universo sempre existira? (...)”.

Atualmente, é uma espécie de consenso no mundo científico e acadêmico a “Teoria do Big-Bang”. Ou seja, que no princípio, tudo o que constitui o universo – galáxias, estrelas, planetas etc.etc.etc. – estava absurdamente comprimido em algo do tamanho menor do que o ponto final deste texto. E que, por causas não explicadas, ocorreu uma incomensurável explosão, que redundou nisso tudo que aí está: em galáxias, estrelas, planetas etc.etc.etc. Embora hoje constitua-se virtualmente em dogma, não há a mais remota comprovação de que essa foi a origem universal. Ademais, se as coisas ocorreram assim mesmo (no que não creio), onde estava esse superaglomerado, que resultou no universo, que entendo infinito? Afinal, estava em algum lugar. Em qual? Co9mo esse lugar surgiu? Perguntas, perguntas e perguntas. E é bom que assim seja, posto que o papel da Filosofia não é o de trazer respostas ou apresentar conclusões comprovadas, que devam ser ensinadas às pessoas. É, e sempre será, PROVOCAÇÃO e DÚVIDAS!!!


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